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Politécnico de Santarém precisa de lideranças fortes e de se abrir ao exterior
Ilído Lopes afirma que qualquer capital de distrito precisa de uma instituição de ensino superior forte

Politécnico de Santarém precisa de lideranças fortes e de se abrir ao exterior

Ilídio Tomás Lopes, antigo professor e director da Escola Superior de Gestão de Santarém, em entrevista a O MIRANTE. Tem faltado ousadia e assertividade às sucessivas presidências para afirmar o Instituto Politécnico de Santarém na região e no país. Ilídio Lopes diz que o meio académico tem de deixar de estar fechado na sua concha e de pensar pequenino.

Deixou a direcção da Escola Superior de Gestão e Tecnologia de Santarém (ESGTS) há quase seis anos, para exercer as funções de docente e investigador do ISCTE, em Lisboa. Tem saudades de Santarém?

Continuo a ter um carinho muito especial pela cidade de Santarém e pela escola em particular, mas sinto alguma pena, obviamente, por aquilo que foi e que, de alguma forma, se calhar, continua a ser o Instituto Politécnico de Santarém (IPS).

Porquê?

Quando abracei as funções de director da ESGTS não tinha qualquer perspectiva de um dia sair de Santarém. Naquele tempo e naquele espaço tinha imaginado que o IPS poderia ser um elemento forte na cidade e na região. Acho que qualquer capital de distrito precisa de uma instituição de ensino superior forte.

O IPS não se tornou aquilo que gostaria que se tivesse tornado?

O IPS na altura não era de todo aquilo que imaginei que poderia e deveria ser. Depois disso fui acompanhando a evolução e a percepção que tenho hoje é que não terá evoluído da forma que seria desejável.

Que expectativas tem em relação a esta nova presidência no Politécnico de Santarém?

Não conheço em rigor esta nova presidência. Não tenho qualquer referência do presidente nem dos vice-presidentes. Nem de nome os conhecia. Antes das eleições, quando surgiu a possibilidade de haver outros candidatos, manifestei o meu apoio ao dr. José Miguel Noras

Porquê?

Tenho estima e reconhecimento por aquilo que foi o seu caminho, independentemente de todos os aspectos políticos que possam existir.

Acha que seria positivo para o IPS ter um presidente de fora da comunidade académica, que tivesse uma visão mais distanciada?

Sim. Considero que o IPS precisaria de um olhar diferente. Penso que as instituições, contrariamente àquilo que é a opinião de muita gente, precisam de um olhar externo, independente, embora conhecedor desses meandros.

O meio académico é muito fechado?

O meio académico é muito fechado, é muito hostil ao que vem de fora. Há uma resistência, que diria quase natural, ao que vem de fora. Os argumentos são os de que quem vem de fora não conhece o sistema, mas tenho uma opinião um bocadinho diferente. Quem está dentro por vezes também adquire determinados vícios e condutas que tornam o sistema tão hermético que impedem o seu desenvolvimento.

E por vezes faltará também alguma ligação à comunidade, ao que se passa fora das paredes da instituição.

Sim, falta alguma ligação ao mundo real.

Voltando ao apoio que manifestou à possível candidatura de José Miguel Noras à presidência do IPS, que acabaria por não avançar…

Na altura declarei o meu apoio, por achar que o IPS precisava dessa mudança. Quanto à pessoa que actualmente preside ao IPS (eng.º José Mira Potes) não tinha qualquer opinião sobre a sua capacidade de gestão. E o outro candidato, dr. Hélder Pereira, que já era vice-presidente do IPS, não traria nada de novo, para além de eu considerar que o trabalho da anterior equipa, com excepção da vice-presidente dra. Teresa Serrano, que considero uma pessoa bastante dedicada à causa, não se traduziu naquilo que era desejável para a evolução do IPS.

Que conselhos daria ao actual presidente do Politécnico de Santarém para afirmar o instituto na região e no país?

O IPS, pelo menos no tempo que estive por lá, nunca teve direcções ou equipas de gestão fortes, que tivessem preocupação em projectar a instituição como elemento dinamizador daquilo que é uma capital de distrito. Qualquer capital de distrito do interior necessita de uma instituição de ensino superior forte. Penso que isso nunca esteve na preocupação, regra geral, das equipas de gestão. Sempre estiveram muito orientadas para dentro, para dinâmicas internas, com uma visão muito micro…

Quando falava sobre a afirmação do IPS na região, não acha que o facto de haver dois politécnicos neste distrito prejudica um pouco essa ambição?

Sempre considerei isso. A existência de dois politécnicos no distrito, em Santarém e Tomar, motiva uma certa canibalização que não é desejável para a região. Até poderiam coexistir os dois politécnicos, mas com um caminho paralelo, de parceria, com valências diferentes e complementares.

Além disso, apesar de os politécnicos serem instituições de base regional podem perfeitamente afirmar-se no contexto nacional e até internacional em áreas muito específicas e que primem pela diferenciação. Como pode ser o caso, por exemplo, da Escola Superior de Desporto de Rio Maior, que me parece estar a conseguir afirmar-se nessa perspectiva.

É importante as escolas e o IPS alargarem horizontes, mas também é importante olhar com atenção para o que se passa à sua porta. Ou não é assim?

Instituições desta natureza não podem estar de costas voltadas para os agentes económicos, sociais e outros da região onde se inserem. E isso para mim também falhou aqui em Santarém.

Falhou porquê?

Senti que existiu sempre alguma incapacidade de tomar decisões no momento certo, de forma assertiva. Estou a falar dos anos em que fui professor mas, sobretudo, depois como director da Escola de Gestão, a partir de 2011.

Faltava ousadia e assertividade por parte do então presidente do IPS Jorge Justino?

Sempre disse isso.

Todo esse contexto teve peso na decisão de sair de Santarém e ir para o ISCTE em Lisboa?

Nunca tive qualquer perspectiva de sair de Santarém. Imaginava o meu percurso até à reforma no Politécnico de Santarém. Quando abriu concurso para o ISCTE achei legítimo querer aproximar-me de casa, pois vinha todos os dias da Charneca da Caparica para Santarém. Por outro lado, o modelo de gestão do IPS não correspondia minimamente àquilo que eu idealizava. Sentia alguma inércia na tomada de decisão e na assumpção de riscos, faltava ousadia na ligação ao exterior e na projecção da instituição.

Desiludido com colegas da Escola de Gestão

Santarém e Tomar são dos institutos politécnicos do país com menor percentagem de professores doutorados. Isso pode ter reflexos na qualidade do ensino?

Hoje está tudo muito assente nessas percentagens. O facto de uma pessoa ser doutorada não é sinónimo de que seja melhor professor. Não significa que tenha reflexos na qualidade do ensino. Importa mais levar os docentes a abandonarem aquilo que é a visão muito individualista da sua carreira e assumam um processo de auto-aprendizagem quer do ponto vista técnico quer do ponto de vista pessoal e de motivação. Confesso que quando saí de Santarém levei alguma desilusão relativamente aos docentes da Escola de Gestão.

Porquê?

Sempre defendi os meus docentes. Quando fui director tive um mandato pacífico, sem processos judiciais nem momentos conturbados. Quando se soube da minha decisão de sair, as pessoas não procuraram saber os motivos pelos quais decidi ir embora. O meu desalento é um bocadinho por aí. Parece que 16 anos nessa escola não representaram nada.

Não mantém contacto com antigos colegas da Escola de Gestão?

Poucos. A primeira vez que regressei à Escola de Gestão foi cinco anos depois da minha saída, em Maio do ano passado, para fazer um seminário a convite de uma professora. E fui muito bem acolhido.

O ambiente interno na Escola de Gestão tem vivido alguns momentos conturbados nos últimos anos. Tem acompanhado esses episódios?

Não sei muito disso.

Que opinião tem do seu sucessor na direcção da Escola de Gestão, Vítor Costa?

Está no seu segundo mandato. Pessoalmente, considero que em termos de equipa há diferenças. Tenho uma opinião muito boa do professor Sérgio Cardoso, que é o sub-director. Foi uma boa escolha. Tenho uma relação boa com o professor Vítor Costa, penso que está a fazer o melhor que pode em ambientes conturbados, mas a minha ligação é muito à distância. Aliás, desde a minha saída do Politécnico nunca mais me convidaram para qualquer acto. É como se eu não tivesse história na instituição.

Isso deixa-o melindrado?

Melindrado não, mas deixa-me triste. Uma instituição cujos órgãos não preservam aquilo que é a sua memória colectiva não lhe atribuo muito futuro.

Até que ponto essa instabilidade interna que se verifica na Escola de Gestão pode ser prejudicial à imagem da escola e do próprio Politécnico de Santarém?

É como algo que vai minando sucessivamente as instituições, desgastando a sua imagem. Cada vez mais estou convicto que o aspecto reputacional é importantíssimo e pode destruir uma instituição de um momento para o outro. O risco reputacional é o mais corrosivo que existe nas instituições. E, infelizmente, o Politécnico de Santarém e a Escola de Gestão em particular nunca tiveram consciência desse risco e nunca o tomaram em conta.

Os cursos de licenciatura e mestrado em Marketing da Escola Superior de Gestão não foram acreditados pela entidade que faz a avaliação dos cursos. O que significa que não vão receber matrículas para o primeiro ano no próximo ano lectivo. O que pensa disso?

Foi com muita surpresa e até com alguma incompreensão que li essa notícia. A ideia que tinha era que a licenciatura em Marketing, o mestrado não tanto, estava consolidada. Vi com naturalidade, por exemplo, a descontinuidade da licenciatura em Administração Pública, mas no caso do marketing já não. Não consigo encontrar uma justificação. Se calhar houve um fraco investimento no corpo docente. Seja como for é mau e acredito que a própria direcção da escola tenha ficado surpreendida.

Acha que poderia dar um bom presidente do Politécnico de Santarém?

(risos) Dessa pergunta não estava à espera! Nunca esteve nos meus horizontes, apesar de, quando eu era director da Escola de Gestão, se falar nos corredores que podia ser um caminho natural no meu percurso.

Acha que tinha perfil para esse cargo?

Modéstia à parte, tenho as características técnicas, a visão, as características pessoais que poderiam dar um contributo positivo. Na vida aprendi que não devemos dizer sempre nem nunca. Sou professor de nomeação definitiva no ISCTE e seria preciso conjugar-se um conjunto de factores. O que posso dizer é que essa possibilidade não está de todo e nunca esteve nos meus horizontes.

Abrantes e Santarém têm evoluído pouco

A sua relação com o concelho de Abrantes, de onde é natural, é mais afectiva do que efectiva?

Sim, é mais afectiva do que efectiva. Mais afectiva porque passei lá os primeiros 18 anos da minha vida. Levava a vida normal de um rapaz de província de origens humildes.

Ainda vai a Bioucas de vez em quando?

Sim, a minha mãe ainda lá vive e vou lá de vez em quando, embora com pouca regularidade. Essa ligação afectiva mantém-se mas a vida está noutro lado, a família foi constituída noutro lado, as raízes sedimentam-se noutro lado, o que é natural. Mas não me considero de Lisboa ou da Margem Sul. Considero-me afectivamente daquela aldeia e da cidade de Abrantes.

Como vê Abrantes hoje?

Não evoluiu muito, tal como também não evoluiu muito Santarém, apesar de achar que existem diferenças entre a cidade a que cheguei em 1997 e a Santarém de hoje. Senti ao longo destes últimos 22 anos que Santarém tornou-se mais aberta, com mais luz, mas aquém daquilo que é desejável numa capital de distrito, que deve afirmar-se mais a nível cultural, empresarial, da educação e ensino superior... O mesmo se passa com Abrantes. Não tem que ser a estrela do distrito mas é uma cidade importante. Sinto-a uma cidade mais desertificada e mais “interiorizada” do que aquilo que deveria ser.

A má experiência na política

Em 2013, figurou em segundo lugar na lista à Câmara de Santarém do movimento independente Mais Santarém. Ficou-se por aí a sua ligação à política?

Ficou. Pertenci à Juventude Socialista até aos 30 anos, mas nunca fui um militante muito activo. Tive depois filiação no PS, mas também pouco activa. Não é o meu estilo. Sou uma pessoa bastante rebelde, que não gosta que lhe digam o que deve ou não fazer. Há uns anos, numa eleição para a Presidência da República, manifestei o meu apoio a Manuel Alegre, porque me revia na altura numa ala mais conservadora do PS. O partido na altura apoiou Mário Soares. Também não me revia no primeiro-ministro à época, José Sócrates, e resolvi desfiliar-me. Hoje não tenho filiação partidária.

Entretanto surgiu o convite do Mais Santarém.

Fui abordado pelo movimento Mais Santarém em 2013 e como não tinha ideia de que me iria embora de Santarém nesse mesmo ano, tratando-se de um movimento independente a que julgava poder dar um contributo e ter até um maior envolvimento por aqui, pensei: porque não?

E que balanço faz dessa participação?

Foi uma experiência que não considero positiva e que não me deixou saudades. Não contribuiu em nada para a minha valorização pessoal.

Não se vê na política tão cedo?

Neste papel partidário, agreste e hostil não. E nunca mais acompanhei a evolução desse movimento.

Da aldeia de Bioucas às avenidas da capital

Ilídio Tomás Lopes nasceu no dia 18 de Janeiro de 1966 na aldeia de Bioucas, no concelho de Abrantes. Viveu com os pais até aos 18 anos, altura em que, após concluir o ensino secundário na Escola Comercial e Industrial de Abrantes, foi estudar Gestão de Empresas para o Instituto Superior de Economia e Gestão, em Lisboa. Aos 25 anos era o director financeiro da multinacional Polaroid em Portugal e reportava directamente a Madrid. Esteve no ramo de auditoria interna em várias empresas. Foi professor na ESGTS 16 anos. Casado com uma professora, também natural da zona de Abrantes, é pai de uma rapariga e de um rapaz. Além de professor no ISCTE, em Lisboa, é também membro do conselho fiscal do banco EuroBic.

Um regresso inesperado a Santarém

Ilídio Tomás Lopes foi assessor do Tribunal da Concorrência Regulação e Supervisão, em Santarém, como especialista em auditoria e contabilidade, no caso que envolveu uma multa de 3,7 milhões de euros ao banqueiro Ricardo Salgado, este mês de Maio validada pelo Tribunal da Relação. Um processo que, a partir de Maio de 2017, o obrigou a voltar a Santarém.
O professor foi indicado pelo ISCTE e voltou a Santarém em contexto laboral quatro anos depois de ter deixado a direcção da Escola Superior de Gestão de Santarém. Um regresso que o apanhou de surpresa. Diz que se tratou de uma experiência muito positiva que lhe proporcionou “uma aprendizagem incomensurável e a compreensão sobre muita coisa” que se passa neste país. “Acredito que tenha contribuído para a clarificação, para a justiça, com a consciência de que aquilo que disse foi sempre de forma assertiva”, refere.

Politécnico de Santarém precisa de lideranças fortes e de se abrir ao exterior

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