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Hortas urbanas em VFX não chegam para as encomendas
Para os hortelãos da Quinta da Piedade mexer na terra é uma terapia para a alma

Hortas urbanas em VFX não chegam para as encomendas

As mais de trezentas hortas urbanas do concelho de Vila Franca de Xira fazem parte da estratégia de manutenção de uma ecologia urbana do município. Para quem as cultiva são muito mais que isso: funcionam como uma terapia para a alma que ajuda à subsistência alimentar e despertou o espírito de comunidade do meio rural.

Contrariando a paisagem e o ruído citadino as hortas urbanas da Quinta da Piedade, na Póvoa de Santa Iria, são a terra fértil que traz a oito dezenas de pessoas o sentido de comunidade e o consolo do campo. São terapia e um complemento ao rendimento familiar porque, quem semeia, colhe e leva para pôr na mesa. “Tomates, alfaces, feijão, pimentos, tudo o que se gasta em casa cresce na terra”, dá conta Fernando Marques, que nos convida a entrar na sua horta, onde se ouve o bater contínuo da enxada na terra.

Aprendeu cedo, como muitos da sua geração, a tratar de uma pequena horta, mas a vida afastou-o dessas lides. Foi militar na Marinha, motorista de pesados, e nestes tempos de reformado têm sido os 30 metros quadrados de terra a que se candidatou no projecto de hortas urbanas do município de Vila Franca de Xira a melhor forma de passar o tempo.

“Estar fechado em casa, então agora com a pandemia, é uma dor de cabeça. Poder vir para a horta é como dizer a um indivíduo que pode sair da prisão cá para fora”, diz o hortelão, de 67 anos, consciente que se não fosse este projecto “era impossível arranjar na cidade um bocadinho de terra” para cultivar.

A indiferença do meio urbano aborrece-o. Na rua onde mora há vizinhos que nunca viu e outros que passam sem cumprimentar. “Isso cá não acontece. Vimos três horas de manhã e à tarde e falamo-nos sempre”, diz, orgulhoso de ser quase sempre o primeiro a chegar. Do outro lado da cerca em arame que demarca a horta que lhe coube, um banco de madeira é o ponto de encontro para dar dois dedos de conversa e merendar com os vizinhos hortelãos depois de cumpridas as regas e apanhas do dia.

“É a aldeia na cidade, não se está mesmo a ver? Quando um não está, porque vai de férias ou tem que fazer noutro lado, há sempre alguém que lhe rega a horta E isso é bonito, já não se encontra”, diz José Gomes, de 68 anos, enquanto deixa o assento com a promessa de dar a provar os melhores maracujás da quinta. É reformado e há dez anos que cultiva naquela horta tudo o que se gasta em casa. “Em tempos trabalhei numa quinta e fiquei com umas luzes de agricultura. O que se aprende em novo nunca se esquece”, justifica.

Uma terapia para a alma onde há sempre o que fazer

“Fui eu quem trouxe para cá a moda da batata doce”, atira Adelaide Cravo, de boné na cabeça e com um regador azul na mão. “Se fosse ao supermercado comprar se calhar até ficava mais barato, mas assim sei o que estou a comer. E nada se estraga, congelo para gastar no Inverno e dou. Se tenho a mais porque não hei-de dar? Sinto-me bem a poder dar a outras pessoas”.

Adelaide Cravo foi criada no campo. Começou a trabalhar ainda criança, até aos 16 anos, sempre na agricultura. Casou, teve filhos e vieram outros trabalhos. Nunca mais pensou voltar a deitar sementes à terra até a desafiarem a sair de casa e lutar contra uma depressão depois de ter ficado viúva. “Ajudou-me muito. Nos dias em que estava pior os meus filhos pediam-me para vir porque sabiam que ia sair daqui mais feliz”, diz.

Tal como para Adelaide, também para Luís Antunes, de 64 anos, a horta foi a terapia, “a ajuda de alto calibre”, numa fase em que a vida virou do avesso. “Ninguém reage bem quando se fica desempregado aos 56 anos. Não sabia o que fazer, para onde ir, como ajudar em casa”. A horta foi a sua espécie de tábua de salvação.

“Já não vivo sem isto. Tenho cá de tudo, olhe aqui este tomate que é um espectáculo”, diz pegando no fruto que vai levar para fazer uma salada para o almoço. Nas mãos que passaram a manhã metidas na terra - porque “há sempre que fazer: uma erva para arrancar ou um rego para cavar” - leva também alface e salsa. Ali, onde o tempo passa mais devagar a sua única preocupação é se vai levar os alimentos ou especiarias que mais fazem falta na despensa lá de casa.

348 hortas e mais de duzentos interessados em lista de espera

As hortas urbanas existem no concelho de Vila Franca de Xira desde 2012 no âmbito de um projecto lançado pelo município tendo em vista a melhoria da qualidade dos solos, aumento da biodiversidade, a melhoria da subsistência alimentar das famílias e a promoção de dinâmicas sociais positivas.

Dez anos após a entrega dos primeiros talhões, precisamente no local onde decorreu a nossa reportagem, há 348 hortas espalhadas por Alverca do Ribatejo e Sobralinho, Póvoa de Santa Iria e Forte da Casa, Vialonga e Vila Franca de Xira. Todas elas ocupadas por moradores recenseados na respectiva freguesia, que têm o estatuto de hortelão efectivo. Segundo o município existem mais de 200 interessados em lista de espera que serão contactos aquando da abertura de novo concurso público para atribuição de hortas.

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