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“A campinagem é a arte que me liga à terra e a paixão de uma vida”
Fernando Ganhão é o campino homenageado este ano na Feira de Maio em Azambuja

“A campinagem é a arte que me liga à terra e a paixão de uma vida”

Fernando Ganhão é o campino homenageado este ano na Feira de Maio em Azambuja. Nascido e criado em Benavente, Fernando Ganhão é encarregado geral do gado da Companhia das Lezírias. Aos 66 anos, os dias no campo tornam-se mais árduos, mas ainda lhe sobram forças para subir ao dorso de um cavalo e percorrer os campos da lezíria. Uma paixão que lhe corre nas veias e que passou ao filho mais novo.

Passam-se os portões da Charneca do Infantado, propriedade da Companhia das Lezírias, no Porto Alto, concelho de Benavente. A paisagem verdejante onde pastam bois e cavalos é imponente, marcando o ritmo de trabalho da campinagem. É neste cenário que Fernando Ganhão, homem de estatura média e mãos ásperas que dão prova do trabalho duro do campo, surge trajado a preceito.
Aos 66 anos, e como vem sendo hábito, vai compor a parada de campinos naquela que é conhecida como a feira mais castiça do Ribatejo, a Feira de Maio, em Azambuja. Mas este ano Fernando Ganhão terá um destaque diferente. Rodeado pelos seus companheiros de trabalho, vai ser o campino homenageado no domingo, 2 de Junho. E uma semana antes, a emoção já vem ao de cima. A voz falha e as mãos tremem-lhe só de pensar.
“Talvez seja melhor tomar um calmante, porque não vou conseguir manter-me firme no cavalo sem chorar”, começa por dizer a O MIRANTE, referindo-se ao momento em que os campinos, um a um, o vão cumprimentar e segredar-lhe palavras ao ouvido. “É uma grande homenagem a todos os campinos, o reconhecimento pelo nosso trabalho”, acrescenta.
Fernando Ganhão, natural de Benavente, é o encarregado geral do gado da Companhia das Lezírias desde 1998 e campino há 51 anos. Todos os dias se levanta ao raiar do sol e só regressa a casa quando este se põe. Não conta as horas de trabalho, o “importante é ficar tudo feito, e bem feito”. A casa fica ali mesmo, no interior da Charneca, com vista privilegiada para as terras onde guarda o gado manso. “Passam-se dias que não saio daqui de dentro. É aqui que me sinto bem, na minha casa e a trabalhar no campo. É um trabalho duro que me deixa muitas cruzes, mas a campinagem é a arte que me liga à terra e a paixão de uma vida”, refere.
Apaixonado por toiros e cavalos, é responsável por mil cabeças de gado bovino e pelos cinco campinos que ali trabalham. Já foram mais, lamenta, lembrando o tempo em que a Companhia das Lezírias tinha 4.000 cabeças de gado e dava trabalho a perto de duas dezenas de campinos. É uma prova, diz, “de que esta actividade está a desaparecer de dia para dia”, em parte por “falta de união dos aficionados”, que não defendem como deviam a tauromaquia. “As manifestações que se vêem no Campo Pequeno é porque lá não há malta aficionada, só por lá andam turistas. Em Espanha, onde os aficionados se unem à séria, eles [anti-taurinos] não metem lá os pés”, aponta.

Ser campino é mais do que montar a cavalo e ir às festas
Sobre os jovens que se iniciam na campinagem, convinha, diz Fernando Ganhão, que de vez em quando quisessem “aprender com os mais velhos”. “Não basta montar a cavalo e ir às festas. Ser-se campino é muito mais do que isso. É saber cuidar do gado, alimentá-lo, saber se estão saudáveis e se as cercas estão em ordem para evitar fugas”, explica.
Era ainda criança quando a mãe lhe trouxe um cavalo de madeira que comprou numa feira. Feliz, montado no brinquedo, imaginava-se a percorrer os campos da lezíria e a fintar o gado bravo. Depois de terminar a quarta classe, teve de se fazer ao caminho e foi trabalhar para a Quinta da Foz, em Benavente, onde cuidava das éguas e carregava arroz.
Como não estava cumprido o sonho de ser campino, com 15 anos foi para a Herdade da Adema, no Porto Alto, onde lhe foi posto à disposição o primeiro cavalo com que campinou e um tractor para lavrar a terra. “O meu sonho sempre foi ser campino, já me estava nas veias e não consegui evitar”, diz.
É nessa herdade que ganha o nome pelo qual ainda hoje é conhecido: “Gadelha”. A alcunha foi ganha pelos longos cabelos que usava, para acompanhar o estilo da vestimenta, a calça à boca de sino, que deixou de usar quando passou a ser “100 por cento campino”. Passou ainda pela Ganadaria de Jorge Pereira dos Santos e pela Ganadaria Engenheiro Rui Gonçalves, como maioral das vacas bravas, até se mudar definitivamente para a Companhia das Lezírias.

Filho mais novo seguiu as pisadas do pai
Hoje diz que a carga de trabalho é menor pela maquinaria que está à disposição. “Já não andamos em sofrimento a carregar fardos de palha, agora é tudo mecanizado”, conta, dizendo que noutros tempos até a sua mulher ajudava nessa tarefa. Deolinda Ganhão que sempre foi o seu “maior apoio” deu-lhe quatro filhos, um deles já falecido na sequência de num acidente de viação. Fernando Ganhão carrega a dor da perda todos os dias, uma dor que “vai estar presente no dia da homenagem”, onde vai contar com a presença da família. Ao seu lado, montado num ginete, vai estar o filho mais novo, Alexandre Ganhão, que tal como o pai dedica a sua vida à arte da campinagem.

“A campinagem é a arte que me liga à terra e a paixão de uma vida”

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