Crónicas do Brasil | 19-04-2022 13:18

Retrocessos

Vinicius Todeschini

Le Pen vai para o segundo turno com Macron, Trump, nos EUA, permanece em campanha, acossando instituições que pareciam inabaláveis para aventureiros como ele. No leste europeu temos uma guerra que ameaça a Europa e o mundo, além de Viktor Orbán, na Hungria, em seu quarto mandato e aqui no Brasil um governo que não para de se superar em retrocessos.

O pior na sucessão das gerações é constatar que não há realmente uma evolução de uma geração para outra e, muitas vezes, acontecem retrocessos terríveis. Os filhos e netos de reacionários e fundamentalistas, por exemplo, tendem a atualizar o velho discurso dos pais e avós, trazendo ainda mais atraso para o mundo. Àquela velha ladainha -antigamente estas coisas não aconteciam- reaparece repentinamente depois de um período de avanços sociais. Magicamente? Não, na verdade não é assim, é só uma manobra dos poderosos que se sentem ameaçados com o crescimento social e uma maior concorrência aos seus descendentes e para isso precisam destituir o governo que promove isso. E neste vale-tudo para recuperar o poder os líderes evangélicos passaram a desempenhar um papel fundamental.

O país assistiu nos últimos anos uma multiplicação em escala geométrica de igrejas com denominações diferentes, aproveitando-se da isenção de impostos e do amplo espaço para falar qualquer asneira sem prova alguma. O objetivo é cooptar os politicamente ingênuos e, também, os futuros exploradores desse mesmo segmento, que logo aprendem como manipular o povo. É nesse último aspecto que a Igreja Católica vem perdendo cada vez mais espaço, porque a formação de um pastor é muito rápida, cerca de seis meses, e a de um padre em torno de oito anos, portanto, prevê-se para daqui a cinco ou seis anos o ponto onde o número de evangélicos superará o número de católicos no Brasil.

Os ciclos de avanço e retrocesso que o mundo enfrenta rende uma infinidade de estudos, mas para nós que vivemos surfando na crista da onda da vida cada retrocesso é sempre um preço muito alto a se pagar. Na França, Le Pen vai para o segundo turno com Macron, Trump, nos EUA, permanece em campanha, acossando instituições que pareciam inabaláveis para aventureiros como ele. No leste europeu temos uma guerra que ameaça a Europa e o mundo, além de Viktor Orbán, na Hungria, em seu quarto mandato e aqui no Brasil um governo que não para de se superar em retrocessos.

O ser humano retrocede quando está sob pressão, o psiquismo humano tem seus limites para suportar pressões e quando esses limites são ultrapassados regride aos estágios mais primitivos. Em um platô mais baixo pode ser mais facilmente cooptado e manipulado pelos que desejam e percebem muito bem esses estados mentais. Os pastores brasileiros aprenderam com os pastores americanos a fazer isso com maestria e construíram verdadeiros impérios financeiros no Brasil. A Rede Record, por exemplo, rede nacional de rádio televisão e jornais, pertence à Igreja Universal criada por Edir de Macedo, um ex umbandista que criou esse império com um discurso agressivo baseado na Teologia da Prosperidade americana, mas amalgamando a ela uma verve brasileira que faz com que muitos vendam tudo o que tem e doem à igreja na esperança de ficarem ricas, o que nunca acontece. São verdadeiros shows de manipulações e parte do povo segue pagando dízimo e ofertas para manter esses espertalhões enriquecendo e vivendo como reis. As suas incessantes pregações pelas mídias estão ajustadas de forma metódica ao neoliberalismo e aos governos concentradores de renda, como o atual governo brasileiro. Afirmam que o cristianismo é incompatível com ser de esquerda e atacam qualquer um que lute por justiça social e igualdade de direitos para todos, usando citações de culturas que nem existem mais, registradas em livros que deveriam ser entendidos dentro de contextos específicos e não de forma fundamentalista.

O poder e o dinheiro são irmãos siameses e a busca incessante por eles faz com que a maioria da humanidade seja tratada como massa de manobra, gado que precisa ser conduzido pelos donos do planeta e seus comandados, aqueles que fazem as vezes de capatazes e boiadeiros na condução desse gado. Parece não haver saída a curto prazo, porque a liberdade é algo que se conquista, mas para ser livre é preciso haver consciência da necessidade de ser livre, como nos versos de Geraldo Vandré, compositor perseguido e torturado pela ditadura militar brasileira; “Na boiada já fui boi/Mas um dia me montei/Agora sou cavaleiro/Laço firme e braço forte/De um reino que não tem rei”.

Vinicius Todeschini 18-04-2022

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