Sociedade | 28-04-2006 10:31

O olhar apaixonado de Ana Serra

O olhar de Ana Serra perde-se nas imagens antigas de Vila Franca de Xira. A fotógrafa neta de campino e varina tem um vasto espólio que preserva memórias da primeira metade do Século XX.

Ana Serra, 48 anos, nascida, criada e apaixonada por Vila Franca de Xira. Este poderia ser o bilhete de identidade de Ana Serra, fotógrafa de profissão, que tem dedicado os últimos anos a coleccionar fotografias antigas sobre a sua cidade. Telúrica desde sempre, diz que o apego às suas raízes profundas foi um legado dos pais e dos avós. Na verdade, o avô campino e a avó varina foram a sua principal inspiração. A aventura pela descoberta de Vila Franca de Xira através da fotografia começou há 11 anos quando perdeu a mãe. “Senti uma enorme carência afectiva”, recorda. Para se reconfortar, Ana Serra começou a procurar em fotografias antigas a mãe e também os avós. À loja que possui no centro de Vila Franca as pessoas levavam fotografias em que eles estavam presentes. Na altura, refere, “para mim era uma brincadeira. As pessoas traziam e eu fazia reproduções”. No entanto, a fotógrafa começou a entusiasmar-se cada vez mais, até pela motivação das pessoas que todos os dias lhe levavam novos “retratos”. E o que começou como uma brincadeira, ou uma terapia, acabou em algo maior para Ana Serra e para Vila Franca.“No espaço de cinco anos consegui juntar as peças todas da nossa história”, diz, com orgulho estampado no rosto. Aliou a sua paixão pela fotografia ao seu afecto pelas tradições e iniciou a organização do seu arquivo pessoal. Com os olhos a brilhar, explica que com as centenas de fotografias que reuniu ficou a saber, por exemplo, em que trabalhavam, como se divertiam, como se vestiam os vilafranquenses desde o início do século XX até aos anos 50, como eram as ruas e os edifícios que conhece hoje. A partir de 1951, ano da inauguração da ponte de Vila Franca de Xira, Ana Serra considera já contemporaneidade e embora tenha alguns registos fotográficos posteriores a essa data, a sua atenção está voltada para a primeira metade do século. Fotografias das obras da construção da praça de touros Palha Blanco e da sua inauguração estão entre as imagens mais antigas que tem no seu espólio. No pequeno espaço em que conseguiu arquivar as fotografias encontram-se pastas dedicadas exclusivamente aos campinos, às varinas e às várias profissões que entretanto desapareceram. Os casamentos antigos, os doces tradicionais que foram ficando esquecidos, como o pão-de-ló mimoso, e até os reclames de casas comerciais das décadas a que se dedica e que ficaram imortalizados pela fotografia têm também lugar no arquivo pessoal de Ana Serra. Na sua grande maioria são reproduções, mas tem também algumas fotografias originais doadas por vilafranquenses que admiram a dedicação de Ana Serra à preservação da memória do povo.Manuel Bico, de 82 anos, é um dos admiradores de Ana Serra e uma das suas principais fontes de informação. Para Manuel Bico, o trabalho da fotógrafa é muito importante para manter vivas tradições que a maioria parece querer esquecer. Todos os dias o octogenário vai até à loja de Ana Serra e recorda histórias de outros tempos, também para se “sentir vivo”. Já para a fotógrafa, Manuel Bico é o seu “dicionário vivo”. Com as fotografias que lhe chegaram às mãos, e que continuam a chegar, e através da recolha de testemunhos orais como o de Manuel Bico, Ana Serra escreveu um livro. “Memórias de um campino” está concluído há cinco anos, mas aguarda publicação por parte da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira. Segundo a autora, o livro “tem um bocadinho de tudo da história de Vila Franca da primeira metade do século XX”. A pesquisa efectuada por Ana Serra permitiu-lhe, igualmente, recuperar tradições de Vila Franca que estavam a cair no esquecimento. Depois de 15 anos inactivo, o Rancho de Varinos de Vila Franca de Xira ganhou uma nova vida, assim como a Romaria da Senhora de Alcamé que a vilafranquense também arrancou do baú das memórias de Vila Franca. Sara Cardoso

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