Graça Padinha e a arte de modelar figuras em garrafas de vidro
Graça Padinha, natural de Santarém, trabalhou décadas na área comercial de uma empresa, mas nunca se sentiu realizada. Na pandemia, aos 48 anos, olhou para as garrafas de vidro que tinha em casa e começou a pintá-las. Hoje molda figuras à mão em porcelana fria.
As garrafas de vidro são a base dos trabalhos de Graça Padinha, que molda figuras em porcelana fria. O talento, adormecido durante algumas décadas, despertou na pandemia ao reparar em algumas garrafas vazias que tinha em casa. Começou no pontilhismo com recurso a canetas, cotonetes ou à ponta do pincel, e nunca mais parou. Natural de Santarém, licenciou-se em Gestão de Recursos Humanos e trabalhou na área comercial durante vários anos, mas garante nunca se ter sentido realizada. Actualmente, com 50 anos, afirma que só aos 48 encontrou o seu propósito de vida. “Toda a minha vida fui norteada por demandas sociais e culturais que cumpri, mas que não faziam sentido para mim, tirando o facto de ter sido mãe”, revela Graça Padinha, acrescentando que a sua felicidade está “no tapete de yoga e no tapete de trabalho”.
A entrevista de O MIRANTE a Graça Padinha decorre no sótão da casa da mãe, em Santarém, onde vive e trabalha as peças. Por volta da primeira década deste milénio, a artesã pintava vitrais e oferecia à família pela altura do Natal, mas a pandemia foi o impulso que precisava. “Sentia muita angústia e não sabia porquê. Mergulhando no que sentia, e tendo tempo, comecei a fazer aquilo que faço hoje. Foi das melhores decisões da minha vida”, desabafa. Graça Padinha define-se como uma autodidacta, uma vez que nunca teve qualquer formação em pintura ou modelagem. Os rostos das esculturas são moldados à mão em porcelana fria, pintados a pincel e para as vestes são reaproveitados tecidos de roupas que já não usa e bijuteria. Recentemente aderiu ao estilo steampunk, decorando garrafas de whisky com anilhas, chaves, parafusos, engrenagem, entre outros. No caso das esculturas, partem de garrafas de vinho, água, cerveja, utilizando a técnica do guardanapo no vidro. Já fez Amália Rodrigues, minhotas, o Santo António e até a Annabelle, personagem de um filme de terror. Alusivo ao Ribatejo, já criou a ribatejana, o campino, a avieira do Tejo e o pescador. Para seguir à risca a tradição, guia-se por um livro que requisitou na biblioteca sobre o traje regional em Portugal. Cada escultura demora entre quatro e cinco dias a estar pronta.
Encontrar sentido para a vida
Graça Padinha vive também com o irmão que sofre de uma patologia do foro psiquiátrico e defende que “a maior parte das depressões surgem porque as pessoas estão vazias e ainda não descobriram o que podem dar ao mundo”. Não há um dia em que a artesã não esteja à secretária a criar e admite que não precisa de muito para ser feliz. A sustentabilidade é uma das suas preocupações durante o processo criativo e mesmo no seu dia-a-dia, evitando o plástico e reaproveitando materiais para não fazer lixo, seguindo a máxima de que “o planeta é a nossa casa e quanto mais limpa estiver melhor”.