Entrevista | 18-11-2020 12:30

É difícil ficar indiferente perante um diagnóstico de cancro

É difícil ficar indiferente perante um diagnóstico de cancro

Dedicada ao trabalho e aos pacientes, a técnica de radiologia Diana Rosa fica sempre “mais um bocadinho” no trabalho depois da hora de expediente. Os exames que faz permitem chegar a um diagnóstico que, por vezes, pode ser duro.

O primeiro passo numa doença é o diagnóstico, seguido do tratamento. Qual o papel da radiologia e imagiologia nestas duas etapas decisivas?

Diria que é um papel fundamental. A imagem permite chegar a um diagnóstico e o diagnóstico permite saber qual o problema do doente para se poder actuar. É através da imagiologia que se percebe onde está a patologia.

A radiologia é uma profissão que requer uma constante aprendizagem?

Os técnicos de diagnósticos trabalham com equipamentos muito específicos, o que requer formação constante. Quando me iniciei na profissão, os processos já eram todos digitais, não passei pelo processamento de imagens como era feito antigamente, as chamadas “chapas” de película.

Com a constante evolução desta área, como se justificam casos, como o do bebé que nasceu sem rosto?

O meio de diagnóstico utilizado em grávidas é, por norma, a ultra-sonografia, ou ecografia, que, em Portugal, não é executada pelos técnicos de radiologia, mas sim pelos médicos. É possível que o médico responsável pelo diagnóstico do bebé não tivesse formação suficiente em radiologia para conseguir identificar as imagens.

Os diagnósticos seriam mais correctos sendo feitos por especialistas em radiologia?

Apesar de a obstetrícia ter formação para utilizar os meios de diagnóstico como a ecografia, esta não deixa de ser uma especialidade dentro da radiologia e, como tal, deveria ser da responsabilidade de um médico radiologista.

Em diagnósticos de doenças como o cancro, como se separa o lado emotivo do profissional?

Com o tempo vamos aprendendo a lidar com isso. Não podemos esquecer que o nosso primeiro objectivo e a nossa responsabilidade é o diagnóstico. O doente é, para nós, o mais importante. Mas confesso que há situações que mexem connosco. Sou muito emotiva e, apesar de no meio profissional não o deixar transparecer, por vezes quando chego a casa não consigo controlar as lágrimas.

Recorda algum diagnóstico que lhe tenha custado mais a dar?

Sim. Foi o caso de uma senhora que chegou pelo próprio pé, com queixas de dores de cabeça. Aparentemente estava normal, mas quando fizemos a ressonância ao crânio detectámos um tumor gigante. A senhora já não pôde ir embora para casa, ficou logo internada. Mexeu muito comigo, primeiro porque todo o processo teve uma grande envolvência da minha parte, no sentido de ajudar e encaminhar a paciente, e segundo porque os filhos eram da minha idade e dei por mim a pensar que poderia acontecer a um dos meus familiares mais directos. Os filhos faziam-me uma visita semanal para dizer como estava a correr o processo da mãe. Ao fim de um mês vim a saber que a senhora tinha falecido. Tocou-me muito.

Será possível detectar de forma mais precoce doenças como o cancro, dentro de pouco tempo?

Sem dúvida. Os equipamentos continuam a evoluir e serão cada vez mais adequados, mais rápidos e mais fáceis de posicionar contribuindo para um aumento do conforto do doente e até do próprio técnico de radiologia.

Que riscos acarreta o trabalho com radiações?

Os técnicos, por norma, não estão sujeitos a radiação. As salas onde se utiliza radiação ionizante estão forradas a chumbo e nada passa para a sala onde o técnico comanda o raio-X. Algumas imagens, contudo, exigem um apoio para o posicionamento do paciente, seja por parte dos técnicos ou de algum familiar. Nestes casos utiliza-se um colete revestido a chumbo. Para verificar que não há qualquer falha, utilizamos um dosímetro, um dispositivo que tem como função medir a exposição à radiação. Por norma a medição é feita a cada três meses.

Já teve alguma situação em que tenha tido um contacto directo com a radiação?

Sim. Principalmente com os bebés. Nesta altura complicada, por causa da pandemia, só é permitida a entrada de um acompanhante, a mãe ou o pai, e é muito difícil posicioná-lo e conseguir uma imagem ideal e de qualidade. Então é preciso agarrar as mãos ou os pés do bebé e ficamos mais expostos. Por vezes com a pressa, porque o bebé já está a ficar irrequieto, acabamos por nos esquecer de vestir o colete de chumbo. Neste caso específico, a radiação que apanhei foi a equivalente a ter ido eu fazer um raio-X.

Alguns exames de diagnóstico mais demorados exigem o contacto do paciente com a radiação durante mais tempo. Como se elimina essa radiação?

A radiação acaba por desaparecer naturalmente com o passar dos dias. A dose dada ao doente é sempre a dose mínima necessária para termos uma boa qualidade de imagem. É certo que não somos todos iguais e esta dosagem tem que ser adequada a cada paciente, mas sempre sem que lhe seja prejudicial.

Tem havido menos procura de exames?

No início da pandemia as pessoas não vinham fazer exames porque tinham medo por causa da Covid. Neste momento nota-se uma maior afluência e já se começa a entrar na rotina.

Como se gere a responsabilidade de ter a vida de um paciente nas mãos?

É difícil. Primeiro porque a maior parte do meu dia é dedicada ao trabalho. Gosto muito do que faço e depois do expediente ainda fico mais um bocadinho. Há doentes com um diagnóstico simples, mas há outros muito complicados. Quando há falta de mobilidade, ou limitações físicas, por exemplo, é difícil posicionar o doente. Isso requer de nós muito esforço para conseguirmos o melhor resultado. Sou uma pessoa muito dedicado aos outros e tenho um coração de manteiga. Tento não levar o trabalho para casa, mas há pacientes que não me saem do pensamento durante o jantar e durante a noite, na almofada.

Há poucas vagas para radiologistas

Diana Rosa, 31 anos, é formada em Radiologia pela Escola Superior de Saúde Egas Moniz. Natural de Almeirim, trabalha em Santarém como técnica de radiologia, uma área para a qual, diz, os concursos são escassos. Após a conclusão do estágio trabalhou em algumas clínicas em Lisboa, muitas vezes em estágios voluntários. Depois ingressou no Hospital de Abrantes e mais tarde surgiu a oportunidade em Santarém, onde está há seis anos.

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