Entrevista | 01-12-2020 15:00

Falta de saneamento básico faz de Ourém território de terceiro mundo

Falta de saneamento básico faz de Ourém território de terceiro mundo
ENTREVISTA COMPLETA

Estela Ribeiro diz que Fátima é um embuste, defende que crianças só devem ser retiradas aos pais em último recurso e afirma que PS em Ourém precisa de renovação.

Estela Ribeiro, 54 anos, é assistente social e vereadora do PS em Ourém. Nesta entrevista considera que o maior problema do concelho é social, de investimento e de falta de saneamento básico, que diz ser inacreditável nos dias de hoje. Uma história de vida em que assume que o amor da sua vida foi o seu primeiro namorado, de quem se separou mas que continua a amar.

Desde o início da pandemia os pedidos de ajuda cresceram?

O nosso concelho tem sido dramático em termos de pobreza, sobretudo em Fátima. Havia muita gente a trabalhar no turismo. Conheço centenas de pessoas a pedirem emprego todos os dias. No entanto, é uma situação ambígua porque tenho dificuldades em arranjar pessoas para trabalharem em lares. Há uma ideia que trabalhar em lares é duro mas não a vejo dessa forma. É certo que têm que fazer turnos mas não têm que segurar os idosos ao colo.

Há pessoas a pedir dinheiro e comida?

Conheço congregações em Fátima que estão a suportar muitas famílias. Ajudam a pagar contas da água e luz, por exemplo. As instituições onde trabalho estão a distribuir comida a pessoas carenciadas.

São famílias que antes da pandemia tinham uma vida estável?

Sim. Por exemplo, uma pessoa que tinha um ordenado de mil euros e fica desempregada passa a receber 600 euros do subsídio de desemprego. São menos 400 euros que fazem falta. Ficam com a vida desestruturada e o dinheiro não chega para tudo.

Existem casos de pobreza envergonhada?

Algumas pessoas têm vergonha em pedir ajuda. São meios pequenos, onde todos se conhecem e há quem não goste de demonstrar que está numa situação aflitiva, quando antes da pandemia tinham uma vida estável.

Que outro tipos de problemas surgiram com a pandemia?

Temos muitos pedidos para integrar idosos em lar e não há camas suficientes. Está tudo lotado. Até os lares privados estão cheios. Muita gente desenvolveu transtornos psicológicos. Tenho contacto com psiquiatras e neurologistas que me dizem que o aumento de doenças mentais está a ser dramático. São sobretudo depressões, angústias, ansiedades e com a pandemia aumentou o medo.

“PS em Ourém precisa de renovação”

O que a levou a aceitar o convite para integrar a lista do PS em 2017?

A minha vida tinha dado uma volta nessa altura e aceitei. Há sempre algo a aprender e sou uma mulher que gosta de desafios. Quando aceitei o convite nunca me passou pela cabeça vir a ser vereadora.

Que balanço faz deste primeiro ano enquanto vereadora da oposição?

Não é fácil. O que me vale são os meus camaradas.

É uma experiência para continuar?

Foi um desafio. Mas outros valores se levantam na minha vida profissional e tenho que abdicar deste.

O PS ainda poderia governar a Câmara de Ourém?

O meu lema é que nada é impossível. No entanto, o PS em Ourém está apagado. Precisa de renovação porque as eleições estão à porta.

Odeia alguém na política?

Não sou de ódios nem de rancores. Quando alguém me magoa, o meu primeiro objectivo é perdoar. O ódio traz doenças e mal-estar.

Quais seriam as suas prioridades se fosse presidente da câmara?

Os carenciados seriam a minha prioridade. Dar apoio aos idosos, aos deficientes. Muitas vezes os políticos não dão prioridade à área social porque não lhes dá votos.

O que falta no concelho de Ourém?

O saneamento básico. Um concelho sem saneamento pode ser considerado hoje de terceiro mundo. Também é importante desenvolver a cultura. Os empresários estão a fugir do concelho. Fátima está moribunda em termos empresariais devido à pandemia.

Fátima é uma questão de fé ou é um embuste?

Para quem vive e trabalha em Fátima é um embuste. A maior parte das pessoas que lá trabalham ganham dinheiro com Fátima mas não acreditam nem querem saber do lado espiritual. Como sou uma mulher de fé, acredito que os três pastorinhos viram Nossa Senhora.

“Despedi-me do meu pai ao telefone porque achei que ia morrer”

13 de Outubro de 2016 é uma data que continua bem viva na sua memória. Nessa manhã acendeu uma vela no seu quarto, fez as suas orações e preparou o trabalho para esse dia. Lembra-se de ter apagado a vela e tê-la colocado no chão. Entretanto, foi estender roupa no quintal e quando regressou a casa já estava a arder. O seu primeiro instinto foi buscar edredons e mantas dos outros quartos para apagar o fogo mas as chamas já eram grandes. Foi ao carro buscar um extintor que despejou na divisão em chamas.

Sozinha em casa, tentou chamar os bombeiros mas o telefone fixo não funcionava e os telemóveis estavam no quarto a carregar. Queimou o braço direito, onde ainda hoje tem marcas. “Como inalei muito fumo desenvolvi uma bronquite asmática crónica. Telefonei ao meu marido, na altura, a dizer-lhe o que estava a acontecer. Telefonei também ao meu pai e despedi-me. Achei mesmo que ia morrer naquele incêndio”, confessa com a voz embargada. A vivenda ficou destruída mas já foi recuperada. Pouco depois separou-se e mudou-se para um apartamento. Como mulher de fé e crente em Deus, acredita que foi protegida.

O marido toxicodependente fez dela assistente social

Estela Ribeiro nasceu em Vermoil (distrito de Leiria) onde o seu pai era chefe dos correios. Com cerca de quatro meses foi viver para Caxarias, concelho de Ourém, onde cresceu com os pais e uma irmã e um irmão mais novos. Teve uma infância feliz e privilegiada. Estudou em colégios de freiras e gostou da experiência. Tinha 15 anos quando teve as primeiras férias sozinha com a irmã.

Frequentou o 12º ano mas quando no final do primeiro período teve três negativas informou os pais que ia trabalhar para a Alemanha, onde tomou conta de uma criança e fez limpezas. Um ano depois regressou a Portugal para voltar a viajar para Paris. Antes da aventura na Alemanha estudou à noite em Tomar, onde conheceu um jovem toxicodependente. Reencontrou-o no regresso definitivo a Portugal, enamoraram-se e casaram pela igreja. Foi por sua causa que Estela Ribeiro decidiu tirar o curso de Serviço Social. Separaram-se ao fim de seis anos mas confessa sentir orgulho por ele se ter conseguido reabilitar e hoje ser uma pessoa inserida na sociedade.

Quando concluiu o curso foi trabalhar para uma instituição em Caxarias, onde esteve 16 anos. Ficou traumatizada com a experiência por perceber que santos da casa não fazem milagres. “Não foi uma boa experiência. Como toda a gente me conhecia nem todos entendiam as minhas atitudes e a minha forma de trabalhar. Foi um erro ter trabalhado na terra onde cresci”.

Teve uma segunda relação que durou 16 anos. Nunca teve filhos por opção. Desde criança sempre disse não querer ter filhos. Separada há quatro anos, confessa que o amor da sua vida foi o seu primeiro namorado, que conheceu quando estudava num colégio. Já namoraram algumas vezes e a autarca admite não saber o que o futuro lhe reserva. “O amor da nossa vida é aquela pessoa que nos faz tremer a perna e existe uma química a que não conseguimos resistir. Nem sempre o amor da nossa vida é o companheiro da nossa vida. Vivi com um príncipe encantado, o meu segundo companheiro, mas não foi o amor da minha vida”, admite.

“Crianças só devem ser retiradas aos pais em último recurso”

As crianças só devem ser retiradas aos pais numa situação de último recurso quando as condições prejudicam o menor e as instituições têm que ser o seguimento de uma família, preparando-as para a vida em sociedade. Estela Ribeiro trabalhou três anos na Fundação Nossa Senhora da Purificação, em Fátima, onde lidava com menores institucionalizados depois de retirados aos pais. Considera que o principal problema é o de as famílias estarem cada vez mais desestruturadas. “Há pais que muitas vezes deixam os filhos sozinhos em casa, não cuidam deles e não os alimentam. São situações que acontecem cada vez mais”, critica.

Estela Ribeiro trabalha em duas instituições do concelho de Ourém. Numa delas acompanha uma família de refugiados iraquiana e uma família síria. Ajuda-os a integrarem-se, trata-lhes das burocracias e ajuda-os a aprenderem a língua portuguesa. O projecto para acompanhar a família síria terminou mas a relação ficou tão próxima que continua a ajudá-los de forma voluntária.

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