Queixas de violência doméstica aumentaram 30% no distrito de Santarém em 2022
No Dia Municipal para a Igualdade os municípios do Cartaxo e Azambuja debateram sobre se a violência doméstica é uma questão de género. Apesar das mulheres continuarem a ser as principais vítimas o número de vítimas masculinas aumentou.
Será a violência doméstica uma questão de género? Esta foi a pergunta que os municípios do Cartaxo e Azambuja procuraram responder depois de se juntarem, pelo segundo ano consecutivo, num debate no Dia Municipal para a Igualdade, assinalado a 24 de Outubro. Um painel composto por psicólogas, técnicas e um membro das forças de segurança, partilhou dados e ideias sobre um tema que continua a apresentar registos preocupantes.
Com uma assistência maioritariamente feminina, Catarina Neves, psicóloga da única casa-abrigo de homens no país, em Aveiro, explicou que os homens ainda têm dificuldade em reconhecer que são vítimas de violência doméstica. “Vivemos numa sociedade onde parece não existir direito a fragilidade e vulnerabilidade”, afirmou. A violência nos homens é muitas vezes psicológica, económica ou sexual e não passa tanto pela violência física, sublinhou. A especialista relacionou o desgaste psicológico com a elevada taxa de suicídios e homicídios, seguidos de suicídios, em contexto de casal. Referiu ainda da desculpabilização das agressoras ou agressores, da dependência emocional e de uma preocupação com quem agride.
O chefe da Secção de Prevenção Criminal e Policiamento Comunitário do Destacamento Territorial de Alenquer, Telmo Jorge, concorda e defende que “a violência doméstica é uma expressão mais abrangente da violência de género”, acrescentando que o número de vítimas mulheres reflecte o patriarcado. “Apesar das mulheres representarem mais de 50 % da população mundial, serem responsáveis por dois terços do trabalho e 10% da riqueza, possuem menos de 0,1% da propriedade”, salientou.
Maria Emília Lima, psicóloga na casa-abrigo para mulheres em Aveiro, afirma que o medo de ficar tem de ser superior ao medo de sair, mesmo com filhos, e que abandonar o companheiro não é falhar na relação. A psicóloga expressou o desejo de deixarem de ser precisas tantas casas-abrigo porque “nem todas as vítimas necessitam de uma casa-abrigo para saírem de uma relação de violência”, sendo que se está a recorrer à institucionalização por motivos de vulnerabilidade social e não de insegurança, lamentando os relatos que ouve da pressão exercida pelos serviços de protecção de menores com frases como: “ou sai você com os filhos ou saem os filhos”.
Rute Azevedo, representante da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG), concluiu a sessão afirmando que “já vivemos tempos mais tranquilos do ponto de vista do consenso” e que “a violência assume cada vez mais formatos subtis”, culpabilizando, em parte, o aparecimento da Internet. Para a psicóloga, não é possível trabalhar as questões de igualdade e violência doméstica sem um trabalho colaborativo, necessário para que a solução não seja institucionalizar as vítimas.
Mais casos em Santarém
A casa-abrigo de homens existe em Portugal desde 2016 e acolheu 61 vítimas em idade activa, vulneráveis socialmente por receberem ordenados mais baixos ou por entregarem os ordenados às companheiras. 48% foram vítimas de outros homens e 52% de mulheres. A instituição acolhe alguns jovens vítimas dos progenitores, principalmente dos pais, pessoas autónomas com doença mental ou física e idosos sendo as filhas as mais agressoras.
O Relatório Anual de Segurança Interna de 2022 aponta para quase 30.500 participações de casos de violência doméstica a nível nacional, um aumento de 15% face a 2021. A maioria dos casos aconteceram em contexto de casal e as vítimas foram essencialmente mulheres (72,4%). A violência doméstica contra os homens tem vindo a aumentar e superou os 27% no mesmo ano. O distrito de Santarém teve uma subida de quase 30% em número de casos, de 825 em 2021 para 1.057 em 2022.
Programa dirigido a agressores chega à Lezíria e Vale do Tejo
Catarina Baiona, coordenadora da equipa da Lezíria do Tejo da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, revelou a O MIRANTE que o Programa para Agressores de Violência Doméstica (PAVD) vai chegar a Santarém e Vila Franca de Xira no próximo ano uma vez que já há técnicos a ter formação. O programa foi avaliado pela Cooperativa de Ensino Politécnico e Universitário em 2012 que concluiu que produz diminuição do risco de violência, diminuição das crenças de legitimação da violência, diminuição do risco de comportamentos aditivos em especial o abuso do álcool, aumento da auto-responsabilização pelo comportamento criminal do agente e o consequente aumento da prevenção da reincidência.
Na sessão, que decorreu no auditório da Quinta das Pratas, no Cartaxo, estiveram presentes o presidente da Câmara do Cartaxo, João Heitor, e o presidente da Câmara de Azambuja, Silvino Lúcio.