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José Cunha diz que fechado no lar está a perder faculdades
José Pereira da Cunha fotografado por O MIRANTE a 24 de Junho no dia em que fomos ao lar realizar esta entrevista. Apesar de já estar vacinado não tivemos autorização para uma foto sem máscara

José Cunha diz que fechado no lar está a perder faculdades

Entrevista com José Pereira da Cunha, antigo presidente da Câmara Municipal do Entroncamento

Não pode ir aos restaurantes onde costumava ir e para ir visitar a esposa ao hospital não pôde ir no seu próprio carro, nem no carro de um amigo. Há ano e meio confinado no lar de idosos onde reside, o antigo presidente da Câmara Municipal do Entroncamento, José Pereira da Cunha, considera que certas regras, como a do uso de máscara numa sala onde só estão pessoas vacinadas, são incompreensíveis.

A seis meses de fazer noventa anos e a viver num lar de idosos o antigo presidente da Câmara Municipal do Entroncamento, José Pereira da Cunha, está lúcido, apesar de a idade já lhe pesar, mas diz-se limitado na sua liberdade. Não pelo lar, mas pelas regras impostas pelas autoridades de saúde, nomeadamente o uso de máscara dentro das instalações onde todos já estão vacinados, situação que considera ser "incompreensível".

Para que a entrevista que o antigo autarca acedeu dar a O MIRANTE decorresse presencialmente, nas instalações do Lar da Santa Casa da Misericórdia do Entroncamento, onde reside, foi necessária a autorização prévia do Provedor da Santa Casa da Misericórdia. A conversa durou cerca de meia hora. José Cunha surgiu acompanhado por uma técnica da instituição que se retirou após o início da entrevista. Durante a mesma o entrevistado manteve a máscara e com ela continuou, mesmo para tirar as fotografias.

A sua voz não tem a firmeza de outrora mas não é débil. O seu raciocínio é claro. O seu discurso continua similar ao que tinha quando foi autarca. Primeiro vereador e depois presidente da câmara municipal, entre Janeiro de 1986 e Dezembro de 2001. Revisita os anos em que esteve no poder e analisa a actual situação do concelho. Diz que o que falta no Entroncamento são empregos, nomeadamente para pessoas qualificadas.

"O concelho tem capacidade para continuar a crescer e a desenvolver-se, apesar de, nos últimos tempos, ter estagnado um pouco. Aqui há todas as condições necessárias para que as pessoas tenham uma boa qualidade de vida. Há infra-estruturas para a prática desportiva; há espaços verdes; há habitação e escolas. O maior problema é a falta de emprego", sublinha.

Sendo o executivo socialista, acrescenta de imediato: “julgo que essa também é uma preocupação do actual executivo que já me disse estar a apostar na expansão da zona industrial para atrair novas empresas”.

No seu tempo como presidente da câmara, o Entroncamento chegou a ter ensino superior por um breve período. Primeiro através de um Pólo da Universidade Fernando Pessoa, que a autarquia instalou em apartamentos e que teve uma breve duração deixando cursos por acabar e depois com Instituto Superior de Transportes e Comunicações, aberto em 1992, que saiu da cidade em 2003. Apesar da sucessão de fracassos o antigo autarca não desarma.

"Uma outra coisa que falta para o Entroncamento estar completo é ensino superior. E existem condições e espaço para isso. O antigo Centro de Formação da CP tem todas as condições para ser convertido em escola superior. Tem salas de aula e ainda duzentos quartos totalmente equipados”, explica.

E fala com gosto do que fez durante o tempo que geriu o município. “Estive lá muito tempo por isso tinha de deixar obra feita e isso deixei. Infra-estruturas como o pavilhão desportivo, o museu, as piscinas, o centro cultural, o cinema, a comarca, o tribunal e 62 fogos de habitação social é tudo do meu tempo. Estas são apenas algumas das obras mais importantes”, conta.

Depois de ter passado a viver no Lar da Misericórdia, José Pereira da Cunha, teve que entregar os seus quatro cães à guarda de uma pessoa amiga. Três deles já morreram, restando ainda viva uma cadela, a que pôs o nome pretinha, por ter o pêlo preto. Antes da pandemia visitava-a regularmente e anseia por poder voltar a vê-la. "Há dezasseis meses que não a vejo", diz. Com as restrições da Covid-19 deixou também de ir aos restaurantes onde costumava ir. "É uma outra coisa que agora não posso fazer. Nem sempre a comida do lar me agrada, mas agora não posso ir comer fora. Normalmente ia ao Retornado, no Entroncamento, e ao Zé Serralheiro, em Pé de Cão", explica durante um telefonema a um jornalista de O MIRANTE, feito a 28 de Junho alguns dias após a entrevista.

Não é aquele o único impedimento. O carro que usava também está parado nas instalações do lar e qualquer deslocação necessária é num transporte da instituição. "O Henrique (irmão) e o meu amigo Joaquim vêm aí de quinze em quinze dias para o pôr a trabalhar mas ainda tenho carta válida e acho-me capaz de conduzir", explica.
Conta que a esposa, Laurinda Cunha, precisou de cuidados médicos e está internada em Torres Novas mas que não sabe se vai conseguir visitá-la. “Há visita amanhã, que é terça-feira, mas se for, tenho que ir num transporte do lar. Nem sequer posso ir de carro com um amigo. Acho incompreensível", lamenta.

Durante o telefonema fica preocupado por não conseguir lembrar-se do nome completo do amigo que mencionou a propósito do carro e liga algum tempo depois a desculpar-se. “Peço desculpa por não me ter lembrado do nome mas geralmente só lhe chamo Joaquim. O nome completo é; João Manuel Antunes Rodrigues Joaquim”.

José da Cunha mantém contacto com algumas outras pessoas e acredita que ao longo da vida não fez inimigos. "Cheguei a ter grandes amigos que eram meus adversários políticos. Muitos já se reformaram, alguns já faleceram, mas ainda vou falando com alguns. Ligo com regularidade para o Francisco Gonçalves. Foi meu vice-presidente e neste momento também está no lar, mas na Meia Via. Falamos bastante”. “Estou no lar há mais de ano e meio e é muito difícil. Sinto até que estou a perder algumas das minhas capacidades, como a nível de memória. E não tem só a ver com a idade, é o próprio ambiente”, lamenta.

Não se arrepende de ter ido para o lar, pois era a única forma de poder estar perto da sua mulher, mas confessa ser doloroso viver sem nada para fazer, isolado, quando se tem ainda todas as capacidades mentais em perfeito estado. Refere que ocupa muito do seu tempo a ler, a escrever, a ver notícias e a recordar outros tempos.

Político que optou pela reforma de ferroviário

O antigo presidente da Câmara do Entroncamento é um dos poucos políticos nacionais que não usufrui de uma reforma da política. Há oito anos, numa entrevista a O MIRANTE, explicou assim a sua situação.

“Quando fui para a câmara a minha categoria na CP era Técnico e o meu vencimento era superior ao de vereador. Como podia optar decidi ficar com o vencimento e as regalias da CP. Quando fui eleito presidente a situação manteve-se. Só a partir do meu segundo mandato é que o vencimento e regalias de presidente de câmara passaram a ser substancialmente superiores às da CP. Ainda houve um amigo que tentou alterar a minha situação mas eu tinha que pagar uns milhares de contos e desisti. E assim me reformei. Recebo 1.158 euros de reforma. Se me tivesse reformado como presidente da câmara teria o dobro.

“O Partido Socialista é o partido da minha vida”

José Pereira da Cunha foi autarca no concelho do Entroncamento, de 1976 a 2001, sempre eleito pelo PS. Primeiro como membro da assembleia municipal, a seguir como vereador a tempo inteiro da câmara municipal e depois como presidente, cargo para que foi eleito em Dezembro de 1985 e que exerceu até às autárquicas de Dezembro de 2001, altura em que, zangado por o PS não aceitar a sua recandidatura, concorreu como independente não conseguindo ser eleito.

Durante a conversa com O MIRANTE não refere esse episódio da sua carreira política que já considerou ter sido o seu maior erro político preferindo centrar-se no seu PS, que diz ser o Partido da sua vida, no qual se filiou após o 25 de Abril de 1974.

Durante o tempo em que teve actividade política encontrou-se com vários dirigentes nacionais, socialistas como Mário Soares, Jorge Sampaio ou António Guterres. “Privei com todos os dirigentes da minha altura, mas Jorge Sampaio foi um homem com quem criei mesmo uma relação de amizade”, conta. Apesar disso, no lar apenas tem as fotografias que tirou com António Guterres. As restantes estão na sua casa.

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