Irmão de José Saramago está sepultado no mesmo cemitério do avô Jerónimo

José Saramago – FOTO ARQUIVO

“Quem falaria hoje do meu irmão Francisco, se eu não estivesse aqui? Quem imaginaria, se não existisse eu para contá-lo, que aquele Jerónimo Melrinho, analfabeto, tosco guardador de porcos, homem de silêncios, tinha um tão grande coração? Também é para o dizer que vivo”. José Saramago conseguiu finalmente saber o que aconteceu ao seu “irmão imortal” cujo destino lhe escapava.

8 de Novembro

Enfim, decifrou-se o mistério. O Chico – o meu irmão Francisco – faleceu às 18 horas do dia 22 de Dezembro de 1924, no Instituto Bacteriológico Câmara Pestana, e foi enterrado às 16.35 horas do dia 24 de Dezembro, véspera de Natal. Tinha quatro anos e dois meses. Não morreu de difteria, ou garrotilho, como julgava minha mãe, mas de broncopneumonia. Morávamos então na Rua E, ao Alto do Pina. Sei agora tudo isto graças a Rui Godinho, a Ana Paula Ribeiro, chefe da Divisão de Gestão Cemiterial da Câmara Municipal de Lisboa, e aos seus funcionários, uns que fizeram procurar, outros que encontraram, o último sinal da passagem de Francisco de Sousa, filho de José de Sousa e de Maria da Piedade, por este mundo. Investigaram-se os arquivos de seis cemitérios e o registo dele estava no cemitério de Benfica, o mesmo cemitério, precisamente, onde, vinte e quatro anos mais tarde, viria a ser sepultado o nosso avô Jerónimo, aquele inesquecível velho que, pressentindo que não voltaria da viagem que o levava da Azinhaga a um hospital de Lisboa, se despediu das árvores do seu pobre quintal, uma por uma, abraçando-se a elas, a chorar. Alguém, mais sensível, dirá que há demasiados mortos nesta página. Talvez tenha razão, mas escrever sobre eles é a maneira, a única que está ao meu alcance, de os conservar neste mundo por mais algum tempo ainda. Quem falaria hoje do meu irmão Francisco, se eu não estivesse aqui? Quem imaginaria, se não existisse eu para contá-lo, que aquele Jerónimo Melrinho, analfabeto, tosco guardador de porcos, homem de silêncios, tinha um tão grande coração? Também é para o dizer que vivo.

Em Cadernos de Lazarote Vol. IV Página 246

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