Sociedade | 24-08-2018 14:50

Nunca foi tão fácil tirar fotos mas as novas gerações têm poucas em arquivo

Nunca foi tão fácil tirar fotos mas as novas gerações têm poucas em arquivo
Ilda e Rosa, duas irmãs num retrato tirado na feira do Sobral, no final dos anos 30 do século XX

Casas de fotografia estão a receber cada vez mais pedidos de impressões em papel

Tira-se uma fotografia do bebé ou da criança a brincar na praia, manda-se para a família pelo Viber ou WhatsApp ou coloca-se no Facebook mas dez anos depois já não se sabe dela ou é quase impossível encontrá-la. E quando se mostram as fotos aos mais velhos eles têm que ir buscar os óculos porque o formato do visor é pequeno. Dia 19 de Agosto celebrou-se o Dia Mundial da Fotografia e O MIRANTE foi descobrir como sobreviveram os antigos fotógrafos à grande revolução do digital e perceber porque é que uma excelente máquina não melhora em nada a falta de habilidade de um mau fotógrafo.

Quando tirar o retrato era uma ocasião especial

A fotografia, hoje um acto banal, nem sempre assim foi. Não é preciso recuar muito no tempo para perceber que tirar o retrato era uma ocasião solene, que envolvia alguma pompa e circunstância e que estava vedada a apenas alguns.
Na sociedade rural do Ribatejo, nos anos 30 do século passado, tirar o retrato era, literalmente, o acontecimento do ano. Normalmente acontecia na feira anual do local, onde se deslocava um fotógrafo acompanhado da sua parafernália composta por câmara, tripé, flash, reflector e os adereços para o cenário, que podiam incluir uma tela de fundo, com ou sem padrão, uma floreira e uma jarra de flores frescas.
Depois de montado o cenário cada família fazia fila para tirar o retrato. A ocasião exigia a melhor roupa e o melhor calçado, o que não era tarefa difícil uma vez que não havia muito por onde escolher no que toca à indumentária e normalmente os sapatos, quando existiam, eram par único.
Em famílias numerosas acotovelavam-se os irmãos para ficarem todos na mesma imagem ou se havia uns tostões a mais davam-se ao luxo de tirar fotografias sós ou dois a dois. As poses não variavam do típico retrato frontal. E, nesta data, até já se podia esboçar um sorriso. A tecnologia estava de tal forma evoluída que bastavam alguns segundos para imortalizar o momento na chapa. Ao contrário de outros tempos em que era necessário ficar imóvel longos minutos em frente à câmara.
Para que os retratados não se aborrecessem e para que ficassem de olhos abertos o fotógrafo utilizava uma gaiola que colocava em cima da câmara e pedia aos clientes que olhassem o passarinho. Daí surgiu a expressão que ainda hoje se usa quando se quer pedir a atenção de alguém para a câmara “olha o passarinho”.

Jorge Figueira fotografa há 40 anos

Um mau fotógrafo vai ser sempre mau mesmo que tenha a melhor máquina

Ir para onde os outros não vão e saber escolher a luz e os enquadramentos

Apaixonado pelas cores do céu e do mar quando assumem tonalidades frias, Jorge Figueira, 55 anos, já correu o país de norte a sul em busca da fotografia ideal. Conta que chegou a andar de fato e gravata a fotografar uma tempestade e tem na memória todas as praias onde fotografou e as fotografias que fez.
As ondas gigantes da Nazaré já lhe valeram um quarto lugar no concurso de fotografia da Billabong XXL, em 2014. O truque para fazer uma boa foto? “Procurar sempre os sítios onde os outros fotógrafos não estão e descobrir planos diferentes. Evito o sentido repetitivo das fotografias”, diz a O MIRANTE.
Vítor Cartaxo, 58 anos, é o seu antónimo no que toca à palete de cores. “Adoro fotografar cores quentes, como o nascer e pôr-do-sol, os trajes campinos e as paisagens da Lezíria”, conta. O técnico de audiovisuais passa horas a fotografar e num dia chega a captar uns bons milhares de imagens. “A câmara anda sempre comigo. Quando por qualquer motivo não a levo e reparo num rosto, num olhar ou numa paisagem que gostava de ter captado fico chateado e aquela imagem não me sai da cabeça”, confessa, classificando a situação como um dos muitos síndromes de um fotógrafo.
Jorge Figueira começou a fotografar em 1978 devido a uma situação invulgar. “Tinha apenas 16 anos, quando encontrei uma máquina Minolta 7S, que era do meu pai. Ele faleceu no estrangeiro e a máquina vinha numa mala de viagem que nos foi entregue”, recorda. A primeira fotografia que tirou com aquela máquina foi à fachada principal da Sé de Viseu. “Ficou toda torta, mal alinhada. Mas a partir daí nunca mais parei”, diz.
A vulgarização da fotografia devido ao digital e à incorporação de câmaras fotográficas nos smartphones não é vista pelos dois fotógrafos como uma ameaça para a arte de bem fotografar.
“Com os smartphones democratizou-se a fotografia. No Verão é terrível, aparecem fotografias todas inclinadas, com o mar torto, eu sei lá... costumo brincar e perguntar a quem as faz se a maré estava a descer”, diz Vítor Cartaxo soltando uma gargalhada. Na sua óptica não há dúvida de que os fotógrafos profissionais se irão destacar sempre pelos bons enquadramentos, pelo saber encontrar a melhor luz e por mil e um pormenores que só a prática e o estudo permitem.
Jorge Figueira aproveitou as vantagens da inovação tecnológica. “Fui bastante céptico quando surgiu o mercado digital mas esta realidade veio trazer mais fotógrafos e um mercado diferente. Já nem falo dos telemóveis mas com esses eu não sei fotografar. Hoje trabalho com máquinas digitais e analógicas e mantenho velhos hábitos como o de não utilizar o disparo contínuo, por exemplo”, explica, acrescentando que ainda tem em casa quarenta máquinas analógicas.
O que o digital veio revolucionar foi o negócio da fotografia e a vida profissional de muita gente. Jorge Figueira é um desses exemplos. “Há 20 anos e vivia só da fotografia, algo que hoje é quase impossível fazer em Portugal. Deixou de ser rentável. Na altura ainda se fazia tudo com o analógico e os casamentos e fotos tipo passe eram o oxigénio de uma loja. Os que ainda resistem nos dias de hoje têm de estar muito bem posicionados no mercado”, afirma. No seu caso, depois de ter fechado a sua casa de fotografia mudou de profissão e é agora consultor imobiliário. Fotógrafo só nas horas livres.
“Fotografar um calhau não é arte”
Jorge Figueira acha piada ao que se passa no mundo da fotografia e é cáustico quando analisa certas situações. “Neste momento as pessoas andam numa luta para tirar fotografias para as redes sociais. Vestem-se de determinada forma, só para isso. E até vão mais longe. Conheço pessoas conservadoras que depois põem fotos em biquíni nas redes sociais. Aquilo é uma feira das vaidades”, critica.
Para além de não apreciar o amadorismo o fotógrafo de Vila Franca de Xira também é crítico de certo tipo de “fotografia contemporânea”. “Aquilo às vezes é um disparate. Os iluminados que tenham paciência mas fotografar um calhau ou o pedaço de uma casa não é arte. Nem tudo pode ser arte. E no entanto há alguns lobis que fazem com que certas fotografias sejam pagas a peso de ouro”, sublinha.

Vítor Cartaxo diz que a câmara anda sempre com ele
Jaime Carita é fotógrafo há 40 anos

“Não é a máquina de fotografar que faz um bom fotógrafo”

Jaime Carita vive em Vialonga e faz fotografia há quarenta anos

Jaime Carita tem sessenta anos e é fotógrafo há cerca de quarenta anos. Nascido em Nisa, vive em Vialonga desde os três anos. Começou a fotografar com os amigos em meados dos anos setenta do século passado e nunca mais parou. Hoje dá formação e workshops.
Tem um gosto especial por fotografar espectáculos, nomeadamente concertos musicais e paisagens. Colaborou com a imprensa e com empresas produtoras mas também faz reportagens de casamentos e baptizados para pessoas conhecidas. O seu lema é fotografar o que é difícil.
Entre as várias loucuras que fez para captar uma fotografia destaca a vez em que esteve pendurado na armação do palco principal da Festa do Avante, do princípio ao fim do comício de encerramento, com uma máquina analógica que tirava três fotogramas de cada vez, para conseguir fotografar as bandeiras levantadas. “Foi uma experiência dura mas valeu a pena porque consegui tirar a fotografia que tinha idealizado”, diz.
Jaime Carita ainda usa máquinas analógicas de vez em quando. “Fiz o primeiro Rock in Rio, em 2004, com rolo com uma F100 da Nikon. Em 2008 levei uma máquina digital e não aproveitei, em percentagem, mais fotografias do que em 2004. Com o digital parece que chegamos a uma altura que disparamos a tudo o que mexe e a cabeça deixa de pensar”, explica. “Para se fotografar com rolo é preciso ter a percepção da certeza, enquanto no digital por vezes uma pessoa perde-se”, acrescenta.
Tal como a maioria dos fotógrafos experientes reconhece que uma boa máquina é essencial mas sabe que não é a máquina que faz um bom fotógrafo. “A máquina ajuda mas não é ela que tira a fotografia. É preciso saber o que se está a fazer. É essencial ter formação e conhecimentos básicos de fotografia para se conseguirem boas fotos. Um fotógrafo que se preze tem de saber trabalhar em manual, porque é dessa forma que consegue os bons resultados. Tem que saber escolher a abertura, a velocidade, seleccionar o motivo principal...”.
Recentemente, Jaime Carita criou a Ilustra - Associação da Imagem de Vialonga, cuja primeira exposição pôde ser vista durante as Festas de Vialonga. Explica que um dos motivos que o levou a criar a Associação foi o espírito de partilha e a necessidade de haver troca de ideias e experiências na área da cultura e da imagem.

Francisco Nogueira

Fotos feitas com telemóveis perdem-se e as pessoas ficam sem memórias

As novas gerações estão cada vez mais a mandar imprimir fotos em papel

Os telemóveis com câmaras fotográficas vieram revolucionar o mundo da fotografia. Algumas casas de fotografia não resistiram e fecharam mas muitas reinventaram-se, inovaram e estão a vencer o desafio.
Sandra Carvalho, proprietária da “Fotografia João”, na Póvoa de Santa Iria, concelho de Vila Franca de Xira, foi uma das que não desistiu. “Quando os telemóveis com máquina fotográfica se vulgarizaram, em 2002/2003, as pessoas deixaram de revelar fotografias e essa era a nossa principal fonte de rendimento. Houve uma quebra de 90 a 95 por cento nas receitas. Em vez de desistir optei por me virar para outro lado”, explica a O MIRANTE.
A fotógrafa conta que começou a introduzir nos seus serviços sessões familiares e também sessões com recém-nascidos, um produto que era pouco comercializado. Noventa por cento do seu trabalho é agora relacionado com crianças.
“É um nicho de mercado que os clientes procuram muito. A geração dos nossos pais e avós não tinha registos fotográficos porque não havia dinheiro e ir ao fotógrafo acontecia raramente. O curioso é que as novas gerações acabam por também não terem memórias fotográficas porque fica tudo guardado nos telefones e quando estes avariam ou se perdem todas as fotografias desaparecem”, refere.
“Começa a notar-se agora, seja por isso, seja porque ver em papel e em formato maior seja mais confortável, que as pessoas estão cada vez mais a imprimir as fotos que vão tirando”, afirma, acrescentando que também estão a aparecer mais encomendas de reportagens de casamentos”, revela Sandra Carvalho.
Sérgio Belfoto, gerente da Belfoto, com lojas em Santarém e Almeirim, também foi dos que não se deu por vencido com a chegada do digital e dos smartphones com cameras fotográficas.
“Investi na qualidade do material e melhorei o serviço e a forma de entregar. Temos que nos adaptar aos mercados porque as coisas estão sempre a mudar. Só assim se consegue sobreviver num meio onde a concorrência é muito grande e onde, nalguns casos, temos que lidar com preços mais baixos que os nossos, apesar da qualidade não ser a mesma”, explica.
O fotógrafo considera que o negócio tem melhorado no último ano e que o número de casamentos e baptizados tem aumentado. Os clientes continuam a procurá-lo para sessões fotográficas familiares e tem havido um aumento “muito significativo” de clientes a quererem imprimir as fotografias tiradas nos telemóveis.
“As pessoas estão a perceber que não têm registo nenhum em papel das fotos tiradas nos últimos 10 a 15 anos porque quando perdem um telemóvel ou mudam de equipamento normalmente as fotografias perdem-se. Agora voltaram a querer ficar com uma recordação em papel”, refere.

“Cartão do Cidadão e Passaporte com fotos feitas no registo foram a machadada final”
Francisco Nogueira tem 60 anos e é fotógrafo há cerca de 40 anos em Alpiarça, onde tem uma loja aberta, na principal artéria da vila. Considera que a sua profissão está em vias de extinção e diz que algumas decisões do Governo vieram arruinar um negócio que já não estava bem.
“Todas as pessoas de Alpiarça procuravam-me para tirar fotografias tipo passe para os documentos. Agora, basta ir ao local onde fazem os documentos que já tiram fotografias. Isso arruinou o negócio”, critica.
Também os telemóveis com máquina fotográfica incorporada foram mais uma machadada no negócio. Francisco Nogueira diz que são poucos os que mandam imprimir as fotografias que fazem mesmo correndo o risco de elas se perderem para sempre. A diminuição no número de casamentos e baptizados também lhe prejudicou o negócio.
“Já não há tantos casamentos nem baptizados como antigamente e isso é pior para quem, como eu, está a trabalhar num meio pequeno. Prejudica o trabalho porque há poucos clientes e nas localidades mais próximas há mais concorrência. Não é fácil arranjar trabalho”, lamenta, acrescentando que já tentou reformar-se mas ainda não conseguiu.

Sandra Carvalho
Sérgio Belfoto

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