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Varrer as ruas da Chamusca é um trabalho só para homens
Varredores sentem orgulho no trabalho por estarem a tornar a vila mais bonita, mas queixam-se da falta de civismo de alguns chamusquenses

Varrer as ruas da Chamusca é um trabalho só para homens

Depois de muita polémica com o município, a Junta da Chamusca e Pinheiro Grande assumiu a responsabilidade da limpeza urbana e espaços verdes das duas freguesias. Neste momento há 13 homens que passam o dia a limpar o que os outros sujam. A maioria nunca tinha pegado numa vassoura, mas a falta de trabalho qualificado ditou-lhes o destino. O MIRANTE acompanhou o final de um dia de trabalho dos funcionários que, garantem, preferem andar a limpar as ruas da vila do que estarem o dia todo fechados num escritório.


O dia de trabalho dos 13 homens responsáveis pela limpeza das ruas e espaços verdes da Chamusca e Pinheiro Grande começa, pontualmente, às oito da manhã. A comitiva é dividida, no estaleiro perto do Jardim do Coreto, em três equipas: uns pegam nos carrinhos a rodas que suportam o caixote do lixo de plástico, outros agarram nas vassouras, e os últimos seguram nos sopradores de jardins. Na Chamusca a profissão de varredor ainda não se modernizou. Em vez dos veículos com os varredores automáticos, é a força de trabalho de cada um que define se o serviço é ou não bem conseguido.
Em 2014 a junta de freguesia perdeu a responsabilidade da limpeza urbana e dos espaços verdes. O trabalho começou a ser realizado pela Resitejo/RSTJ e, depois de muita polémica entre junta e câmara (ver caixa), a 4 de Janeiro deste ano a junta voltou a assumir as competências.
O MIRANTE acompanhou, numa tarde de sexta-feira, antes do novo confinamento, o final do dia de trabalho dos 13 funcionários. O fim-de-semana traz o merecido descanso e o entusiasmo dos homens é evidente. Alguns apressam-se porque têm coisas combinadas com as suas mulheres; com mais calma, os que são solteiros ou sem compromissos agendados, escolhem o café onde vão beber o copo de vinho ou a cerveja. A debandada acontece e são poucos os que ficam para falar com o repórter.
A maioria dos trabalhadores nunca teve a vassoura como ferramenta de trabalho, mas a falta de trabalho qualificado no concelho ditou-lhes o destino. Luís Silva, 60 anos, trabalhou a vida inteira como electricista. Recentemente esteve a trabalhar numa fábrica, mas os turnos, sobretudo os da noite, tiraram-lhe anos de vida, e não só: “Estive mais de um ano sem jantar com a minha mulher Elisa”, sublinha. Hoje em dia, para além de passar mais tempo com a mulher, pode tratar das várias culturas que tem no quintal da sua casa.
O tempo em que se ouvia, muitas vezes, que varrer ruas era coisa de pobre, já lá vai. José Alves é um dos poucos funcionários que ficaram da equipa da Resitejo. Trabalha na limpeza das ruas da Chamusca há meia dúzia de anos e gosta do que faz. “É um trabalho como outro qualquer. Não me envergonha, pelo contrário, sinto orgulho por estar a ajudar a tornar a minha vila mais bonita”, admite. Andar a varrer, diz, é “lixado” para a coluna mas é melhor do que passar um dia inteiro fechado num escritório.

“É impressionante a falta de civismo de algumas pessoas”
O encarregado da equipa chama-se Luís Oliveira e é comum vê-lo, numa carrinha de caixa aberta, a percorrer a vila de uma ponta a outra. São os seus olhos que vão definindo quais os locais onde a limpeza é necessária. Garante que existem vilas e cidades muito mais sujas do que a Chamusca, embora considere que os chamusquenses podiam fazer mais pelo meio ambiente. “Encontramos no chão muitas beatas de cigarros, pastilhas elásticas e, agora, máscaras. É impressionante a falta de civismo de algumas pessoas em relação às máscaras” lamenta.
Seja em ruas ou travessas, parques ou jardins, o trabalho faz-se sempre com animação. A maior parte dos homens conhece-se há vários anos e, ao longo do dia, também vão encontrando pessoas amigas. A pandemia é o assunto da ordem, mas também se fala de futebol e de política. A passagem de uma mulher mais vistosa é a única desculpa aceitável para justificar ao chefe o motivo da distracção.
A Chamusca está mais limpa mas os funcionários apelam ao bom senso da população para a necessidade de proteger o ambiente. “É preciso ganhar consciência e pensar as vezes que forem precisas antes de se mandar lixo para o chão. O planeta agradece e a espécie humana talvez se aguente por cá mais tempo”, alertam.

Na briga com a câmara quem ganhou foi a junta

Em 2014, a União de Freguesias da Chamusca e Pinheiro Grande deixou de ter competências na limpeza da zona urbana e espaços verdes das duas localidades. O serviço foi transferido para a Resitejo/RSTJ, que recebia do município, até ao início deste ano, cerca de 200 mil euros anuais.
Rui Martinho, presidente da junta, em entrevista a O MIRANTE, acusou o presidente do município, Paulo Queimado, de boicotar ao seu trabalho. “A câmara transferia-nos cerca de 70 mil euros por ano para fazermos o trabalho que a Resitejo passou a fazer com 200 mil. Não contente com isso, o município pagava ainda a uma outra empresa para fazer a manutenção dos espaços verdes”, sublinhou.
Depois de muitas reuniões falhadas e de trocas de acusações entre os autarcas, a junta de freguesia recebe agora mais de 250 mil euros por ano para efectuar este serviço. Rui Martinho diz que se fez justiça e lamenta que o município tenha ido por um caminho que prejudicou toda a gente. “Vamos criar 15 postos de trabalho, melhorar as condições dos espaços e ainda vamos ter orçamento para investir noutras áreas importantes”, garante.
A junta de freguesia, diz Rui Martinho, vai duplicar o incentivo à natalidade, para fixar as famílias no concelho, e vai voltar a atribuir, 15 anos depois, subsídios às 19 associações da Chamusca e Pinheiro Grande.

Varrer as ruas da Chamusca é um trabalho só para homens

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