Sociedade | 14-02-2019 15:00

O associativismo morreu na Chamusca: está como o resto da vila

O associativismo morreu na Chamusca: está como o resto da vila

A completar 30 anos de vida, em Março, a União Desportiva da Chamusca, que um dia foi a colectividade mais dinâmica da vila, está a atravessar uma longa crise.

Com o trabalho de tesouraria feito, é tempo de cuidar da sede. As obras de requalificação estão em andamento e prevê-se abrir portas dentro de quatro meses. O MIRANTE falou com Fernando Santos, presidente da direcção da colectividade. Um ex-farmacêutico, ex-empresário e uma voz crítica da Chamusca e das suas políticas, embora seja um militante de muitos anos do Partido Socialista que agora governa a câmara municipal. Uma entrevista para um balanço que se justificava e a oportunidade de deixar alguns recados.

A União Desportiva da Chamusca (UDC) vai completar 30 anos de existência. Como está a colectividade?

Já esteve muito pior. Quando tomámos posse há cinco anos herdámos uma dívida de cerca de sete mil euros, o que para uma colectividade é muito dinheiro. A UDC estava prestes a ser extinta. Tinha uma comissão administrativa a geri-la e o fim era mais que anunciado. O nosso primeiro trabalho foi arranjar dinheiro para limpar essa dívida, através das mais diversas formas. Não foi fácil mas conseguimos. Neste momento a União não deve nada a ninguém.

Acabaram com o futebol sénior. Quais as modalidades que têm agora?

Temos os vários escalões de Futebol de 7, desde os 5 aos 14 anos de idade. Temos o futebol de 11 mas apenas na camada júnior. O futebol sénior dava muito prejuízo. Se conseguíssemos levar ao estádio 20 pessoas era muito. Neste momento só nos dedicamos aos jovens. Temos cerca de 80 inscritos e é a nossa única valência.

Qual é o papel dos pais? Interessam-se pela colectividade?

Não muito. Quando têm filhos até aos 10 anos ainda os acompanham, vão aos treinos, assistem aos jogos, depois disso deixam os jovens e nós tomamos conta deles. Pagam uma mensalidade de 10 euros e é só. Pode ser que quando a sede abrir se envolvam mais.

A requalificação da sede é agora a grande prioridade?

As obras começaram há cerca de três semanas e queremos ter este espaço aberto à população e a todas as colectividades que ainda existem na vila e que não têm espaço próprio para a sua sede. Queremos que a sede da União seja a sede de todos, e que todos se sintam em casa. Temos capacidade para albergar 12 associações. Nove já se manifestaram interessadas mas ainda temos espaço para mais.

Qual o orçamento e como conseguiram financiamento para a requalificação?

A Câmara da Chamusca financia a grande maioria e o restante conseguimos com patrocínios. Aquilo que está previsto são cerca de 80 mil euros no total. É um peso brutal mas estamos no caminho certo. A UDC está a criar condições para que todos beneficiem do espaço cada um no seu canto com a vantagem dos espaços comuns para todos.

Este projecto fazia parte das vossas promessas aos sócios?

Sempre foi um projecto que eu e a direcção que me acompanha tínhamos vontade de concretizar. O associativismo está morto na Chamusca. Parece que acompanhou o definhar da própria vila. As pessoas já não se juntam como antigamente, ficam em casa, não saem, e os jovens têm outros interesses. Por isso queremos dar este passo, para ver se conseguimos que as pessoas voltem a sair de casa, voltem a reunir-se para conversar, para dar vida à vila. É horrível passar nas ruas, seja a que horas for, e não ver ninguém. Chega a ser assustador.

O que é que aconteceu?

Sinceramente não sei responder. O que digo é o que vejo e ouço, não há nada na Chamusca. Não é uma vila atractiva. Está tudo a fechar. O comércio é pouco. A economia é inexistente. O maior exemplo da nossa decadência é a nossa relação com o rio Tejo.

Pensa recandidatar-se no próximo ano?

Não sei. Começo a estar cansado. Quero gozar-me daquele que é o projecto da minha direcção durante este ano. Depois logo se vê. Mas, se não aparecerem candidatos, não serei capaz de abandonar o barco.

“O restaurante Poiso do Besouro fechou porque não tinha clientes”

“O comércio na vila da Chamusca está a morrer, não há investimento, não há massa crítica, nem empresários que invistam. Não há nada aqui. Chega a ser assustador. Fui prejudicado na minha vida empresarial por ter sido sogro do presidente da câmara mas isso já passou”, confessa Fernando Santos num segundo momento da conversa com O MIRANTE, tentando fugir a algumas questões, pedindo que não misturássemos vida pessoal com trabalho associativo, mas desabafando até onde achou que podia.

É um velho dirigente associativo da Chamusca. Foi durante muito tempo proprietário de um dos restaurantes mais conhecidos, o Poiso do Besouro que entretanto fechou. Porquê?

Pelas mesmas razões que o resto do comércio na vila e um pouco no concelho. Está tudo a morrer, não há investimento, não há gente nova, não há massa crítica nem empresários que invistam. E os espaços que estavam abertos e com nome na praça como era o caso do Poiso do Besouro definham, como está a definhar a Chamusca.

A autarquia ajudou quando o restaurante estava em processo de crise?

Na verdade, não. E eu, por motivos pessoais, não procurei esse apoio. Mas a autarquia deveria ter-se preocupado ao ver um empresário do concelho, com uma casa que atraía pessoas de norte a sul do país, a atravessar dificuldades. E ter ajudado. Penso que essa é uma das funções das câmaras municipais.

O presidente da Câmara da Chamusca, Paulo Queimado, foi seu genro. Divorciou-se da sua filha. Sente que este episódio pessoal o condicionou enquanto empresário?

Condicionou no sentido em que a nossa relação pessoal não estava bem, e eu não tinha força para fazer como alguns empresários fazem, e bem, que é ir pedir ajuda às autarquias, porque elas existem também para isso mesmo, para apoiar os empresários. Se não tivesse sido meu genro talvez tivesse tido essa coragem mas, como estavam as coisas, não arrisquei.

Paulo Queimado nunca o chamou para falar deste assunto?

Não. E pelo que sei ele não conversa com ninguém. Nem sei com quem é que ele é capaz de falar olhos nos olhos. Ele devia fazer isso por ele e pela Chamusca, não por ser eu. Não levo a mal não o ter feito.

A sua família foi a mais sacrificada com este negócio?

Vivemos momentos muito bons. Dediquei-me muito e cansei-me muito. Éramos uma empresa familiar. Eu e a minha mulher, e os meus filhos que iam ajudando, mas o Poiso do Besouro fechou porque acompanhou o ritmo da morte lenta da nossa economia local, não tinha clientes.

“Não quero falar da câmara, quero saber é da Chamusca”

No seu currículo há uma longa passagem pela vida política. Foi líder concelhio do PS. Não guarda boas recordações?

Sempre fui muito atento ao que se passava ao meu redor. Nunca fui de ficar quieto. Sempre participei socialmente e politicamente na minha terra. Até que um dia me deram recados que eu levei à letra. Aceitei um lugar de secretário de um vereador socialista mas não quis avançar muito mais. Saí quando o PS ganhou a Câmara da Chamusca pela primeira vez (risos).

Cumpriu uma missão?

O PS na Chamusca não existe. Existiram e existem socialistas. Mas o partido em si, a dinâmica socialista não existe. Como socialista sempre tive vontade de ver o PS ganhar a Câmara da Chamusca. Ganhou. O problema é que não gosto do que estou a ver.

Não lhe apetece falar mal de políticos com os nomes à frente?

Nenhum. Eu sou amigo da terra e trabalho para a terra sem pensar em mais nada. Tudo fecha na Chamusca. Não há vida associativa porque não há economia nem líderes. O importante não é quem governa a câmara mas quem faça alguma coisa antes que a vila morra de vez. As pessoas desaparecem daqui. A Chamusca parece estar à venda e ninguém a quer comprar.

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