Entrevista | 14-12-2011 00:14

De uma infância atribulada a advogado distinguido pelo Presidente da República

De uma infância atribulada a advogado distinguido pelo Presidente da República

Sebastião Marques Honorato nasceu na pequena freguesia de Raposa, no concelho de Almeirim, onde passou uma infância atribulada com muitos azares, como a perda de dois dedos numa brincadeira com uma bomba. Conseguiu vencer as adversidades, até aquela que o impediu de seguir medicina quando no primeiro ano do liceu, em Santarém, teve que ser internado quatro meses no hospital. Perdeu-se um médico e ganhou-se um advogado que é dos mais reconhecidos a nível nacional. Fez a sua carreira em Lisboa. Diz que teve a sorte de ficar a orientar o escritório de um grande advogado quando tinha 27 anos. Esteve na advocacia três décadas.

Vivia numa pequena localidade e torna-se um dos mais reconhecidos advogados em Lisboa. As vivências de infância na Raposa (Almeirim) foram importantes para esse percurso?A minha infância foi muito atribulada. Tive muitas doenças, como a febre tifóide. Estourei os dedos com uma bomba de Santo António. Acontecia-me tudo. Era azarado. Mas consegui ser o melhor aluno da escola primária. O meu pai foi trabalhador rural, comerciante, agricultor e emigrante. Esteve 16 anos em França para assegurar os meus estudos e os da minha irmã. Era um bom aluno…Se tivesse as condições que os meus filhos tiveram para estudar era um óptimo aluno. No liceu de Santarém consegui uma média de 16 que me dispensou do exame de aptidão à universidade. Era o que se chama um aluno marrão. Só estava satisfeito quando sabia tudo. Tirou o curso com alguma facilidade.A Faculdade de Direito de Lisboa era muito difícil. Só os alunos privilegiados é que tinham notas altas. Havia discriminação e os alunos eram avaliados pelas famílias, pelos cargos dos pais. Dá-se o 25 de Abril e a faculdade é tomada por elementos de extrema-esquerda. Os professores são quase todos saneados e passei a ter como professores outros alunos meus colegas. E como não estava para aquilo fui para Coimbra, onde não houve revolução interna. Alguma vez copiou num exame?Copiei num único exame de História do Direito Português. Era uma cadeira do primeiro ano em que se tinha que saber todos os pormenores desde a fundação do reino de Portugal, saber todas as instituições do Direito ao longo da história. Nunca consegui meter aquilo tudo na cabeça.O seu pai deve ter feito um grande esforço para pagar os estudos.No dia 13 de Janeiro de 1975, estava no quinto ano, passei a dar aulas no liceu em Almada. Estive a dar aulas até 1981. Era uma ocupação mal paga. Ainda não era licenciado e ganhava cerca de cinco contos por mês (cerca de 25 euros). Depois de licenciado continuei a ganhar o mesmo. Depois ia de comboio a Coimbra fazer os exames. Já pensava na infância em ser advogado? Sou advogado quase por acaso. A minha vocação era medicina, mas quando fui para o liceu de Santarém tive uma doença que me obrigou a estar quatro meses internado no Hospital de Santarém. Perdi o primeiro ano e tive que fazer dois anos em um para recuperar, mas assim não podia seguir a área de ciências. A doença determinou que fosse para humanidades e que seguisse advocacia. Quando acabei o curso ainda fui para me inscrever em medicina, só que não tinha dinheiro para comprar livros. E teve a sorte de iniciar a advocacia em Lisboa onde havia mais oportunidades que na província…Ainda dava aulas quando surgiu a hipótese de estagiar com o então bastonário da Ordem dos Advogados, Mário Raposo. Entretanto em 1978 o Dr. Mário Raposo vai para ministro da Justiça e eu fiquei a tomar conta do escritório, tinha 27 anos. Foi nessa altura que comecei a aprender a ser advogado. Nunca pensou criar uma sociedade de advogados?Cheguei a ser convidado por três colegas em momentos distintos para me associar, mas achei que não devia atraiçoar o meu patrono. Era uma questão de lealdade. Lembra-se dos primeiros processos mais complicados que teve?Tive o maior processo instaurado a seguir ao caso das FP 25, que foi o processo da DOPA. Onde os nossos clientes estavam acusados de fazerem exportações de capitais para o Brasil e para a Suíça, sob a capa de um banco. Esse crime era na altura punido com prisão de dois a oito anos. Foram todos absolvidos.Ao longo da sua carreira destacou-se mais na parte cível. Não gostava do crime?Em toda a vida de advogado tive quatro ou cinco processos criminais. Desde o caso da DOPA fiquei com um certo trauma de ir todos os dias à cadeia visitar o meu cliente durante dois anos e meio, que foi o tempo que esteve em prisão preventiva. Quando me apareciam casos criminais passava-os para outros colegas. A privação da liberdade é para mim a pior coisa que pode acontecer. É como a morte. Sou muito susceptível a isso. No período após o 25 de Abril deve ter tido muitos casos curiosos…Uma vez tive uma solicitação do gabinete do então primeiro-ministro Sá Carneiro para ir à Guarda defender dois indivíduos que estavam acusados de arrancar propaganda eleitoral das paredes. Eles eram militantes do PPD e tinham arrancado uns cartazes a dizer: "A AD (Aliança Democrática) vai perder". E não tinha identificação de qualquer candidatura. Consegui demonstrar que aqueles papéis não eram propaganda eleitoral. Foi uma vitória muito importante em termos políticos. * Entrevista completa na edição semanal de O MIRANTE.

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