“Azinhaga não é só a minha terra. É a única terra onde eu realmente podia ter nascido”

“Azinhaga não é só a minha terra. É a única terra onde eu realmente podia ter nascido”

Prémio Nobel da Literatura “reconheceu-se” na escultura de bronze inaugurada no centro da aldeia no dia 31 de Maio do ano de 2009. O MIRANTE recupera a reportagem feita no local perante uma plateia de amigos e admiradores, mas acima de tudo de gente da terra que quis conviver com o escritor que pôs a Azinhaga no mapa do mundo. Centenas de populares assistiram ao momento solene numa tarde de domingo sob um calor intenso. “Estou inaugurado e estou muito feliz!”, gracejou o escritor.

No último domingo, o calor abrasava pelas cinco da tarde na aldeia de Azinhaga, Golegã. “A aldeia mais portuguesa do Ribatejo”, anuncia um cartaz à entrada da localidade. A cerca de hora e meia do momento mais alto da tarde, a inauguração de uma estátua em homenagem a José Saramago, muitos populares tentavam refrescar-se bebendo cerveja nos cafés enquanto o convidado de honra não chegava. Pelas ruas notava-se uma agitação fora do comum com muitos populares a andarem nas tradicionais “pasteleiras” (bicicletas) para cá e para lá.

No jardim no centro da aldeia decorria, entretanto, o último dia da “Feira de Maio” que teve início dois dias antes. Pelo jardim corriam crianças. Os adultos preferiam descansar à sombra das árvores. Os stands espalhados um pouco por todo o recinto aguardavam quem os visitasse mas poucos o faziam aquela hora. Às 18h10 sente-se um reboliço no portão da entrada do jardim. Num carro topo de gama preto, chega José Saramago, fato e gravata em tons cinzentos, acompanhado pela esposa, Pilar Del Rio.
São muitos os populares que se aproximam mas é o presidente da junta de freguesia que o recebe de forma calorosa. Vítor Guia é um homem visivelmente feliz. Saramago é, imediatamente, abordado por uma senhora vestida de roxo que diz ser sua prima e que já não o larga. Pilar retribui sorrisos. São encaminhados para junto do palco onde já se encontram a postos os “Campinos de Azinhaga”, o grupo de folclore local.

Duas modas depois, os aplausos encerram o momento. José Saramago é agora abordado por dezenas de populares que querem tirar uma fotografia ou um autógrafo. O carinho das gentes da Azinhaga é notório para com o seu Nobel. Entretanto, no Largo da Praça, a cerca de 300 metros dali, já são dezenas de pessoas que se concentram, à sombra, para assistir ao momento em que vai ser descerrada a estátua que marca a homenagem da terra natal. Meia hora mais tarde são centenas. Muitos vêm de fora. São 19h00 e José Saramago sai do carro. Aplaudido.

O presidente da Câmara da Golegã, Veiga Maltez (PS), é ausência notada. Faz-se representar pelo vice-presidente, Rui Medinas. As pessoas acotovelam-se para ver Saramago. Algumas assistem ao frenesim do alto das janelas de suas casas. Ao lado de uma antiga fonte, um pano branco com o brasão da junta de freguesia cobre a estátua. Antes de ser retirado, Saramago assiste a um momento cultural e musical interpretado pelo Grupo Casa da Comédia. Tem ainda oportunidade de assistir a um fandango.
O relógio já marca as 19h30 quando a escultura de bronze é posta a nu. Tem uma dimensão superior ao tamanho natural e representa o escritor sentado num banco de jardim com um livro na mão. Pensativo.

Olha em frente, na direcção da porta de Francisco Carreira, o “sapateiro prodigioso” ao qual dedicou duas páginas de um seu livro. No livro de bronze estão escritas as palavras que são o princípio de um texto seu sobre a Azinhaga – “A aldeia chama-se Azinhaga…”. O pólo da Fundação José Saramago, inaugurado há um ano fica a poucos metros e foi este o motivo que ditou a escolha do local para a edificação da escultura. “Revejo-me, reconheço-me nela. Sem qualquer dúvida, sem qualquer resistência”, disse Saramago, minutos após observar a escultura da autoria de Armando Ferreira, artista de Alpiarça. O escritor fez a sua própria interpretação da obra.

”Não estou a ler. Interrompi a leitura para pensar em alguma coisa. A expressão dos olhos é muito bem dada. Há um pensamento ali que o escultor pôde traduzir no modo como o olhar se fixa na distância”, afirmou, tocando o livro de bronze que pende numa mão, sobre a perna da estátua. “Espero um dia voltar e ver umas pessoas aqui sentadas a ler ou a tirar fotografias”, afirmou.

Estátua é fruto da insistência do presidente da junta. Emocionado, Vítor Guia explicou às centenas de pessoas presentes que José Saramago foi reticente à ideia de ter uma estátua em vida. “Deixemo-la para quando eu já cá não estiver”, disse, quando foi interpelado pela primeira vez. Mas a persistência do presidente da Junta de Freguesia da Azinhaga viria a convencê-lo. “Se não fosse eu, seria outro presidente de junta a fazê-lo e com outro dinheiro”, confessou Vítor Guia que explicou que a ideia de uma estátua de homenagem a Saramago partiu do grupo “Mais Saramago”, que se tem dedicado a identificar textos do escritor que não estão assinados e que foram publicados em revistas ou em prefácios de livros de outros escritores portugueses.

Foram estes que recolheram os cerca de 32.500 euros do custo da estátua, que quiseram dar o seu contributo. A Festa de Maio da Azinhaga terminou da melhor maneira com Saramago a enaltecer o seu povo. “Azinhaga não é só a minha terra. É a única terra onde eu realmente podia ter nascido”, afirmou arrematando com um bem-disposto: “Estou inaugurado e estou muito feliz!”.

Texto publicado originalmente na edição de 04 de Junho de 2009

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