Sociedade | 16-06-2019 15:00

“Pensar que vamos morrer é avassalador”

“Pensar que vamos morrer é avassalador”
SANTARÉM

Um encontro no Hospital CUF de Santarém, em que o mote foi o cancro da mama em mulheres jovens, serviu para troca de experiências entre quem já lutou ou luta contra a doença.

“O mais difícil foi no dia da operação. Sair de casa e levá-la para o hospital. Sabia que ela estava a sofrer muito. E eu também. Pensamos em todos os cenários, principalmente no pior: a morte. Pensei muito nos meus filhos. Sozinho chorei muito. Lembro-me que ela não queria sair do carro. Tinha medo de não voltar para casa”.

Agostinho Duarte recorda o dia 3 de Maio de 2018, data em que a mulher, Sofia Duarte, aos 35 anos, retirou a mama esquerda. Os maridos ficam como que em segundo plano, mas também eles recebem esta notícia e “impotentes” mal sabem como reagir. O diagnóstico tinha sido revelado pouco tempo antes: cancro na mama, maligno. Passam por momentos de revolta, medo, choro, solidão. Ainda de voz embargada, Agostinho Duarte é um rosto que revela tudo isto. A massa maligna está no corpo delas, mas a doença, o cancro, essa afecta tanto elas como eles.

O cancro é um “palavrão que abarca imensas doenças, não só na mulher mas em todas as pessoas que a amam e rodeiam”, enquadra o médico e coordenador da Unidade da Mama do Hospital CUF de Santarém, Carlos Rodrigues. É por este motivo que esta unidade olha para as suas pacientes como um todo. “Quando dou uma notícia destas, nunca dou da mesma forma, tento enquadrar pensando na pessoa que tenho à minha frente. E quando vem acompanhada temos que saber falar ao casal”.

“Era para ir buscar as bicicletas e ir com os meus filhos passear no parque, como é que de repente me dizem que tenho que tirar a mama?”, recorda Sofia Duarte.

É aí que tudo muda. O medo instala-se. As rotinas alteram-se. Tudo pára na vida das mulheres que são diagnosticadas com cancro na mama. As palavras e o estado de espírito são manifestados por Sofia Duarte. Casada, com dois filhos de 5 e 8 anos e uma vida profissional activa como auxiliar de farmácia, viu-se deitada numa cama do Hospital CUF de Santarém, para lhe ser retirada a mama esquerda. Deixou os filhos na escola como se de “um dia normal” se tratasse, deixou tudo arrumado em casa. “Arrumei o ninho, porque só pensava que podia não voltar”, recorda.

A recuperação foi ainda demorada porque as operações para a reconstrução mamária foram várias, mas aos poucos Sofia foi-se reerguendo. O ar frágil, as mãos quase sempre entrelaçadas, revelam que o seu mundo desabou, mas começa a reerguer-se. Em Janeiro, Sofia regressou à vida profissional, após 10 meses de ausência. Com ironia deixou uma frase enigmática que soou alto na plateia: “O meu cancro foi um casamento sem camarão”.

“Rapar a cabeça doeu-me profundamente”

O apelido Guerra assenta-lhe na perfeição. Tal como a cabeça completamente rapada, por consequência da queda de cabelo que começou a ter devido aos tratamentos de quimio e radioteraia que neste momento está a fazer. Para “curar” um tumor maligno grau 1. Marisa Guerra é mais um nome entre tantos. Uma garra que conseguiu arrepiar, levar às lágrimas e arrancar gargalhadas, pela sua espontaneidade, da audiência do encontro que o Hospital CUF de Santarém proporcionou, no dia 5 de Junho, para falar de temas como a imagem pessoal, o regresso à vida activa e os novos receios.

“No dia em que soube que tinha cancro saí do consultório do médico com a certeza absoluta que me ia curar”, disse Marisa. Mas admite que lhe faltou o chão, quando no meio de tanta “esperança” pensou que ainda tinha um filho com 18 anos.

O marido acompanhou Marisa nessa consulta e a reacção foi pior do que a dela. “Ele ficou mais abatido. Só dizia porque é que não lhe tinha acontecido a ele em vez de a mim. E eu respondi-lhe que tinha mais força do que ele para aguentar tudo o que aí vinha”, recordou com um sorriso contagiante.

Marisa é secretária de um vereador da Câmara de Santarém, uma actividade que agora foi interrompida para combater a doença. Dias em que a rotina muda e mais uma vez tudo pára. E, quando surge um dia mais fora do “normal”, não é sinónimo de que seja bom. Dias como o que mais marcou, até agora: rapar o cabelo que usava até meio das costas. “Liguei à minha mãe a chorar, porque foi o momento mais avassalador por que passei na minha vida. Mas não permito que estas lágrimas me derrubem”, contou.

Marisa Guerra está a fazer o primeiro ciclo de sessões de quimioterapia, que terminam a 21 de Outubro. Depois começa a radioterapia. “O pior é não poder ir trabalhar. Quando estou capaz passo os dias a limpar a casa. Já tenho a casa a brilhar”, atira entre mais uma gargalhada.

O optimismo, a esperança, o colocar sorrisos no rosto de mulheres com cancro na mama é por vezes difícil de conseguir, mas não é impossível. Mário Nave, psicólogo clínico do Hospital CUF de Santarém recebe no seu consultório vários casos para fazer psicoterapia. “Acreditar na possibilidade da cura, de que podem salvar-se através dos tratamentos é mais de meio caminho andado para conseguir dar a estas mulheres o alento emocional de que precisam, para encarar os tratamentos e a nova vida que têm”, explica o clínico.

O encontro intitulado “Desafios da mulher jovem com cancro da mama”, que o Hospital CUF de Santarém organizou, foi moderado pela directora executiva de
O MIRANTE, Joana Salgado Emídio.

Estar atenta aos sinais faz a diferença

O diagnóstico é sempre incontornável, seja no caso de um tumor benigno ou maligno. No entanto, há casos em que se a mulher estiver atenta pode salvar a própria vida. Sofia foi um desses casos. “Esteve atenta, viu um sintoma que achou estranho, procurou ajuda médica e salvou a própria vida”, referiu o médico Carlos Rodrigues.
Sintomas como assimetria na mama, diferença na coloração, um mamilo que começa a deitar uma secreção que não deitava, a existência de um nódulo. Qualquer um destes sinais devem motivar a ida ao médico para avaliar a situação. “A noção de que a mama pode adoecer e de que se deve ter cuidado deve ser transversal a todas as idades”, alertou o clínico.

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