Entrevista | 15-10-2019 10:00

“Há quem vá às assembleias municipais só para lavar roupa suja”

“Há quem vá às assembleias municipais só para lavar roupa suja”
ENTREVISTA

Avelino Correia é presidente da União de Freguesias de Manique do Intendente, Vila Nova de São Pedro e Maçussa.

Esteve na Marinha de Guerra portuguesa durante 25 anos e fez parte da tripulação de um submarino. Agora navega nas águas da política local e por vezes sente a claustrofobia de discussões estéreis e picardias inúteis. É eleito da CDU mas abandonou o PCP por não se rever em muita coisa que os comunistas defendem. Diz que fala mais com o presidente da câmara que é do PS do que com o vereador do seu partido

Avelino Correia é o primeiro presidente de junta em exercício após a agregação, em 2013, das freguesias de Manique do Intendente, Vila Nova de São Pedro e Maçussa, no concelho de Azambuja. Foi reeleito pela CDU, com maioria absoluta. Não é de causar fortes crispações políticas mas nas assembleias municipais é uma voz activa a denunciar problemas que a câmara tarda em resolver. Está oficialmente na junta a meio tempo (ganha 274 euros), já que a união de freguesias não tem mais do que 3 mil eleitores, mas trabalha a tempo inteiro.

O autarca entende que ser presidente de junta não combina com estar sentado num gabinete. “É preciso andar na rua, falar com as pessoas e resolver-lhes os problemas”, introduz. E nos 58 quilómetros quadrados que governa garante que quase toda a gente tem o seu número de telefone. Não vê com bons olhos a união das freguesias, porque um executivo passou a fazer o trabalho que três faziam e não consegue dar resposta às suas obrigações com a celeridade que gostaria.

Por outro lado, tem sido célere a perda populacional, como comprovam os registos de 2013 a 2019 que dão nota da saída de 150 eleitores. A distância de 22 quilómetros de Manique do Intendente até à sede de concelho dificulta a fixação de pessoas numa terra que classifica como envelhecida. As colectividades encerram por falta de dirigentes e são cada vez menos os comerciantes no activo. “As pessoas voltam-se para o Cartaxo e para Rio Maior. A distância é menor e há mais transportes públicos”, refere, dando nota da mais recente conquista da câmara municipal para aquela união de freguesias: um autocarro que pela primeira vez faz um percurso directo para Azambuja.

Na acção política, o autarca privilegia o diálogo e não gosta de adeptos ferrenhos de partidos políticos. A cegueira partidária, diz, turva-lhes a visão para os reais problemas das populações. Neste campo, garante não usar palas, já que se desfiliou do Partido Comunista Português (PCP) há mais de 40 anos, porque defende ideias nas quais já não se revê, embora continue a ser de esquerda.

Avelino Correia que leva uma década de experiência autárquica - antes fez parte do executivo da extinta freguesia de Manique do Intendente - diz não ter paciência para aqueles que em assembleia municipal fazem uso da palavra para “discutir picardias políticas e lavar roupa suja”, como quem quer fazer daquele o seu palco político. “Satura-me ir a uma assembleia municipal. É o que mais me custa enquanto autarca”, atira.

Por outro lado, critica a falta de preparação de alguns autarcas do concelho, pela forma pouco interessada e muda como se apresentam nas sessões públicas da assembleia municipal. Avelino Correia diz que a alguns deles nem lhes conhece a voz, apenas um gesto: o de estender o braço para votar os pontos da ordem de trabalhos. “Votam o que o partido decide. Não têm opinião, não são conhecedores dos problemas do concelho”, critica.

Fazendo um balanço deste segundo mandato de Luís de Sousa (PS) como presidente da Câmara de Azambuja, tira-lhe o chapéu por ter investido na aquisição dos terrenos do Castro em Vila Nova de São Pedro e do Paul, em Manique, e ter reequilibrado financeiramente o município que o seu antecessor, Joaquim Ramos (PS), deixou endividado. Sobre o vereador da CDU, David Mendes, lamenta a falta de proximidade. “Um vereador e um presidente de junta da mesma área política deviam dialogar e travar uma luta conjunta. Temos tido alguma dificuldade”, admite.

Um marinheiro de submarinos que virou autarca

Avelino Correia nasceu há 60 anos em Vila Nova de São Pedro. Filho de agricultores ia para a escola, no Cartaxo, de bicicleta porque o orçamento familiar era baixo. Aos 16 anos trabalhava como electricista e com 18 ingressou na Marinha Portuguesa. Fez 25 anos de serviço embarcado em submarinos, com períodos de imersão de 15 dias. “No fundo do mar, com 60 homens e sem ver a luz do dia, não foi fácil, mas adaptei-me”, recorda.

Filiou-se no PCP, aos 16 anos, pelas injustiças que sentiu no período pré 25 de Abril e desfiliou-se quando ingressou na Marinha. Foi fundador da primeira colectividade de Vila Nova de São Pedro, a União Desportiva Recreativa Vilanovense, já extinta. E se o associativismo está em crise por aquelas bandas, pior está a esfera política: “Nas últimas eleições autárquicas o PSD já não conseguiu formar lista. Receio que não haja daqui a uns anos candidatos em quem votar”.

Património a definhar e obras inacabadas são o calcanhar de Aquiles

Está desiludido com a política?

Tem dias. Fico desiludido com as pessoas e as promessas que vão sendo adiadas de campanha em campanha eleitoral.

Prometer é o grande erro dos políticos? É o que leva as pessoas a desacreditarem-se?

Sem dúvida. Quando se promete, cumpre-se. As pessoas estão cansadas, divorciaram-se da política. Basta olhar para as taxas de abstenção cada vez mais elevadas.

A requalificação da Casa da Câmara, em Manique, é uma dessas promessas que anda na boca dos sucessivos executivos municipais?

É, e precisa de obras urgentes porque chove lá dentro. A câmara municipal quer ali fazer numa sala de interpretação de Pina Manique e outra para conferências. Mas, até ver, esta é mais uma promessa por cumprir, que em ano de eleições se coloca nos panfletos, mas depois fica esquecida e não serve para nada.

O mesmo se passa com o novo mercado diário em Manique.

Esse pior ainda. A câmara começou a obra em 2014 e ficou inacabada até hoje. Todos os anos no orçamento municipal lá vem aquela verba canalizada para o mercado, mas nunca é gasta.

Quanto ao Palácio de Pina Manique é o Estado que se tem descartado de responsabilidades. O que pensa da tábua de salvação depender do investimento de um privado?

O Estado não tem feito nada para o conservar. Se não fosse a junta de freguesia a investir algum dinheiro, se calhar já não estava de pé. Foram arranjados telhados e gastámos seis mil euros do nosso orçamento a colocar portas novas, numa tentativa de evitar o vandalismo. Se um privado investisse seria bom, mas e até lá? Vai continuar a cair aos bocados? O Estado tem de se responsabilizar pelo património que lhe pertence.

Em contra-partida o Estado, através da Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), agiu quando a junta começou a construir um telheiro para dar apoio à casa mortuária que fica no palácio...

É verdade. Bastou uma denúncia anónima para a DGPC enviar uma carta à junta a dizer que nada ali podia ser feito sem autorização, ao que lhes respondi que gostaria que dessem a mesma atenção aos ofícios que esta autarquia lhes enviou a alertar para o estado deplorável daquele edifício. De frisar que o telheiro não estava a ser construído no palácio, mas num muro adjacente.

A Câmara de Azambuja escolheu Manique do Intendente para abrir, este ano, a sua primeira creche municipal. Acha que deveria ser gratuita?

Acho que temos de ir devagar. Ser gratuita era o ideal e um incentivo para fixar pessoas nesta união de freguesias, porque ia beneficiar os orçamentos das famílias. Vamos ver como corre e se no futuro o município está em condições de avançar com essa medida.

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