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Nasceu no dia da revolução mas está desapontado com o estado do país
A vida de Carlos Martinho e Maria de Lurdes Oleiro ficou marcada pelo dia 25 de Abril

Nasceu no dia da revolução mas está desapontado com o estado do país

No dia 25 de Abril de 1974 Maria de Lurdes Oleiro deu à luz. Carlos veio ao mundo precisamente no dia em que Salgueiro Maia dava o corpo às balas e poucas horas depois do militar ter pedido a rendição do Governo.

Maria de Lurdes Oleiro teve mais com que se preocupar há 45 anos, no preciso dia em que, em Lisboa, de desenrolavam os acontecimentos decisivos da Revolução dos Cravos. Pariu nesse dia. “É assim mesmo que se diz, parir”, conta. Enquanto os militares davam luz a uma nova ordem para o país, nesse dia 25 de Abril de 1974 nascia, pelas 17h00, Carlos Martinho, em Alcanena.
“Pesava cinco quilos, menina, teve que ser de cesariana. O que eu sofri nesse dia”, revela à reportagem de O MIRANTE, entre risos, Maria de Lurdes. Nesse dia, Salgueiro Maia dava, literalmente, o corpo às balas. Mas passados que estão 45 anos, Carlos Martinho, um dos bebés de Abril, é taxativo: “Sabendo o que sei hoje, não seria um revolucionário, nem acompanharia os capitães de Abril, se fosse jovem, nessa altura”.
Carrega na sua data de nascimento a data que mudou o rumo de Portugal, mas pouco se identifica com a revolução. “Claro que a ditadura tinha que cair, isso é certo. Mas penso que a democracia pouco trouxe de novo. Algumas coisas mudaram apenas de nome, porque o conteúdo continua lá”.
As perseguições no trabalho continuam a existir, mas agora chamam-se assédio; igualdade entre os indivíduos está ainda pior; a corrupção instalou-se e na política, então, é o que se vê; o respeito pelo próximo não existe, perderam-se valores, principalmente os que envolvem a sensibilidade e a cumplicidade entre o ser humano, ao invés surge o capitalismo e o egoísmo, considera. “Temos tudo para ser um país excepcional, mas a democracia não trouxe isso. Muito pelo contrário”, enumera um dos primeiros portugueses a nascer e a crescer em democracia.
Admira a coragem dos capitães de Abril mas, há sempre um “mas”. “Foi uma revolta pensada, mas pouco estudada, faltou estratégia e houve nos anos seguintes um descontrolo muito grande”, defende Carlos Martinho.
Mãe informada pelos médicos
A mãe, ainda em convalescença, soube da revolução pelos médicos de serviço. “Foram os médicos que nos disseram que tinha havido qualquer coisa, uma revolução dos militares em Lisboa, que tinham saído de Santarém. Mas não tive noção do que se passava nessa altura, nem daquilo que iria trazer”, recorda. “Depois percebi, mas não liguei muito. Eu queria era trabalhar. Não ligávamos muito à política. Mal saíamos da terra, não tínhamos tempo para isso. Nem tínhamos televisão, só um rádio que poucas vezes se ligava”.
Maria de Lurdes Oleiro é mulher do campo e de trabalho. Abril também lhe corre nas veias, completou no dia 1 deste mês 80 anos de vida. O marido, já falecido, fez o serviço militar obrigatório e não mais se envolveu com os militares ou com a política. “Trabalhávamos todos muito para ter o que pôr na mesa aos filhos. Nunca faltou nada. Essa era a nossa preocupação: trabalhar”.
Carlos Martinho aproveita a deixa da mãe e conta que o avô materno, também ele homem de trabalho, conseguiu fazer duas casas para os seus dois filhos, na Azenha, freguesia do Arneiro das Milhariças, concelho de Santarém, onde Maria de Lurdes Oleiro ainda reside. “Isso dá que pensar, porque nos dias de hoje, com os salários que temos, mal conseguimos pagar a prestação de uma casa”.
O “revolucionário”, o “bebé de Abril”, são nomes a que Carlos Martinho não escapa, por brincadeira entre amigos ou quando tem que ir a um serviço qualquer onde tem que referir a data de nascimento. Mas este “filho da revolução” respeita Abril, mas não enverga o cravo ao peito.

Nasceu no dia da revolução mas está desapontado com o estado do país

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