Entrevista | 21-05-2019 20:00

Ser enfermeiro é lidar com o sofrimento humano diariamente

Ser enfermeiro é lidar com o sofrimento humano diariamente
IDENTIDADE PROFISSIONAL

Ana Isabel Rodrigues admite que a sua desgastante profissão não é devidamente valorizada.

Enfermagem não era a sua área favorita quando ingressou no ensino superior, mas hoje não se imagina a fazer outra coisa. A propósito do Dia Internacional do Enfermeiro, que se assinalou a 12 de Maio, O MIRANTE conta-lhe a história de uma profissional que trabalha no Hospital Distrital de Santarém há 24 anos e já passou por vários serviços.

Quando terminou o secundário sonhava seguir engenharia do Ambiente, mas acabou por colocar Enfermagem em primeira opção, na Escola Superior de Enfermagem, do Politécnico de Santarém, para fazer companhia a dois grandes amigos. O destino trocou-lhes as voltas e Ana Isabel, agora com 47 anos, foi a única que entrou. Começou aí o percurso académico e profissional numa área que não seria a sua escolha natural, mas que, volvidas duas décadas, já se entranhou.

Trabalha no Hospital Distrital de Santarém há 24 anos e já passou por diversos serviços. Começou no internamento de puérperas e recém-nascidos. Passou para o internamento de grávidas e ginecologia, seguiu para as consultas e exames de ginecologia e depois para o internamento de Medicina.

Foi esta mudança para o internamento de Medicina que mais lhe custou. “É um serviço muito exigente onde se lida com todo o tipo de pacientes. Fazemos pensos, damos comida a doentes entubados, cuidamos da higiene diária. São tarefas complicadas também a nível físico, que obrigam a lidar com pesos e a ter um ritmo de trabalho contínuo, sem pausas”, justifica a enfermeira.

Nove meses depois de ter entrado nesse serviço Ana Isabel teve uma hérnia discal e foi operada à coluna no Hospital de São José, em Lisboa. Esteve seis meses de baixa entre pré-operatório e recuperação. No regresso foi colocada na consulta externa do departamento cirúrgico e hospital de dia de imuno-hemoterapia, onde está actualmente. Pontualmente também exerce funções no Hospital de Dia de Oncologia.

É nestas áreas que mais gosta de estar, onde diz haver maior contacto com os pacientes. “São doentes que ali vão com regularidade e com os quais acabamos por criar laços de amizade”, refere, lembrando-se de um caso recente de uma paciente de Almeirim que acabou por falecer, mas quis que a filha cumprisse a promessa de levar uma caixa de morangos à equipa de enfermagem.

Nos 24 anos dedicados à enfermagem, Ana Isabel já se deparou com todo o tipo de situações, algumas bem caricatas, como a de uma paciente já idosa infestada de pulgas. Quando referiu o caso à filha da paciente ela retorquiu com um “estamos a chegar a Março, é o tempo delas!”. Já ouviu também alguns palavrões e insultos, mas sublinha que vieram sempre de pessoas desorientadas, com a percepção da realidade alterada.

Ana Isabel tem uma filha de 14 anos que ainda não sabe que profissão quer seguir, mas tem a certeza da que não quer: enfermagem. “Sabe que é uma profissão desgastante e exigente em que se tem que lidar com o sofrimento humano diariamente, além dos horários complicados. Vê o exemplo da mãe e não é o que quer para si própria”, remata a mãe enfermeira.

“Há quem diga que temos corações de pedra, pela forma ‘algo desprendida’ como lidamos com os pacientes, mas não somos nada disso. Só temos que ganhar alguns anticorpos, alguma resistência, para tentarmos deixar o trabalho no trabalho e não levar preocupações extra para casa”, refere a profissional.

O secretário de Estado Adjunto e da Saúde, Francisco Ramos, declarou recentemente, na I Convenção Internacional dos Enfermeiros, que a enfermagem é uma profissão que precisa de ser reconhecida, valorizada e encarada como um pilar do sistema de saúde. Ana Isabel concorda e acrescenta que a população em geral não valoriza o trabalho do enfermeiro até enfrentar uma situação de internamento.

A enfermeira, natural de São Vicente do Paúl, Santarém, sublinha que um hospital não vive só de médicos e enfermeiros. Existe também o trabalho dos assistentes operacionais, dos administrativos, dos técnicos e de todos os outros profissionais que pode não ter tanta visibilidade, mas que é essencial. “Quanto melhor trabalharmos todos juntos melhor será o resultado para o paciente”, afirma a enfermeira a quem faltou passar pelo serviço de urgência onde, diz, “há muito a aprender”.

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