Crónicas do Brasil | 03-05-2022 23:20

Uma graça sem graça

Vinicius Todeschini

Criar verdades falsas para produzir uma sociedade sem autocrítica e sem liberdade nenhuma, se tornou o objetivo desses grupos espalhados pelo mundo, só que agora estão mais bem preparados e organizados, usando as melhores ferramentas que a tecnologia oferece

Um oportunista não desperdiça nenhuma chance, simplesmente aproveita cada possibilidade. Ele sabe que o seu único talento é esse, e não tem escrúpulo nenhum quanto a isso e, jamais, sob qualquer circunstância, procrastina. Se uma bola picar na frente do gol chuta com a canela, porque o importante é que a bola entre no gol. Não desperdiçar nenhum lance é o seu lema. Pois então, Bolsonaro é isso, um oportunista de marca maior que não desperdiça nenhuma brecha, pois sabe muito bem que não tem talento, nem grandeza, apenas senso de oportunidade como poucos na política possuem.

O episódio recente de indultar o deputado federal, Daniel Silveira, condenado pelo STF (Supremo Tribunal Federal), através de uma graça que está prevista na Constituição, mas que fere o princípio da impessoalidade e, nitidamente, abusa do poder que o cargo lhe oferece, confirma o seu propósito de aproveitar qualquer chance que apareça para criar instabilidades e fazer com que desviem o foco da sua péssima administração e do seu verdadeiro escopo. Os motivos alegados pelo presidente atual são risíveis, por exemplo: ele alega que houve uma comoção nacional diante da condenação do deputado bolsonarista, fato que jamais ocorreu; alega também que estaria agindo pelo interesse público defendendo a liberdade de expressão, outra bobagem, porque, entre outras coisas, o deputado atacou os ministros do STF, através de um vídeo onde, inclusive, os ameaça fisicamente. Essa prática de ameaçar o STF é comum entre os bolsonaristas, um dos filhos do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, afirmou que bastaria um soldado e um cabo para fechar o STF. É assim que pensam e agem os bolsonaristas.

                O deputado Daniel Silveira é um ex-policial ligado às milícias, preso em 16 de fevereiro de 2021 após publicar um vídeo vociferando injúrias e ameaças contra os ministros do Supremo. Sua truculência é conhecida, agrediu o jornalista Guga Noblat, jogando o celular do jornalista no chão enquanto vociferava: “Arremessei. E aí irmão? Te bati, babaca. Vai ao STF e me processa otário. Tu é um babaca rapaz”. Sua ficha na Polícia Militar é extensa, onde consta mau comportamento com 60 sanções disciplinares e por isso foi considerado inadequado para o serviço militar. Durante esse período ficou preso 26 dias e detido 54. Antes disso, ainda quando trabalhava como cobrador de ônibus, foi processado por apresentar atestados falsos para justificar suas faltas ao trabalho. Daniel Silveira fez parte do 15º Batalhão de Polícia Militar, o segundo de maior letalidade do estado do Rio de Janeiro. Ele declarou à revista Piauí ter matado ao menos 12 pessoas durante a sua atuação na Polícia Militar carioca. Articulado e matreiro, ele segue atacando incessantemente o STF e o ministro Alexandre de Moraes, mas tudo muito bem orquestrado com “o núcleo duro bolsonarista”, que está em franca guerra com às instituições democráticas do Brasil, tentando desconstruí-las para assumir o mando do país com um poder discricionário, sem nenhum limite de atuação e de tempo. O objetivo sempre foi claro, mas muitos não quiseram ver, porque achavam Bolsonaro tosco demais para ser letal. Se enganaram. A graça concedida livra o deputado de 8 anos e nove meses de prisão e da multa de R$192,5 mil reais. Não há como fingir que está tudo bem!

                Por fim, temos mais uma péssima notícia: Elon Musk comprou o Twitter criando assim mais uma frente da direita autoritária no mundo. O cenário favorece a volta de figuras como Donald Trump, que tinha sido banido dessa rede social por incentivar o ataque ao Capitólio, após perder as eleições para Joe Biden. O mundo, depois de 77 anos do fim da II Guerra Mundial, se depara com o renascimento da direita fascista e racista, que parecia ter desaparecido, mas estava apenas latente e agora desponta novamente nos trazendo sérias preocupações, diante da possibilidade do renascimento da velha novidade do terror criado por mentes doentias e criminosas. O jogo capcioso de tentar usar o sistema democrático para chegar ao poder e depois desconstruí-lo para permanecer, indefinidamente, governando, se tornou uma prática comum. Liberdade de expressão para poder disseminar ideias antidemocráticas. Criar verdades falsas para produzir uma sociedade sem autocrítica e sem liberdade nenhuma, se tornou o objetivo desses grupos espalhados pelo mundo. No entanto, agora estão mais bem preparados e organizados e usando tudo que a tecnologia oferece. Por outro lado, a sociedade parece parcimoniosa em resistir a isso, confirmando a sua profunda alienação para os reais perigos desse momento.

Vinicius Todeschini 02-04-2022

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