Entrevista | 22-02-2021 15:00

Luís Silva: sou um homem do Ribatejo nascido no Pafarrão

Luís Silva: sou um homem do Ribatejo nascido no Pafarrão
ENTREVISTA COMPLETA
Luís Silva

Luís Silva é rosto do Partido Socialista em Torres Novas e vice-presidente da câmara municipal com o pelouro do urbanismo. Nas últimas três décadas foi várias vezes presidente da concelhia do PS, cargo que ocupa neste momento.

O senhor também teve que fazer o percurso dos jotinhas para chegar a líder partidário e, agora, a todo poderoso vice-presidente da Câmara de Torres Novas?

Morei cinco anos em Benavente e filiei-me lá, em 1985, no Partido Socialista. Quando vim para Torres Novas já era filiado no PS. Era militante de base. Quando regressei a Torres Novas vim refundar a JS. Sou do tempo do Paulo Fonseca e do Luís Ferreira, que tiveram igualmente grande importância no PS distrital.

Curioso: são duas figuras que saíram de cena aparentemente por terem sido incapazes de conciliarem actividade política com vida pessoal.

Bom, no caso do Luís Ferreira foram razões mais da vida particular do que propriamente da vida política. Com o Paulo Fonseca também, mas teve mais a ver com a sua actividade empresarial do que familiar.

Não tem medo que lhe aconteça o mesmo, apanharem-no a misturar política com interesses pessoais?

Dizer que tenho medo é exagero. Claro que ao tomarmos decisões todos os dias estamos sujeitos a certos escrutínios mas a vida é mesmo assim, não há volta a dar.

Depois de 30 anos a militar politicamente já sabe de cor e salteado as diferenças entre interesses pessoais e interesses públicos?

Nem em casa falo de assuntos da minha vida política, embora a minha esposa também seja militante do partido. O lugar que ocupo não me foi dado, foi conquistado em eleições. Por isso gosto de dizer que sou socialista desde sempre. Não posso dizer que esteja livre de me acusarem de me aproveitar do cargo e do cartão de militante. Faz parte da guerra política esse tipo de acusações.

Já lhe aconteceu ser acusado publicamente de ter dado boleia à sua esposa numa viagem aos EUA com o rancho os Camponeses de Riachos.

Exactamente. E paguei o bilhete dela do meu bolso, sem desconto, acima do preço que pagaram os autarcas e os elementos do rancho. Nem sequer fui atrás da vantagem de poder comprar o bilhete dela a preço de grupo.

O seu primeiro lugar de autarca no concelho de Torres Novas foi na assembleia municipal?

Sim, sou um dos militantes que está na frente de combate desde o início. No primeiro ano fiz logo parte da mesa como segundo secretário. Depois de Odete Rodrigues e Manuel Piranga como presidentes, acabei a assumir a candidatura embora, antes disso, ainda tivesse feito o lugar em regime de substituição.

A sua escola política é a de militante do PS ou a de sindicalista quando era professor?

Fui delegado sindical mas nunca tive uma grande actividade. E também nunca tive problemas em estar nas manifestações contra o governo do PS na defesa dos professores, onde, aliás, cheguei a desfilar ao lado da esposa de António Costa, o nosso primeiro-ministro.

Faz 55 anos daqui a dois dias. Vai comemorar com os colaboradores do departamento?

Não posso (risos)... Mas vou jantar com a família. Disso não prescindo. Gosto e prezo muito as festas de família.

Convidou Pedro Ferreira?

Não. Temos o prazer e o privilégio de, ao final do dia, bebermos uma imperial e conversarmos. Agora nem isso, por causa da pandemia, mas não deixamos de manter a conversa em dia.

A sua relação com Pedro Ferreira foi sempre boa, mesmo no tempo em que ele era vereador?

Sim, sempre tivemos uma excelente relação pessoal.

Foi com ele que se tornou mais forte como líder concelhio?

Nos últimos 30 anos fui presidente da concelhia do PS cerca de 20 anos. A seguir à vitória do António Rodrigues estive quase sempre a liderar o PS. Não estou aqui por acaso ou por qualquer golpe de sorte. Estou a dar continuidade a um projecto do PS. Com Pedro Ferreira, o PS de Torres Novas passou de quatro para cinco vereadores. E nas juntas de freguesia ganhámos quase todas. Tudo numa altura em que se anunciavam grandes desgraças para o partido e para os seus candidatos.

Esclareça lá a situação do António Rodrigues: ele ainda é filiado no PS?

Sim, ainda é militante do Partido Socialista.

Com as quotas em dia?

Isso só indo ver ( risos). O que vos posso dizer é que ele anunciou publicamente a sua saída do PS, e escreveu artigos nos jornais a dizer que ia sair do PS, mas efectivamente não chegou a sair.

É mentira que tenha escrito a pedir a demissão?

É uma grande mentira.

Parece um homem pouco simpático e até carrancudo; quem olha para si vê que não é um relações públicas, um homem de gerar empatia. Como é que explica esta sua carreira política e a popularidade que aparentemente ganhou junto do eleitorado?

Juro que me esforço para ser simpático mas não sei se me esforço o suficiente (risos). As pessoas sabem da minha disponibilidade para trabalhar, ajudar e colaborar. Posso garantir que quem trabalha comigo conhece um lado afável que provavelmente não transmito para o público.

Nunca lhe fizeram essa observação em campanha eleitoral?

Não. Já ando nesta vida há muito tempo e conheço muita gente que me trata de forma afável. Muitos deles tratam-me pelo nome e só me conhecem de um ou outro contacto mais esporádico.

Nunca teve dificuldades de relacionamento por ser uma pessoa pouco simpática e faladora?

Não. Mas não posso avaliar-me, nem devo (risos).

A sua esposa nunca lhe disse que tinha cara de embirrante?

Também não. Não quer dizer que lá em casa não haja dias para tudo (risos).

“Redução da dívida foi uma das maiores revoluções que fizemos”

O que destaca do vosso trabalho na autarquia nos últimos sete anos?

Em primeiro lugar, o equilíbrio financeiro do município. Tivemos de facto uma redução acentuadíssima da dívida. Quando dizia a alguns empresários de Torres Novas que podiam trabalhar com a autarquia, que nós pagávamos a tempo e horas, era um problema. Para mim esta foi uma das maiores revoluções que fizemos durante os nossos mandatos.

Foi chegar e revolucionar?

Sim, foi logo de início. Na altura havia empresas que se recusavam a trabalhar com a Câmara de Torres Novas. Recusavam-se a vender-nos produto. Estamos a falar de tempos muitos difíceis. Pouco a pouco fomos resolvendo o problema. Depois tivemos de avançar rapidamente para as obras públicas, porque as pessoas começaram a perguntar: “então e a obra?”. E deitámos mãos a alguns projectos como foi o caso da reabilitação da Escola Manuel Figueiredo, a conclusão da obra do Convento do Carmo, entre outras, nomeadamente pormos ao serviço dos torrejanos o parque de estacionamento subterrâneo que só funcionava à terça-feira dia de mercado.

Um grande negócio para a construtora?

Tivemos de negociar. E tivemos de pagar. As coisas são mesmo assim. De outra forma não resolvíamos o problema.

Fizeram a reversão do contrato?

Sim. Aquilo também não era bom para eles. Por isso o negócio estava facilitado.

Neste segundo mandato já há mais obra para apresentar?

Avançamos com candidaturas para tudo aquilo que era viável, nomeadamente ao nível da reabilitação: o Almonda Parque, a Central do Caldeirão, o prédio do Alvarenga. Em parceria com o Ministério da Educação fizemos obras de reabilitação profunda na Escola de Santa Maria e depois na Maria Lamas. Há outras obras mais pequenas mas igualmente importantes, como é o caso do Largo Humberto Delgado e as candidaturas para reabilitar habitação social, termos mais eficiência energética em termos de iluminação pública, nas piscinas, etc, etc... No centro histórico também já fizemos algum trabalho mas reconhecemos que ainda falta muita coisa.

Aqui parece que falta tudo?

A reabilitação urbana está a mexer. Só que há tanta coisa a cair, o centro histórico está em tão mau estado que é difícil ver obra feita. Para já acabámos com as taxas de obras.

O problema não são as licenças para as obras?

É verdade que os processos são morosos e dão grandes dores de cabeça. Mas estamos a fazer tudo para agilizar os processos.

Disse que há muitas candidaturas nesta altura para recuperação de edifícios?

Sim, há muitos projectos.

Estão parados aqui ou em Lisboa?

Não estão parados; não andam é à velocidade desejável. E agora com a pandemia pior ainda.

Como responsável pelo urbanismo, não acha que podia fazer melhor do que desculpar-se com a pandemia?

Posso garantir que estamos a tomar medidas que vão produzir efeitos a curto prazo. Também porque a situação é preocupante. Os munícipes que querem investir têm que encontrar respostas céleres e isso não está a acontecer, embora se note que há gente a mexer, há pessoas a quererem investir, há muitos processos em andamento. Dou-vos um exemplo: criámos um serviço chamado espaço empresas que vai ajudar num atendimento mais rápido e personalizado. Os projectos vão ser analisados de forma diferente se for para reabilitar ou apenas para mexerem numa janela ou numa porta. É verdade que criámos expectativas e que falhámos. Agora queremos recuperar o tempo perdido. E vamos conseguir.

A Câmara de Torres Novas criou um espaço para instalação de startups aparentemente à margem da Nersant, que parece o parceiro ideal para este tipo de projectos.

Vamos lá a ver como é que eu explico isto sem causar mal entendidos. A Nersant sempre fez parte do grupo de mentores e pessoas influenciadoras da startup. O que nós procurámos foi alguma autonomia, que parece não ter sido bem compreendida pois a Nersant acabou por nunca colaborar muito com as starups de Torres Novas. Acho que é um parceiro fundamental e sempre o achei e defendi.

É verdade que há uma negociação entre a Câmara de Torres Novas e a Nersant para a criação de um espaço empresas no antigo espaço de feiras da Nersant que passou à história desde que a associação mudou a feira para Santarém?

Há uma ideia e um projecto para aquele espaço que está desaproveitado. A ideia é criar ali oficinas e espaços onde se possam instalar novas empresas. De facto esse assunto está em andamento mas é preciso não esquecer que tudo depende de financiamentos. Não falo mais disso porque é o presidente que está a liderar esse assunto. Não participei na última reunião entre as partes.

O facto de António Rodrigues ser agora um dos vice- presidentes executivos da Nersant não vai matar esse projecto?

Da parte da câmara tenho a certeza que há disponibilidade total para ir em frente. Agora não nos perguntem o que é que os directores podem fazer pela associação, porque eu sei de mim e da minha função na autarquia.

Como é que está a revisão do PDM. Se bem nos lembramos está para revisão desde 2003.

Ficará pronta até final deste ano. É assim que está previsto. Antes que me perguntem, devo dizer que andei a mentir a algumas pessoas que durante anos me fizeram a mesma pergunta. Quando agarrei este pelouro é que percebi o que faltava fazer. Tive que estudar muito, tive que conseguir tempo para aprender a gerir este trabalho. Agora posso dizer que sei do que falo; mas durante muito tempo andei a enganar as pessoas porque realmente também não sabia bem do que falava. As pessoas pensaram que eu vinha para este lugar e que podia resolver os problemas em dois tempos mas as coisas não são assim. Mas nunca virei as costas a ninguém e sempre atendi toda a gente com a mesma cara.

“O António Rodrigues teve o seu tempo”

O facto de ter Pedro Ferreira como seu presidente também lhe dá algum conforto. Pedro Ferreira é um homem do povo, um político sério, que não se mete em negócios, diria que é daqueles políticos incorruptíveis.

Concordo. É um conforto uma pessoa candidatar-se numa lista liderada pelo Pedro Ferreira. Pela sua liderança política mas também pela forma como se relaciona com toda a gente. É de facto uma pessoa excepcional.

Ao ponto de António Rodrigues o diminuir publicamente e ele não lhe responder à letra.

Vou ser sincero, curto e grosso na resposta: quando estamos a responder a provocações estamos a dar confiança a quem provoca. Em Torres Novas todos se conhecem. Sabem bem quem é o Pedro Ferreira e quem é o António Rodrigues. E com isto não estou a retirar mérito seja a quem for. O António Rodrigues teve o seu tempo; agora só falta perceber que tem que dar o lugar a outros.

Não o preocupa tê-lo como adversário político, agora que ele criou um movimento?

Os nossos adversários preocupam-nos sempre. As eleições ganham-se e perdem-se por um voto. Por isso todos os adversários têm de ser respeitados. O que lhe posso garantir é que não vejo ninguém a ameaçar a liderança do PS e do Pedro Ferreira à frente do município de Torres Novas.

O facto de também ter trabalhado com Rodrigues deve ter sido uma boa razão para ele o pressionar?

Já não (risos). Um dia acabou naturalmente.

Almonda já não é um esgoto mas ainda há problemas por resolver

Como é que vê a nascente do rio Almonda vedada por uma empresa privada?

Defendo a Renova. É uma empresa ex-libris de Torres Novas. Quando ouvi uma vereadora dizer que a Renova era o maior sugador do concelho percebi que não tinha nada a ver com o Bloco de Esquerda, embora tenha alguma simpatia pelas suas políticas culturais, por exemplo. Naquela vedação há um aspecto de segurança que é preciso não esquecer. Como cidadão, como torrejano, gostava que aquilo fosse espaço de usufruto da população. Obviamente que gostava, não tenho dúvidas disso, aliás acho que ninguém diz ou pensa o contrário em Torres Novas.

O rio Almonda já não é um esgoto a passar por dentro da cidade. Isso é obra de quem?

É de todos. Começou no tempo do Casimiro Pereira mas é obra de muita gente. Nos últimos anos fizemos intervenções muito importantes ao nível da construção de ETARES. Mas ainda há problemas por resolver. Não estamos totalmente livres da poluição.

Tem consciência de que as autarquias vão ter que assumir um papel muito mais activo nos cuidados de saúde das populações?

O município de Torres Novas está neste momento a fazer obras de reabilitação da unidade de saúde familiar do Centro de Saúde de Torres Novas, uma obra de cerca de 400 mil euros. Temos ainda em andamento um projecto para um novo centro de saúde junto ao hospital, ou seja, na parte da cidade onde nesta altura há mais desenvolvimento e expansão.

Como vê o papel dos dirigentes associativos no desenvolvimento do concelho?

São imprescindíveis. Aqui e em todo o mundo. Hoje os dirigentes associativos correm muito mais riscos do que antigamente. Por isso o seu papel está muito mais valorizado. Com a pandemia, e sem a realização de iniciativas onde podiam angariar fundos, vamos ter que nos chegar à frente para os ajudarmos.

Antes de virmos para esta conversa lemos um texto de 2007, do presidente da câmara da altura, a falar numa constelação de cidades. Isto diz-lhe alguma coisa?

Conheço vários planos desse género mas é preciso gente boa para o levar em frente. Concordo que sem a união destas cidades do Ribatejo mais próximas de Torres Novas não temos futuro. Sim, digo Ribatejo porque eu sou ribatejano e sempre defendi o Ribatejo como entidade. Acho que o Ribatejo une muito mais que qualquer outra entidade.

O que se passa com a Geriparque?

A Geriparque tem um conjunto de problemas que estamos a tentar resolver. É mais uma das situações que herdámos e que queremos resolver rapidamente. Aquele projecto nunca foi concluído. As infraestruturas nunca foram feitas. Temos lá uma empresa muito importante, que cria muitos postos de trabalho e queremos resolver o problema com celeridade. Veremos se nos entendemos com os maiores accionistas. Acredito que sim. E podemos promover ali a instalação de mais empresas. Precisamos é de resolver aquele imbróglio porque a gestão da Geriparque é feita como há duas dezenas de anos.

O processo da Fabrióleo é um espinho na garganta. A justiça é lenta e a briga ainda vai demorar muitos anos.

Sobre as decisões dos tribunais não nos pronunciamos. A verdade é que eles ainda não fecharam a fábrica. Temos informação de que há dois tanques cheios que causam preocupação. Mas certamente que as autoridades saberão vigiar as instalações e garantir a saúde pública.

Como é que o tratam nos serviços? Senhor doutor, senhor professor ou apenas pelo nome?

A maior parte trata-me por senhor Luís, que é o meu nome (risos), mas confesso que não gosto muito de protocolos nem incentivo a que me tratem por títulos. Acho que agora sou mais tratado por vice.

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