Karaté é uma escola de vida em Paço dos Negros
No karaté da Associação Desportiva Cultural e Recreativa de Paço dos Negros aprende-se a respeitar o próximo, a ter auto-confiança, auto-controlo e saber agir calmamente em momentos de pressão.
Foi o mestre António Figueiredo, de 68 anos, que levou o karaté para Paço dos Negros, concelho de Almeirim, há cerca de 30 anos quando nem sequer havia futebol. Quem pratica karaté faz parte de uma família muito focada na formação, que se tornou ainda mais unida depois da morte de dois jovens atletas. O falecimento de Joana Constantino ocorreu há cerca de um mês e o grupo está a fazer o luto.
Com o kimono branco vestido e cinturão à cintura os mais novos brincam e correm pelo tatami enquanto não começa o treino de karaté. Assim que Fábio Fernandes, ajudante do mestre, e o mais velho dos karatecas, chama o grupo todos alinham à frente do espelho e fazem uma saudação antes de iniciar o treino. O karaté em Paço dos Negros, concelho de Almeirim, deu os primeiros passos há cerca de três décadas pela mão de António Figueiredo, 68 anos. É ele o mestre e quem dá os treinos com a ajuda de Fábio Fernandes.
António Figueiredo começou a praticar karaté aos 17 anos depois de ter ido com amigos experimentar uma aula em Santarém. Apaixonou-se pela modalidade e nunca mais quis outra. O karaté tornou-se um modo de vida onde todos aprendem a respeitar o próximo, a ter auto-confiança, auto-controlo e a saber agir em momentos de pressão. “Os karatecas não brigam nem entram em discussões. Se forem atacados sabem defender-se e podem apartar uma briga, mas não se envolvem em confusões. Essa é uma das aprendizagens do karaté”, garante António Figueiredo a O MIRANTE momentos antes de iniciar mais um treino no complexo desportivo da Associação Desportiva Cultural e Recreativa Paço dos Negros. A colectividade, além do karaté, tem também as modalidades de futebol, pesca e folclore.
Atenta à conversa está Eduarda Lopes, de 17 anos. Pratica karaté desde os seis anos e começou por ver os primos mais velhos. A jovem gostaria de ter começado mais cedo mas a mãe tinha receio e sempre disse que só a deixava ir depois de fazer seis anos. “A minha mãe achava que eu me ia esquecer e disse aquela idade. Quando fiz seis anos insisti e ela não teve como dizer não, embora ainda hoje tenha um bocado de medo que me magoe”, conta Eduarda, que frequenta o 12º ano, acrescentando que o karaté a ensinou a ter muita paciência com as situações menos boas.
A seu lado estão as suas amigas e irmãs, Maria Luís, de 15 anos, e Beatriz Luís, de 19 anos. Maria conta que pratica karaté desde os quatro anos porque a irmã mais velha também o fazia. Conta que a modalidade as ensinou a respeitar o outro, a ter mais calma, a ganhar auto-confiança e também a defenderem-se. Beatriz, que estuda Design Digital no Instituto Politécnico de Santarém, confessa que os treinos e as competições ajudam sobretudo a esquecer os problemas e a gastar energias.
Natural de Almeirim, onde reside, António Figueiredo já não pratica karaté mas é árbitro em algumas competições. Recorda que aceitou o convite da ADCR Paço dos Negros para levar a modalidade para aquela aldeia onde, na altura, ainda nem existia futebol. Não recebe honorários e garante que no dia em que lhe quiserem pagar vai-se embora. O grupo de 18 atletas é uma família em que os pais dos atletas são fundamentais. “Sem os pais não conseguíamos o que temos conseguido porque para praticar karaté pagam 1,5 euros por mês e as inscrições no início da época desportiva. Os pais organizam eventos para angariar dinheiro e assim conseguimos pagar as despesas de deslocações quando são necessárias”, explica o mestre. António Figueiredo admite que não é fácil cativar crianças e jovens para a modalidade numa altura em que existe tanta oferta desportiva e até em casa com as diversões nos telemóveis.
Mortes de atletas deixaram marcas
Os momentos mais marcantes da secção de karaté da ADCR Paço dos Negros foram as mortes de dois atletas. A mais recente, Joana Constantino, de 22 anos, faleceu há cerca de um mês, vítima de acidente quando ajudava em trabalhos agrícolas. Joana praticava karaté desde os quatro anos. Natural de Almeirim, onde vivia, ia sempre para os treinos, juntamente com o irmão, com o mestre António Figueiredo, grande amigo da sua família. “Quando soubemos o que tinha acontecido à Joana em 15 minutos estávamos todos em casa dela para confortar a família. Somos uma família e temos vividos momentos difíceis com a morte da Joana, que era muito querida por todos nós. Estamos todos a fazer o luto”, confessa consternado.
Há uns anos também Miguel, de 19 anos, atleta do ADCR de Paço dos Negros, estava no primeiro ano da Universidade de Évora quando faleceu de doença súbita em casa. Estas duas perdas repentinas abalaram a família do karaté de Paço dos Negros mas tornou-os ainda mais unidos.