Entrevista | 18-02-2020 12:30

“Vivemos num tempo de virgens ofendidas”

“Vivemos num tempo de virgens ofendidas”

O cartoonista Vasco Gargalo esteve envolvido numa polémica internacional tendo sido acusado de anti-semitismo por causa de um desenho.

Não está fácil ser cartoonista nos tempos que correm. Como se não bastasse a precariedade da profissão ainda há grupos de poder que lidam mal com a sátira e a crítica, diz Vasco Gargalo, cartoonista de Vila Franca de Xira que na passada semana esteve envolvido numa polémica internacional por causa de um desenho sobre Israel e as políticas do seu primeiro-ministro, Benjamim Netanyahu.

“Sentimos que a liberdade de expressão está ameaçada. Vivemos num tempo de virgens ofendidas. Estamos numa Era muito sensível mas onde vou continuar a fazer o meu trabalho”, conta a O MIRANTE Vasco Gargalo.

Em causa está um cartoon de 15 de Novembro de 2019, publicado na plataforma Cartoon Movement, e que na semana passada voltou a ser publicado nas redes sociais a propósito do aniversário da libertação do campo de concentração de Auschwitz, intitulado “O crematório”. No boneco, o primeiro-ministro de Israel surge com uma estrela de David no braço e empurra para um forno um caixão coberto com a bandeira da Palestina, havendo por cima a inscrição “Arbeit Mach Frei” – “O trabalho liberta”.

Desde então as redes sociais pegaram fogo: recebeu ameaças, foi injuriado, acusado de ser anti-semita, os media com quem colabora receberam pressões para que fosse despedido e o Courrier Internacional retirou-lhe o prémio Plumes Libres que lhe atribuiu em 2019 para melhor desenho de imprensa.

“A retirada do prémio é um ataque à liberdade de expressão. Não faz sentido, mas não me revolta, porque os prémios são um reconhecimento do meu trabalho mas não são o mais importante. O mais importante é lutarmos todos os dias pela liberdade de expressão e de imprensa. E isso vale mais do que qualquer prémio”, conta.

Desenhar os temas que são tabu

O cartoon fez também o embaixador de Israel em Portugal perder as estribeiras acusando Gargalo de fazer um cartoon “atascado de ódio e banalização do Holocausto” e cheio do “fedor pestilento dos cartoons anti-semitas”, escrevendo a uma revista portuguesa onde Vasco colabora pedindo a sua desvinculação. A revista manteve-se ao lado do cartoonista.

“A comunidade israelita e o embaixador lidam mal com as críticas. Mas hoje voltaria a fazer o mesmo cartoon. Não tenho nada contra judeus nem sequer os critiquei. A crítica é para com o Estado de Israel e as suas políticas”, explica. Aos 43 anos Vasco Gargalo admite que quando fez o cartoon sentiu que ia dar polémica. “Senti que estava a tocar num tema sensível. Mas se fosse hoje voltaria a fazê-lo. Há tabus na sociedade e gosto de tocar nesses tabus. Há grupos onde se pensa que não se pode tocar, seja judeus, homossexuais ou temas de racismo. Mas é isso que me estimula”, garante.

O cartoonista diz que “não há qualquer risco” de se auto-censurar no futuro e até admite que haverá novos desenhos da sua autoria que irão chocar mais pessoas, fruto da forma como a sociedade está a evoluir. “Nunca calarão a criatividade dos cartoonistas e se há coisa que defendo é a minha linha de pensamento e a minha liberdade perante um papel branco”, conclui.

Je Suis Gargalo

A polémica fez nascer uma onda de solidariedade entre os moradores do concelho de Vila Franca de Xira, que se uniram nas redes sociais com a expressão “Je Suis Gargalo”, em alusão aos atentados do francês Charlie Hebdo, em 2015. Vasco nasceu e ainda vive e trabalha em Vila Franca de Xira. Além dos cartoons já desenhou o cartaz do Colete Encarnado de 2019 e o novo rótulo para o vinho municipal Encostas de Xira.

Diz sentir-se “muito orgulhoso” das demonstrações de afecto que tem recebido e agradece. “É gratificante sentir que a terra conhece e gosta do meu trabalho”, diz. Esta não é a primeira vez que um cartoonista de Vila Franca de Xira é envolvido numa polémica por causa de um cartoon sobre Israel. Em Junho de 2019 o New York Times cancelou a publicação de cartoons na sua edição internacional depois de um desenho de António ter gerado revolta na comunidade israelita, no caso, o presidente americano a passear o primeiro-ministro israelita por uma trela.

Mais Notícias

    A carregar...
    Logo: Mirante TV
    mais vídeos
    mais fotogalerias

    Edição Semanal

    Edição nº 1657
    27-03-2024
    Capa Vale Tejo
    Edição nº 1657
    27-03-2024
    Capa Lezíria/Médio Tejo