Crónicas do Brasil | 15-11-2019 10:01

Personagens, tramas, poemas

André Seffrin escreve sobre Hélio Brasil, Claufe Rodrigues e Fernando Duval.

FERNANDO DUVAL E WASTHAVASTAHUNN

Fernando Duval é sinônimo de Wasthavastahunn: universo imaginário (Letra Capital, 2019), um livro que reúne parte de um vastíssimo (sem trocadilho, por favor) trabalho de artista plástico com vocação também literária, artista de imaginação hiperbólica e humorista dos mais agudos. Trata-se de um dicionário que foge ao comum dos dicionários, que talvez mais se assemelhe a um romance, tão fantástico e polifônico se mostra em cada verbete, em cada personagem ou ambiente descritos pelo dicionarista ou desenhados pelo pintor, em planos que convergem e se multiplicam ao infinito. Só mesmo um artista de gênio como Fernando Duval conseguiria, como conseguiu, realizar a façanha: um compêndio que revela os monstros que somos de nós mesmos.

O CONTISTA HÉLIO BRASIL

Ainda me devo a leitura dos romances de Hélio Brasil e ouso me pronunciar sobre seu livro de contos, O perfume que roubam de ti e outras histórias (Synergia, 2018). Já de início sente-se o primeiro grande parentesco do contista, que é ninguém menos que o nosso eterno Machado de Assis. Mas Hélio sabe disfarçar bem essa proximidade, e com artimanhas de mestre. Outras proximidades se entremostram, aqui e ali, a meia janela, mas é tudo o sinal de que em literatura não existe escritor sem as suas respectivas famílias espirituais, as tais afinidades eletivas, como queria Goethe. E mais: Hélio faz o conto transbordar de suas margens.

QUE CLAUFE É ESTE?

O mesmo mas diferente, um poeta em estado de choque? Que ainda e sempre não deixa de cantar a infância e o amor? Um poeta como outro nenhum ou como todos que o antecederam - agora quem sabe mais irônico, debochado e até sarcástico, irritado com os rumos e rumores da paisagem atual e inatual do mundo. Claufe Rodrigues é poeta lotado nas palavras como no passado tivemos Jorge de Lima e Lêdo Ivo ou aquele distante Fernando Mendes Vianna que tanta atenção teve de José Guilherme Merquior. Murilo Mendes e Mário Quintana também abraçaram com mais constância os poemas longos e cantantes ao escrever poesia até mesmo em forma de crônica ou conto, como quem conta uma história ou lança uma provocação ao leitor. Todos poetas de ânimo varonil, oceânicos e, por vários caminhos, formalmente contidos quando necessário.

Sim, um dos segredos de Claufe Rodrigues é temperar-se nessa mesma forja das exatidões transbordantes. Provocador, o poeta se multiplica nas palavras para se manter, ao fim e ao cabo, sonoro mas em surdina. Este seu novo livro –Avdavida (Coralina, 2019) prolonga o seu sentimento do mundo mas já sem a paciência de outros tempos; apesar de tudo, não duvida das antigas dúvidas e mantém o ardor da juventude, embora de maneira menos epidérmica e às vezes machucante. Enfim, poetas também amadurecem, isto é, se transformam no calendário litúrgico do tempo, assumem múltiplos rostos nesse mar oceano de ávidas vidas, e em outras avenidas aprimoram-se na sua missão. Porque todo poeta digno de seus planaltos não deixa de ser um missionário – e Claufe assume o legado no belo texto que abre o livro.

Que Claufe é este? Um Claufe consciente de sua missão e ainda mais destilado em sua matéria e estilo.

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