Desporto | 19-01-2022 12:00

Edição Semanal. Nos trampolins do Estevense há um campeão do mundo a formar novos talentos

Edição Semanal. Nos trampolins do Estevense há um campeão do mundo a formar novos talentos

Bruno Nobre começou tarde na modalidade mas a sua garra e profissionalismo levaram-no ao topo. No clube da aldeia de Santo Estêvão, onde aprendeu tudo o que sabe, o campeão mundial de trampolim ensina a mesma fórmula aos ginastas que treinam diariamente para voar mais alto.

O ritmo, a destreza e a coragem são admiráveis. As séries que implicam a execução de oito a dez saltos mortais começam à voz de comando do treinador Bruno Nobre. Em cada trampolim há um ginasta empenhado em voar mais alto num movimento perfeito. Entre as quatro dezenas de ginastas da secção de trampolins do Clube de Futebol Estevense há um pequeno grupo que se destaca e que tenta em cada treino absorver os ensinamentos do treinador que foi campeão do mundo na modalidade e que se fez ginasta ali, naquele pavilhão da aldeia de Santo Estevão, onde o frio de Janeiro não intimida.
Bruno Nobre, 41 anos, sagrou-se campeão do mundo de trampolins em 1999 quando tinha apenas 18 anos e foi duas vezes medalha de bronze em 2005 e 2013 em mundiais. Após cinco anos de treino já estava na selecção nacional, onde se manteve durante 20 anos. Uma carreira de sucesso para um ginasta que começou a aprender a modalidade quando já tinha 14 anos.
Nascido e criado no seio de uma família pobre, Bruno Nobre, um rapaz à época “de pouca auto-estima”, fazia 40 quilómetros de bicicleta para poder treinar duas vezes ao dia. “Foi aqui que pela primeira vez na vida me senti acarinhado e valorizado. Os trampolins eram o meu porto seguro, onde me ensinaram a não me sentir menos que ninguém”, conta o treinador que hoje tem o nível máximo de formação e é bombeiro sapador em Lisboa.
Nos trampolins destacava-se pela coragem e velocidade. Em casa o pai tentava demovê-lo de prosseguir o seu sonho dizendo-lhe que se devia focar em trabalhar para ajudar a pôr comida na mesa. Aos 11 anos foi obrigado a deixar a escola. “Fui ajudar o meu pai no trabalho, a distribuir gasolina por oito homens que estavam a cortar árvores com motosserras. Depois fui mandado para a apanha do tomate em Santo Estêvão”. E foi nessa altura que viu a sua janela de oportunidade: ao mesmo tempo que começou a aprender trompete na Sociedade Filarmónica de Santo Estêvão iniciou-se a sério nos trampolins do Estevense.
Hoje não é raro ouvi-lo dizer aos jovens que treina que “o ginasta é o atleta mais completo que existe e o que mais se sacrifica”. E o motivo não é difícil de adivinhar: “Vai sempre haver o triplo das falhas em comparação com os bons resultados. E vai haver anos em que por mais que tentemos não vamos conseguir ter resultados e nessas alturas é preciso lidar com a frustração e não desistir. Continuar a trabalhar com a convicção que um dia a prova vai correr como queremos”. Se pudesse voltar atrás, admite, teria procurado apoio psicológico para o ajudar a evitar os erros que cometia devido à ansiedade e falta de auto-estima. Felizmente, hoje, os ginastas que treina têm acesso a esse apoio.

Um clube de bairro que fabrica campeões

A ansiedade não é problema para o atleta Francisco José, que treina os movimentos precisos enquanto Bruno Nobre nos vai falando do seu percurso. Com 14 anos treina desde os seis e motivos não lhe faltam para se orgulhar dos seus feitos. Foi quatro vezes campeão nacional em trampolim e duplo mini trampolim, participou em dois mundiais, o último realizado em Novembro de 2021 e no qual conseguiu um sexto lugar. “Neste momento é a estrela da companhia e é daqueles ginastas que qualquer treinador quer ter. Talentoso, super ambicioso e com uma facilidade de aprendizagem e motivação para o sucesso fora do normal”, assegura Bruno Nobre.
Irrequieto por natureza, Francisco José deixa o trampolim por breves minutos para se juntar à conversa. “Não gosto de falar de mim”, começa por avisar. Depois atira: “O que posso dizer é que quero ser muito melhor do que aquilo que sou hoje. E sei que posso ir longe, basta continuar a querer”. Pouco dado à paciência, confessa que quer aprender e arriscar mais do que deve. “Mas tenho o Bruno Nobre que me põe um travão”, diz.
Para quem vê de fora, o pavilhão de treinos colado à junta de freguesia não deixa adivinhar que é ali que já se formaram campeões de trampolim como Bruno Nobre, Diogo Ganchinho ou André Nunes. “É um clube de bairro com uma dimensão gigantesca na ginástica a nível nacional e mundial”, sublinha Bruno Nobre acrescentando que a modalidade é muito acarinhada na aldeia e que motiva praticamente todas as crianças e jovens a passar por ali para experimentar. Gratuita e aberta a todos. É assim desde 1992, ano em que a secção foi fundada pelo treinador Carlos Matias.
João Costa já tinha ouvido falar do talento que nascia naquele pavilhão, por sinal bem apetrechado com todos os aparelhos necessários para a prática da modalidade. Antigo ginasta da Associação de Desporto do Carregado (Alenquer) “às vezes ia lá treinar”, até se mudar em definitivo para o Estevense depois de a secção ser extinta no clube onde se iniciou aos 8 anos. “Todos os dias os meus pais fazem o esforço de me trazer aos treinos. Acredito que este ano vou conseguir chegar aos mundiais”, revela o ginasta que se prepara para mais uma série de saltos.
Quem também quer ir sempre mais longe e superar-se é Carolina Vaz. “Gosto da adrenalina e do risco que corro ao tentar um salto novo. Os meus pais não acharam muita piada quando me lesionei, mas deixar os trampolins não era uma hipótese para mim”, lembra a ginasta, de 18 anos, praticante desde os nove. Carolina Vaz teve o mesmo receio que muitos que por ali passam: o medo de competir, que só venceu depois de a terem convencido a participar numa prova. A partir daí tomou-lhe o gosto. Já foi a dois campeonatos do mundo, em Tóquio e na Bulgária, e foi este ano terceira na Scalabis Cup, competição internacional de ginástica de trampolim que se realiza em Santarém.

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