Entrevista | 18-08-2019 10:00

Patrícia Fonseca assume-se como a deputada que defende a agricultura

Patrícia Fonseca assume-se como a deputada que defende a agricultura
Patrícia Fonseca está a chegar ao final do primeiro mandato como deputada na Assembleia da República

Patrícia Fonseca deslocou-se de casa, no centro histórico de Santarém, para a entrevista a pé. Se fosse de noite provavelmente não o teria feito porque, confessa, já começa a ter medo de andar nas ruas do centro onde há pouca iluminação e pouca segurança.

Está a chegar ao final do primeiro mandato na Assembleia da República como deputada do CDS, eleita por Santarém. Apesar da descida de popularidade do partido acredita que será reeleita e está preparada para defender a agricultura ribatejana e do país ou não fosse engenheira agrónoma de profissão. Tem 47 anos e esperou que os filhos estivessem criados para se meter na política. Além de ser a única deputada do partido pelo distrito é também eleita na Assembleia Municipal de Santarém. Patrícia Fonseca considera que enquanto não for construído o IC3 a região tem o seu desenvolvimento suspenso e não compreende porque é que se pretende construir uma ponte em Tramagal, quando é mais urgente fazer uma na Chamusca.

Foi eleita deputada pela primeira vez nesta legislatura. Como se deu no Parlamento?

Costumo dizer que caí de pára-quedas no Parlamento. Todo o processo e a minha entrada na política foi uma surpresa. Faço um balanço muito positivo da minha prestação, que foi também um processo pessoal, de aprendizagem, muito enriquecedor.

O que é que a fez ir para a política?

Sempre trabalhei na área das políticas agrícolas do lado dos agricultores. A entrada na política foi uma oportunidade para tentar perceber como é que as políticas europeias e nacionais podem interferir na actividade dos agricultores. Estar do lado onde as políticas de facto se fazem e se podem influenciar foi para mim um grande desafio. Também tinha tido a experiência de trabalhar no gabinete da anterior ministra da Agricultura, Assunção Cristas.

Entrou na política pelo CDS porque foi quem a convidou primeiro?

Sempre me identifiquei com o partido apesar de não ser militante na altura. Fui candidata como independente. Sou uma pessoa de centro-direita. Na altura o secretário de Estado do Desenvolvimento Rural e das Florestas, que tinha sido meu professor e meu chefe na empresa onde comecei a minha actividade profissional, sugeriu o meu nome.

Deu-se bem a trabalhar no gabinete de Assunção Cristas?

Como ministra da Agricultura era uma pessoa que tentava sempre resolver os problemas às pessoas de uma forma positiva. Era muito dinâmica.

Aprendeu alguma coisa com ela?

Aprendi sobretudo essa vontade e esse espírito, que aliás já era muito meu, de resolver os problemas e de incentivar, de aproveitar as oportunidades. O sector agrícola tem sido um sector, ou tinha sido até ao anterior governo PSD/CDS, muito mal tratado e sempre resistiu. O ministro Jaime Silva, por exemplo, foi o pior ministro da Agricultura.

Pouco se soube do que andava a fazer em Lisboa. Foi um problema de comunicação ou não gosta de andar na berra?

Talvez tenha sido um problema de comunicação. Um deputado não pode fazer o mesmo que três. Foi por proposta minha que foi feita a primeira visita de trabalho da Comissão do Ambiente ao Tejo, em 2016. Foi um tema que acompanhei muito de perto.

Essa visita deu alguns resultados práticos?

Fruto da visita e fruto do trabalho e da pressão, o Governo actuou bem em algumas coisas. Não fez tudo, não está tudo feito, mas os louros não podem ser atribuídos ao Governo.

A quem devem ser atribuídos os louros?

A sociedade civil fez muito trabalho. O Arlindo Consolado Marques, a quem chamam e bem o guardião do Tejo, fez um trabalho excelente de monitorização e denúncia. Era obrigatória uma monitorização de 24 horas das análises de água para que servissem como prova. Como é óbvio o infractor quando sabe que vai ser fiscalizado deixa de cometer a infracção. Propusemos que, quando há um incumprimento reiterado, existissem três ou quatro recolhas de amostras em inspecções de surpresa.

Atendendo a que o CDS perdeu popularidade, acredita que vai ser reeleita?

O CDS nunca foi um partido a quem as sondagens fossem muito favoráveis. As pessoas do distrito de Santarém devem ter a ideia de que não estão a votar no António Costa ou na Assunção Cristas, estão a votar nos deputados que vão eleger.

Não será fácil combater o estado de graça do PS…

Não podemos ignorar que o país está em termos de serviços públicos pessimamente. Há uma enorme discrepância entre o interior e as zonas urbanas. A recente medida dos passes sociais financiada pelo fundo ambiental é óptima, mas mais de metade do dinheiro fica em Lisboa e no Porto, que é onde estão os votos. Será justo um cidadão da Lezíria ou do Médio Tejo pagar cinquenta ou sessenta euros de passe para fazer vinte quilómetros, quando um cidadão que vai de Setúbal para Lisboa, ou de Mafra para Lisboa, só paga quarenta euros. Não me parece que seja justo.

As tarefas domésticas roubam-lhe tempo para fazer política?

Isso é uma pergunta muito machista. Graças a Deus, tenho os meus filhos já crescidos, o mais novo tem 16 anos, depois tenho um com 19 e outro com 20. Não fui antes para a política para ter tempo para dedicar à família. Mas não há super-homens, nem super-mulheres, e a divisão de tarefas tem de existir em casa.

Os principais partidos apresentam mulheres como cabeças-de-lista pelo círculo de Santarém, à excepção da CDU. Como vê esta situação inédita?

Se o país tem metade mulheres e metade homens, porque não as mulheres ocuparem também lugares de destaque. Penso que foi uma coincidência.

A defesa dos valores e tradições

O que é que a Patrícia Fonseca pode fazer para marcar a diferença na Assembleia da República?

Orgulho-me muito de defender uma área, à qual infelizmente hoje se dá muito pouca atenção, que é a agricultura e o mundo rural. As pessoas quando vão ao supermercado esquecem-se quem são os responsáveis por terem alimentos seguros, baratos e de qualidade. Se os agricultores acabarem em Portugal temos de ir buscar produtos de outros países, com muito piores consequências ambientais e se calhar pior qualidade.

É por isso que se vai bater na próxima legislatura?

Sim, mas também pelos valores e tradições, defendendo o mundo rural, como a caça, as touradas, o folclore. Depois temos os principais problemas que assolam o nosso distrito, que têm a ver com a saúde, as questões ambientais, as alterações climáticas. Vamos defender o projecto de criação de bacias de armazenamento de água a partir do Tejo. Os indicadores levam-nos a crer que o distrito de Santarém vai ser um dos mais afectados pela falta de água. Vou também defender um estatuto fiscal para o interior e políticas de natalidade e de envelhecimento activo.

Foi Secretária-Geral da Associação de Agricultores do Ribatejo. Qual é a situação do sector na região?

Temos diferentes realidades ao nível da dimensão das propriedades e da produção. Não podemos ter as mesmas políticas para uma agricultura de subsistência e são necessárias medidas de ocupação do território. Às vezes com uma pequena ajuda as pessoas mantêm-se no território, cuidam dos seus terrenos. Os subsídios aos agricultores também devem servir para manter o território vivido e ocupado. Depois temos a agricultura competitiva, que exporta, que também quer ter apoios. Não podemos, se calhar, competir em quantidade em muita coisa, mas podemos competir em qualidade.

E os agricultores desta região estão preparados?

São agricultores empresariais, com muita qualificação profissional e com muita tecnologia. No anterior Governo PSD/CDS estava em desenvolvimento um projecto para actualizar os manuais escolares, que têm uma visão muito antiquada da agricultura. Hoje em dia a agricultura tem sondas, drones, tractores guiados por GPS. A agricultura é um mundo muito interessante e não é justo que continue a ser encarado como um sector menor da economia.

Deputada defende que os actores políticos do distrito não têm tido poder

Temos um primeiro-ministro deselegante

A líder do seu partido tem tido um discurso duro com o primeiro-ministro. Concorda com essa estratégia de ataque?

Somos um partido de oposição e a oposição não é para ser simpática com o primeiro-ministro. O CDS fez durante estes quatro anos uma oposição bastante construtiva, mas não podemos deixar passar em claro as coisas que não estão bem. Não podemos fazer de conta que o défice baixou muito, quando este Governo baixou três pontos e o anterior baixou sete pontos percentuais. O discurso não pode ser pintado de cor-de-rosa a fazer de conta que os problemas não existem.

O primeiro-ministro chegou a irritar-se aquando da discussão sobre os problemas do bairro da Jamaica, dizendo que Assunção Cristas devia estar a fazer uma pergunta por causa do seu tom de pele.

Não foi a única, essa talvez tenha sido uma bastante grave, deselegante e muito despropositada.

Temos um primeiro-ministro deselegante?

Temos, em muitas matérias e muitas vezes com falta de sentido de Estado. Já para não falar de um primeiro-ministro que quando as coisas estão a correr mal se afasta e desaparece.

Tem a mesma ideia sobre a polémica com o autarca de Mação por causa dos fogos?

Foi prepotência e nitidamente a velha máxima, que é muito verdadeira, de que quem se mete com o PS leva. É de uma injustiça tremenda aquilo que o Governo fez ao concelho de Mação. Utilizou os prejuízos que o concelho teve nos incêndios de 2017 para poder concorrer ao fundo de solidariedade da União Europeia e depois deixou-o de fora dos apoios. O município meteu, e bem, o Governo em tribunal. O PS não gosta de ser confrontado e resolveu retaliar.

Sem iluminação e sem segurança não é fácil viver no centro histórico

É fácil viver no centro histórico de Santarém?

Não é nada fácil. É muito bonito, mas é também muito penoso ver o património que nós temos, o potencial do centro histórico, a degradar-se.

Mas porque é que não é fácil viver no centro histórico?

Não é fácil pelo isolamento. Não se percebe porque é que não há iluminação, não se percebe porque é que não há uma vídeo-vigilância nas ruas, não se percebe porque é que não há uma malha mais fina da criminalidade. As pessoas não se sentem muito seguras a andar no centro histórico à noite.

Se mandasse na cidade o que é que fazia?

Tentava criar políticas que trouxessem pessoas ao centro histórico. É importante que as cidades sejam vividas e com políticas que facilitem, dentro de um quadro que seja razoável, os licenciamentos. No centro histórico não se pode sequer pintar uma parede de um prédio sem se meter um processo de licenciamento na câmara. Por que razão não há uma palete de cores, uma grelha? Há pessoas que têm poucos recursos e têm de contratar um projectista, um arquitecto, para simplesmente alindar a cara do prédio.

Porque é que o CDS não consegue eleger vereadores para a câmara? Não tem tido candidatos à altura?

Nas últimas autárquicas tínhamos um candidato com as melhores ideias, boas propostas, mas as pessoas não votaram nele. O facto de o PSD ter a maioria absoluta reduz a competitividade e a necessidade de a autarquia se reinventar. Quem sabe nas próximas eleições temos um resultado melhor.

TAUROMAQUIA É TRADIÇÃO

Tem ido às corridas de touros com a nova gestão da praça de Santarém?

Fiz questão de comprar um abono fundador, porque achei um projecto muito interessante, o de ser uma gestão de um grupo de forcados, sem fins lucrativos, por amor apenas aos touros, à praça e à sua cidade.

E a tauromaquia não está an-
tiquada?

A tauromaquia é uma tradição da cultura portuguesa, que tem sido muito atacada. Esse ataque é um risco. Nas corridas em Santarém havia dez ou quinze pessoas a manifestarem-se cá fora e a praça estava cheia. E o que os jornais deram destaque foi à manifestação e não a uma praça cheia.

O IC3 e a ponte no Tramagal que devia ser na Chamusca

O que é que já devia ter sido resolvido neste distrito há muito tempo?

É urgente fazer a ligação do IC3, que está a impedir o desenvolvimento desta região. Também temos a velha questão do desvio da linha do norte em Santarém, que parece que vai avançar. Mas confesso que só acredito quando vir a obra feita.

É assim tão difícil fazer-se o IC3 e uma ponte nova na Chamusca quando passam nesta zona milhares de camiões com lixo?

Provavelmente os actores políticos do distrito não tiveram poder. Infelizmente há coisas que se conseguem por se moverem influências. Uma semana antes da ex-presidente de Abrantes, Maria do Céu Albuquerque, ter ido para secretária de Estado do Desenvolvimento Regional foi anunciada a inclusão no Programa Nacional de Investimentos de uma ponte no seu concelho, no Tramagal.

Não concorda com a ponte no Tramagal?

Posso perder votos no Tramagal ou em Abrantes, mas defendo prioritariamente uma ponte na Chamusca, por uma questão de interesse distrital e até nacional. Até por uma questão ambiental que tem a ver com o acesso ao Eco-Parque do Relvão.

É um perigo tanto camião carregado de resíduos circular por dentro das localidades?

Não quero ser alarmista, mas é um risco em que todos devemos pensar. Porque apesar da probabilidade poder ser muito pequena, o risco associado a essa probabilidade é muito elevado.

Politécnicos devem especializar-se e complementar-se

Foi professora na Escola Agrária. É preciso uma maior ligação da escola às empresas e à região?

A escola tem um importante papel e consegue fazer essa ligação com as empresas. A Escola Superior Agrária de Santarém tem um papel essencial na formação de quadros técnicos e superiores na área das ciências agrárias.

E o Politécnico? Quando é que vai ter uma liderança forte?

Tem que se dar algum tempo. Este novo conselho directivo vem com gente das várias escolas superiores e conseguiu congregar bastante consenso. Temos a Escola Superior de Desporto de Rio Maior que tem bastante pujança e consegue captar. A Escola de Enfermagem forma bastante bem os alunos e com bastante sucesso. Se calhar falta um clique e também dar tempo a esta nova direcção de encontrar um rumo.

Mas o Politécnico perdeu alguma visibilidade nos últimos anos.

O ensino superior Politécnico deveria focar-se, em cada região, no que é importante formar para a sua região. E especializarem-se. Se os politécnicos conseguissem deixar de parte as capelinhas e conseguissem combinar entre si a estratégia do que é importante para a sua região seria melhor.

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