Cultura | 15-06-2022 15:00

Livros de Alves Redol deviam ser património de todas as escolas

António Redol lamenta o trabalho das universidades portuguesas e a falta de interesse pela obra literária dos grandes escritores portugueses

À Margem/Opinião

António Redol é um engenheiro químico apaixonado pela literatura graças ao facto de ser filho de Alves Redol, uma das maiores referências da literatura portuguesa de todos os tempos. A sua dedicação à obra de seu pai é um exemplo que raras vezes acontece na vida de muitas figuras da cultura e das artes. Na maior parte dos casos os autores morrem, literalmente falando, no dia em que fecham os olhos se a sua Obra não for como a de um Fernando Pessoa ou de um Picasso, para citarmos dois casos do mundo das artes que sobrevivem contra tudo e contra todos devido à sua genialidade.
Alves Redol deixou também uma obra genial mas comprometida com a luta do seu povo e do seu país que o tempo vai datando e retirando interesse literário. Foi um dos escritores que me ensinou nos seus romances a perceber o que era a luta de classes assim como a conhecer o meu país. Ainda hoje gosto de folhear os seus livros e regressar às páginas onde me perdi de amores por personagens que me eram familiares desde a infância.
Faço coro com as críticas de António Redol relativamente à indiferença que as universidades, e a generalidade das escolas e professores, manifestam relativamente a autores que são a verdadeira memória do passado e, em muitos casos, também testemunhas do nosso presente.
Os livros de Alves Redol deviam ser património de todas as escolas e bibliotecas do país. Deveria ser tão fácil levar para casa os livros dos nossos melhores autores como se leva uma bicicleta ou uma trotineta. Cada escola devia ter uma biblioteca e um grupo de professores que deviam explicar em sala de aula a importância da leitura na formação do carácter de cada indivíduo. Ao contrário, o que vamos sabendo é que já nem os professores ligam aos livros. Fica a nota de desalento que aproveito para estender à falta de interesse também pela leitura de jornais que é outra pecha que é preciso combater nas escolas, missão cada vez mais dependente dos conselhos directivos. O jornal devia ir à sala de aula pelo menos uma vez por semana uma vez que é lá que se pode ler o que se passa pelo mundo assim que saímos de casa e pisamos o chão que treme como o da vida de Joaquim Tarrinca, a quem Alves Redol dedicou o romance “Avieiros”. JAE.

António Redol investe direitos de autor da obra do pai a financiar edições de livros

António Redol já gastou do seu bolso 190 mil euros desde 2006 a financiar actividades culturais, nomeadamente edições de livros, ligadas ao movimento Neo Realista de que o seu pai foi um dos principais autores e fundadores. Uma conversa onde as universidades e os professores são chamados à pedra, assim como os dirigentes do PCP que guardam o espólio de Miguel Tiago, pseudónimo de Álvaro Cunhal, só para deleite dos camaradas que têm entrada no edifício da Soeiro Pereira Gomes.

António Redol é um dos mais destacados dinamizadores da Associação Promotora do Museu do Neorrealismo de Vila Franca de Xira. O filho do autor de “A Fanga”, “Avieiros” e “Gaibéus” abraçou o amor paternal e a admiração pela obra literária de seu pai e tem feito História. Para além de ter contribuído para a fundação do Museu, e para a sua construção em Vila Franca de Xira, António Redol tem ajudado a financiar iniciativas que desde 2006 já lhe custaram cerca de 200 mil euros do próprio bolso.
Depois de sabermos pelo relatório de actividades de 2021 que a associação já ofereceu mais de 10 mil livros a bibliotecas e professores universitários, que editou e custeou, fomos à conversa com António Redol que assumiu já ter gasto do seu bolso, desde 2006, 190 mil euros de forma a financiar obras literárias ligadas na sua grande parte aos escritores neorrealistas e à história da literatura desses tempos.
António Redol explicou a O MIRANTE que o seu pai deixou escrito que gostava de ver cumprido o desejo de os direitos de autor de um dos seus livros contribuírem para financiar actividades culturais. Ele próprio, que foi o único herdeiro, decidiu que deveria investir a totalidade dos direitos de autor, dinheiro que nos últimos anos tem recebido cada vez com menos frequência uma vez que a Obra de Alves Redol deixou de fazer parte do Plano Nacional de Leitura. A excepção são os livros infantis de Alves Redol, como é o caso de “A vida mágica da sementinha”, que já vendeu mais de 200 mil exemplares e que continua a merecer muitas reedições. António Redol diz que é muito pouco para o valor da Obra de Alves Redol e admite até que os livros de seu pai estão a ser desprezados pelas editoras, e são pouco valorizados pelos leitores, uma vez que alguns dos seus títulos têm uma força literária que não se encontra em muitos autores dos nossos dias.
A conversa decorreu na sua casa na Costa de Caparica e serviu também para António Redol falar da sua ligação à Associação Promotora do, Museu do Neo-Realismo e ao papel que a associação vai tendo na dinamização do museu. Para António Redol, as mudanças recentes na direcção do museu não foram bem geridas e o afastamento de Raquel Henriques caiu mal pela forma como tudo foi tratado. No entanto, o regresso de David Santos pode ser uma mais valia uma vez que já conhece o lugar, foi o primeiro director do museu e, se tiver vontade e energia pode dar continuidade a um trabalho que já sabe como se faz”, admitiu. “Tive muitas turras com ele, chegou a ser mal-educado comigo, mas isso foi noutros tempos. Tudo se resolveu com conversa e trabalho. Não esqueço que o museu nasceu de um projecto apresentado a Daniel Branco, que era o presidente de um executivo do PCP. Quando Maria da Luz Rosinha ganhou a câmara para o PS todos pensamos que o projecto ia por água abaixo. A verdade é que ela teve visão e soube perceber a importância do nosso projecto. E fez tudo bem feito. Conseguiu inclusive que o Museu do Neo-Realismo ganhasse financiamento que outros projectos não conseguiram porque Rosinha não se ficou pelas palavras. Contratou técnicos e mandou fazer projectos e quando foi pedir financiamento já tinha obra para mostrar. Os outros só tinham conversa para apresentar. Esta é a diferença entre quem faz e quem promete fazer. Há muitos autarcas por aí ainda hoje que não sabem nada desta forma de trabalhar, diz numa voz tranquila e firme que lhe conhecemos há muitos anos.
António Redol tem razões mais do que suficientes para afirmar que o Museu do Neo-Realismo é mais do que um depósito de livros e de espólios. Por isso criticou os cerca de sessenta professores de Português e da área das letras que trabalham no concelho de Vila Franca de Xira, pois “só meia dúzia é que levam os alunos ao museu. Os outros vão para Lisboa, o que não se compreende e é criticável como facilmente se percebe pelo património que existe no concelho”.
Como presidente da Associação Promotora do museu, que hoje goza do estatuto de uma associação de dinamização, António Redol diz que tem pena que as universidades portuguesas continuem pouco activas e interessadas naquilo que deveria ser uma obrigação do ensino superior: estudar e incentivar o estudo dos seus melhores escritores e representantes da história e da cultura portuguesa. Deu como exemplo o facto de não haver teses de doutoramento sobre Alves Redol, mas também sobre Aquilino Ribeiro, Ferreira de Castro e Fernando Namora, entre muitos outros. “A primeira tese de doutoramento sobre a Obra de Aquilino Ribeiro, o grande mestre da nossa língua, foi escrita há meia dúzia de anos. E sobre Alves Redol há uma tese de doutoramento de Miguel Falcão mas é sobre o seu teatro. Para dar testemunho da sua surpresa por termos um ensino universitário bastante retrógrado, falou do caso de uma estudante de nacionalidade brasileira, que apresentou numa universidade portuguesa um projecto de doutoramento sobre a obra do seu pai que foi rejeitado com o argumento de que não interessava. “Este é um caso que conheço, mas certamente deverá haver muitos outros”, adiantou. “As universidades estão-se nas tintas para os escritores e para a cultura e História de Portugal. Há excepções, não nego, mas são muito poucas para o trabalho que nunca foi feito e provavelmente nunca mais se fará por desinteresse do meio académico”, admitiu.
António Redol é o rosto visível da Associação Promotora do museu mas já não é o da Associação Alves Redol que há cerca de três anos mudou de estatuto. Diz que já não tem idade para ir a todas e alguém tem que dar seguimento aos projectos. Assume que não quer nem nunca quis misturar a associação Alves Redol com a Associação Promotora e que espera sinceramente que os dirigentes da associação que tem o nome do seu pai mantenham o interesse e o amor ao autor de “Constantino, Guardador de vacas e de sonhos”, como ele realmente merece.
Sobre a sua continuidade como dinamizador da Associação Promotora diz que está tudo dependente da sua idade e da sua energia. Não esconde os seus mais de setenta anos e a falta de vontade em sair de casa e fazer quilómetros para caminhar para o museu em Vila Franca de Xira. “Os meus amigos dizem que a associação acaba quando eu morrer mas gostava que não fosse assim. Temos um papel importante na gestão do museu e não só. A associação é dona de uma boa parte das obras de arte plástica que estão patentes no museu. É um património avaliado em seiscentos mil euros. É preciso que a direcção científica do Museu nunca esqueça o papel da sociedade civil e não se feche em quatro paredes e decida só de acordo com os seus interesses culturais e pessoais”, adiantou.
Apesar do museu já ter o espólio de mais de meia centena dos escritores dos mais importantes do movimento neorrealista, ainda não tem os de Miguel Tiago, pseudónimo de Álvaro Cunhal, que para além de escritor de obras literárias também deixou algumas pinturas e desenhos, alguns bem conhecidos. António Redol explicou em breves palavras, mas sem papas na língua: “A malta do PCP não cede nada; têm tudo guardado na Soeiro Pereira Gomes; Para eles o Álvaro Cunhal é propriedade privada. Ainda tentamos várias vezes mas parece que batemos sempre na porta errada”, esclareceu depois de dar outros exemplos de escritores neorrealistas importantes como José Gomes Ferreira, cuja família optou por doar o espólio à Biblioteca Nacional.

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