Crónicas do Brasil | 26-01-2018 11:59

Daniel Feingold: A desordem ordenada

Das suas pesquisas com a cor ao modo de executar cada quadro, Feingold parece às vezes disfarçar proximidades com neoconcretos como Rubem Ludolf ou Aluísio Carvão.


Numa pintura que vibra e ferve sem transbordar, Daniel Feingold persegue e alcança o mistério que rege toda criação de arte. E assim fixa no quadro tanto os mistérios das cores e das formas conjuradas quanto as possibilidades da matéria de se deixar envolver por uma desordem estranhamente ordenada. Mas isso tudo não define ou prende o artista, sempre severo na execução do que se propõe e por isso mesmo aberto a surpreendentes e fascinantes descobertas. Aparentemente seria o rigor que se deixa impregnar pelo aleatório, pelo instável da matéria plástica e a circunstância do artista. Mas não é bem assim. Linhas de tinta pastoreadas num ir e vir de sinuosas possibilidades, encontros ou desencontros no tempo e no espaço. Com mínimas interferências pontuais, não muito lá nem cá, avançando dentro e pelas margens, à procura de um equilíbrio talvez impossível mas não improvável.
Das suas pesquisas com a cor ao modo de executar cada quadro, Feingold parece às vezes disfarçar proximidades com neoconcretos como Rubem Ludolf ou Aluísio Carvão, mas seu percurso é bem outro e sua obra obedece a orientações que não se alinham a quase nada do que foi realizado por gerações anteriores da pintura abstrata brasileira. Não se trata de um op (segundo Wilson Coutinho, ele criou “sua versão particular da op art”), muito menos de um colorista ou um expressionista abstrato como tantos que ainda atuam, embora não se recuse ao expressionismo. Suas tramas parecem dialogar de longe, bem de longe, com certos frisados ou relevos de ripas de Joaquim Tenreiro, tal a sugestão arquitetônica – espaço, tempo, luz, sombra, onda, simetria, assimetria – de algumas dessas tramas.
Uma pintura inserta num instante (planetário) de dispersão e estranhezas, sem se limitar ao território anônimo (alguém chamou “quântico”) em que se confrontam simulação e real, paganismo e religiosidade. Onde tudo parece convergir e nada se encaixa plenamente, mas quase tudo está ali, explicado ou não em cada quadro – em quadros que, na velha (e sempre nova) definição de Mallarmé, enfim em si mesmo se transformam. Pois Feingold não tergiversa ao exprimir o que lhe cabe, e é forte no que hoje poucos alcançam: uma pintura realizada ao nível de nossos melhores artistas, o que quer dizer ao nível de Antonio Bandeira ou Maria Leontina, Samson Flexor ou Claudio Kuperman. Nessa linha, um pintor sem arestas que conhece os caminhos, um pintor que tem, sabidos e dominados, os necessários movimentos para percorrer os percursos que escolhe.
Sua mais recente exposição permanece até 16 de fevereiro na Cassia Bomeny Galeria, rua Garcia D’Avila 196, em Ipanema, Rio de Janeiro, e reúne 24 obras. O texto de apresentação do catálogo é do crítico Frederico Morais, como de hábito certeiro e agudo no que escreve, e as imagens dos trabalhos que aqui reproduzimos foram realizadas pelo fotógrafo Pedro Victor Brandão.

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