Sociedade | 22-06-2019 12:30

Avieiros de Porto da Palha resistem a uma actividade em decadência

Avieiros de Porto da Palha resistem a uma actividade em decadência
PESCA

Os irmãos João Lobo e Guilhermina Vicente continuam a viver do que o rio lhes dá.

Os baixos rendimentos, as restrições à captura e a poluição no Tejo fizeram com que a pesca deixasse de ser atractiva. Na aldeia de Porto da Palha, em Azambuja, outrora povoada por mais de uma dezena de famílias descendentes de avieiros, resta apenas uma. Entre os membros da família, que continua a viver da faina, estão os irmãos João Lobo e Guilhermina Vicente. Cresceram naquelas margens, dentro de um bateiro de seis metros, onde os pais pescavam. “A vida era feita dentro do barco. Só saíamos para ir à escola e se o peixe andasse mais abaixo faltávamos, porque o mais importante era a pesca, o nosso sustento. Foi muito difícil, mas orgulho-me das minhas vivências”, conta o pescador.

Os irmãos começaram por trabalhar na agricultura, até ao dia em que o Tejo voltou a chamar por eles. “Quando voltei a entrar no rio percebi que era aqui o meu lugar. Agora sei que nunca mais vou largar a actividade”, diz o pescador, apesar das dificuldades económicas trazidas pela seca, restrições à captura e poluição do rio. “Ainda não voltámos as costas ao Tejo, mas está cada vez mais difícil. Não tenho memória de ter tido um ano tão mau como este na pesca da lampreia”, lamenta.

Embora concordem com a fiscalização para proteger o sector, lamentam as restrições, cada vez mais apertadas, que o colocam em crise. “Quem faz as leis da pesca nem sabe onde fica o rio Tejo, nem que peixe nada nestas águas”, afirma João Lobo. Acredita que estão a querer passar uma mensagem errada sobre os pescadores e culpá-los pela falta de peixe no rio. “Querem passar a mensagem de que somos nós que estamos a criar impacto negativo sobre as espécies, mas esquecem-se que durante 20h00 por dia não há redes na água”, critica o pescador.

Guilhermina Vicente lança a sua visão: “O pescador nunca foi visto com bons olhos, parece que não nos querem aqui. Tudo o que fazem é contra nós. A lampreia foi pouca e estamos proibidos de pescar sável nesta zona. Vamos viver do quê?”

Durante a campanha da lampreia, que durou de Janeiro a Março, todo o sável que fosse à rede tinha de ser devolvido ao rio. Para os pescadores esta é mais uma prova de que quem propõe as leis e as aprova “não percebe nada de pesca”. “Se nos consultassem saberiam que o sável que vai à rede está morto passados cinco minutos. Recuso-me a devolver peixe morto ao rio, já bastam os que a poluição mata”, atira João Lobo.

Açude de Abrantes é um obstáculo para as espécies

O descendente de avieiros refere-se ao rio Tejo, como o maior monstro da Península Ibérica, pela sua dimensão e força das marés. “É por isso que ainda não o conseguiram matar, porque ele é forte e vai sobrevivendo aos atentados do homem. Mas quem governa não percebe nada disto e culpam os pescadores pela falta de peixe, quando o problema não está em nós. Nem que fossemos cinco mil seríamos capazes de o levar abaixo”, afirma.

Na visão de João Lobo, o açude de Abrantes, construído em 2004 para fins de desporto e lazer, é um atentado ao curso natural do rio, altamente prejudicial para a manutenção das espécies. “É um obstáculo sem condições naturais para o peixe passar, idealizado por alguém que se achou inteligente e quis impor aos peixes um novo caminho para a desova. O que está a acontecer é que o peixe chega ali, depara-se com aquela barreira e não segue o seu curso natural”, diz.

Um outro problema pode estar a nascer. O siluro, um peixe com uma boca enorme, mais de metro e meio de comprimento e com 50 quilos de peso, detectado pela primeira vez no Tejo português, em 2017, pode virar uma ameaça para o equilíbrio das espécies naturais do rio. Sempre que pesca um, João Lobo doa-o para análise. “Comem tudo o que apanham. Quando forem em maior número vão ser um novo problema”, defende.

Rio está a recuperar dos atentados que sofreu

O manto de espuma branco que cobriu as águas do Tejo na zona de Abrantes, em 2018, ainda assombra os pescadores. “Morreram toneladas de peixe com falta de oxigénio derivado às descargas poluentes das fábricas do papel e ainda estamos a sofrer com isso. Tivemos um rio moribundo, numa agonia profunda que se está a recuperar aos poucos”, diz João Lobo e acrescenta: “Se não é Arlindo Marques a gravar aqueles vídeos a poluição teria continuado. Ele é o salvador do Tejo e dos pescadores”.

Já a seca, não tem um salvador que lhe valha. Em Azambuja o problema não se faz sentir devido ao efeito das marés, mas para lá de Santarém o caso muda de figura. Segundo João Lobo, em zonas como Alpiarça, Chamusca e na foz do Alviela é impossível viver-se da pesca. Não há peixe, nem água para pôr os barcos a navegar. “Atravessar o rio? Só mesmo de carro”, diz com tristeza e o receio de que se esteja a caminhar para o fim da pesca artesanal.

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