Cultura | 26-01-2022 18:00

Edição Semanal. Manuel Moreira é um compositor que não desiste dos seus sonhos

Edição Semanal. Manuel Moreira é um compositor que não desiste dos seus sonhos

Criado na aldeia da Barrosa, concelho de Benavente, fez-se compositor na Escola Superior de Música de Lisboa. Manuel Moreira desdobrou-se em sonhos até perceber que compor não lhe dava estabilidade financeira e teve de recorrer a outra actividade profissional.

No Dia Mundial do Compositor fala das dificuldades de um jovem em viver da sua arte, culpa os agentes culturais de favorecerem a música do passado e diz que temos um país alimentado por telenovelas e que não sabe distinguir arte de entretenimento.

Ter uma ideia, que nem sempre é musical. Escolher as notas, definir o ritmo, a intensidade, a acentuação e a indicação de carácter. Escrever a partitura sem um instrumento por perto. Porque a melodia soa automaticamente na mente de quem a compõe. “É como a escrita de uma palavra. Quando o fazemos já sabemos como ela soa e o impacto que vai ter se alguém a verbalizar”. Para Manuel Moreira, jovem compositor da Barrosa, concelho de Benavente, o processo de composição é uma busca incessante de se conseguir transmitir de forma sintetizada e o mais fielmente possível uma ideia, sempre acompanhada de um pedaço da sua identidade artística. “Não é fácil”, admite, mas o mais difícil é um compositor conseguir com que a sua obra seja tocada ao vivo e chegue ao grande público. E alcançar esse patamar tem muito que se lhe diga.
Difícil também é um jovem compositor viver da sua arte. Manuel Moreira acredita numa aptidão natural para a música, como também acredita que para se vingar na indústria da música é preciso construir relações com as pessoas certas. “Fui tão ingénuo que cheguei a pensar que uma peça minha ia ser tocada e deixar toda a gente a falar sobre ela”, conta já depois de explicar que as barreiras que encontrou o levaram a procurar a estabilidade financeira na área do desporto, como técnico especialista em exercício físico. “A música é e vai ser sempre a minha paixão, a minha identidade. Todos os dias penso em música e em conseguir estabilidade para no futuro me poder dedicar a compor”, garante.
Na opinião do compositor, de 25 anos, “as grandes infraestruturas culturais estão a favorecer a música do passado e a pôr de parte a que se faz no presente”. E no ensino da música erudita, diz, o cenário é o mesmo. Defende, por isso, que “é preciso dar oportunidade à música dos compositores vivos para ser tocada”, nem que seja uma vez. Porque imagine-se o quão “triste é um compositor investir anos da sua vida a escrever uma obra para ser tocada uma vez e cair para sempre no esquecimento”.

“Nesta profissão é preciso estar-se constantemente a criar”

Manuel Moreira recebe-nos no Dia Mundial do Compositor, que se assinalou a 15 de Janeiro, junto ao rio Tejo, em Lisboa, cidade onde vive desde que deixou a Barrosa para tirar a licenciatura e mestrado em composição musical, na Escola Superior de Música. Escreveu um ciclo de sete peças para instrumentos iguais, das quais para um quarteto de saxofones barítonos, instrumento para o qual escreveu outra peça que lhe foi encomendada pelo compositor Luís Tinoco.
“Nesta profissão é preciso estar-se constantemente a criar sendo que no início de carreira os concursos são o grande [e geralmente único] abre portas”. Foi por esse motivo que, depois de concluir a formação, se candidatou ao concurso de composição da Banda Sinfónica Portuguesa, com sede na cidade do Porto. “Nunca pus tanta energia num projecto, todos os dias me imaginei a vencer aquele concurso e a poder ouvir a minha peça tocada ao vivo. Mas não passei da semi-final”, conta.
Durante a sua “curta carreira de compositor”, condição que fez questão de mencionar várias vezes durante a entrevista para que não o achem “presunçoso”, já teve algumas das suas peças tocadas ao vivo. Contudo, nenhuma que o tenha deixado satisfeito e com a certeza de que a mensagem que queria passar foi compreendida pelos músicos e pelo público.

Um compositor com gostos ecléticos

Manuel Moreira considera-se um fã de música pesada, mas sem qualquer tipo de repulsa por qualquer outro estilo musical, do pimba ao erudito com a qual ganhou afinidade à medida que foi aprendendo mais sobre teoria musical. No seu top nacional coloca os Moonspell, Amor Electro, Expensive Soul e Miguel Araújo e inspira-se em compositores como o português António Pinho Vargas e o húngaro György Ligeti.
Um dos maiores flagelos para a cultura nacional é ter-se um país a ser alimentado por telenovelas e programas de fofoca. “As pessoas consomem o que lhes dão, neste caso o entretenimento banal e fácil. É preciso fazer esse rompimento, esse desmame e arriscar introduzir novos estímulos culturais. Basta pensar o quão raro é vermos passar um concerto num dos [principais] canais de televisão”. Este sistema em que o país mergulhou, prossegue, tem que sofrer um revés porque é “urgente valorizar-se a cultura”. A começar pelo Governo que “tem que incentivar, apoiar e fazer ver a importância dos eventos culturais que se realizam para que as pessoas comecem a ganhar curiosidade para consumir mais cultura”.

Tudo começou em Benavente

Criado num meio rural, onde era banal pegar na enxada para cavar ou cuidar dos animais da quinta, Manuel Moreira diz ter tido uma educação conservadora. Ter deixado crescer o cabelo foi entendido como uma ofensa aos valores familiares; e optar por estudar música como uma má decisão. Aluno de boas notas, começou a frequentar aulas de guitarra, em Benavente aos seis anos e aos 11 foi para a Sociedade Filarmónica Benaventense aprender saxofone, teoria musical e tocar com a banda, a única à qual pertenceu. A ideia era ter ficado por aí e ter seguido engenharia.
“Mesmo professores alertaram-me para a instabilidade que é viver-se da música, mas sempre que perguntava a mim próprio o que me via a fazer para o resto da minha vida só me via a compor”. Na Escola Superior de Música de Lisboa era dos poucos que não tinha frequentado ensino articulado, o que demonstra bem, sublinha, a desigualdade que existe no acesso ao ensino da música para quem vive fora dos grandes centros.

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