Saúde Mental – Um drama permanente
O isolamento social e confinamento em instituições psiquiátricas, onde os que eram considerados loucos eram submetidos à normas e disciplinas extremamente rigorosas que, muitas vezes, ultrapassavam limites do que se pode considerar humano, tornaram essas instituições temidas pelo povo e estigmatizaram milhões de pessoas através dos séculos.
Quando os leprosários começaram a esvaziar-se na Europa, em meados do século XVI, esses espaços foram ocupados pelos portadores de doenças venéreas. Em 1657, foi fundado o Hospital Geral de Paris e aconteceu a grande internação dos pobres que vagavam pelas grandes cidades europeias atrás da sua sobrevivência. Mais tarde, com a revolução burguesa de 1789, houve a libertação dos acorrentados de Bicêtre, em 1793, pelo médico nomeado pelo governo
revolucionário, Philippe Pinel. Na França, o conceito de louco e loucura (‘fou’ e ‘folie’), era conhecido desde os tempos da ‘La Chanson de Roland”, por volta de 1080, mas foi no século XIX, propriamente dito, que se desenvolveu o conceito mais moderno de “alienação mental” e, consequentemente, os especialistas nessas doenças foram chamados de alienistas, os precursores dos psiquiatras atuais. Foucault afirma, no entanto, que aconteceu uma ruptura do diálogo entre razão e a loucura e isso resultou de uma conjuração e essa conjuração aconteceu por uma cisão da razão contra a desrazão. Descartes teria excluído com o seu “cogito ergo sum” à loucura, criando assim uma oposição entre a ordem da razão à desordem da desrazão, se duvido, penso, e se penso não posso ser louco. E assim a modernidade excluiu à loucura e criou as bases filosóficas para o seu confinamento em espaços físicos chamados manicômios. Para Michael Foucault, no entanto, não existem verdades evidentes e por isso todo conhecimento e saber foi criado em algum lugar, movido por algum objetivo, por isso mesmo pode ser criticado, transformando e mesmo destruído. Essa talvez seja a maior contribuição desse grande filósofo, a sua conceituação sobre o que é governar: “governar significa gerenciar a vida (biopoder) desde o nascimento até a morte, e tornar todos os indivíduos mais produtivos, sadios, governáveis”. Com isso, os ideais normativos do capitalismo neoliberal nos tornam presas inconscientes de processos de individuação e subjetivação, controlados habilmente pelos donos do mercado econômico. O que é a loucura então?
Pinel criou as bases para o tratamento psiquiátrico e para explicar à loucura ele identificava três causas: causas físicas, hereditariedade e as causas morais, nessa última se incluíam excessos de toda ordem, exacerbação dos costumes e hábitos de vida irregulares e excessivos. Para tratar ele prescrevia o “tratamento moral”, que consistia em uma pedagogia normalizadora, definindo hábitos e rotinas rigidamente controlados, atividades de trabalho e lazer e medicações receitadas, exclusivamente, pelos médicos. O isolamento social e confinamento em instituições psiquiátricas, onde os que eram considerados loucos eram submetidos à normas e disciplinas extremamente rigorosas que, muitas vezes, ultrapassavam limites do que se pode considerar humano, tornaram essas instituições temidas pelo povo e estigmatizaram milhões de pessoas através dos séculos.
Em 1952 a Associação Americana de Psiquiatria publicou o DSM I com 106 categorias, o enfoque era sobre uma base psicanalítica. Com o aumento progressivo de categorias e a confusão de linguagens na psiquiatria surge o DSM III adotando critérios da medicina baseada em evidências. A medicina baseada em evidências é uma articulação entre as pesquisas científicas e a prática clínica. Com isso a prática psiquiátrica direcionou-se para a identificação dos sintomas, definição de diagnósticos e testagem da eficácia dos medicamentos. Completamente diferente da orientação do Manuais anteriores, onde predominavam as abordagens psicossociais e psicanalíticas, os Manuais atuais são elaborados em um contexto da biomedicalização da prática psiquiátrica.
As contradições atuais trazem à baila uma grande discussão sobre saúde mental: qual a importância do diagnóstico e o quanto ele é importante ou não para o processo terapêutico? A Luta Antimanicomial no Brasil continua refém do trabalho da saúde mental centrada na figura do psiquiatra. A reclusão tecnocrática dos CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) e a sua submissão burocrática repetem um itinerário desdobrado das antigas práticas, onde no enfrentamento das crises se busca logo um psiquiatra. É a adaptação dos pacientes às especialidades e aos modelos terapêuticos vigentes, não uma revolução. O sistema vence no cansaço e absorve às mudanças. “Que no es lo mismo, pero es igual”.
Vinicius Todeschini 07-02-2022