Entrevista | 12-05-2021 15:00

“Sinto-me um prisioneiro sem nunca ter cometido um crime”

“Sinto-me um prisioneiro sem nunca ter cometido um crime”
SOCIEDADE
Vítor Ferreira, natural do Tramagal, sofre de paralisia cerebral e de um problema motor que o impede de andar; luta, há cinco anos, por uma nova oportunidade de trabalho

Vítor Ferreira, 35 anos, aguarda há cinco por uma nova oportunidade de trabalho. Natural do Tramagal, sofre de paralisia cerebral desde que nasceu, não consegue andar sozinho, mas a doença nunca o impediu de ser um aluno acima da média e um trabalhador exemplar.

Faz parte da direcção do Tramagal Sport União, tem um jornal desportivo digital e há cinco anos, quando deixou o último emprego, fundou uma rádio online para continuar ligado ao mundo exterior. Uma entrevista de O MIRANTE com um homem que afirma não querer viver de subsídios e que já bateu a todas as portas para pedir ajuda, mas, do outro lado, ouve sempre “um silêncio ensurdecedor”.

A porta número 147 da Rua do Bairro dos Passarinhos, no Tramagal, concelho de Abrantes, abre-se e, à frente do repórter de O MIRANTE, aparece Vítor Ferreira que, embora meça menos de um metro e meio de altura, é enorme na forma como encara as dificuldades com que lida desde que nasceu há 35 anos.

Ainda recém-nascido, foi-lhe diagnosticada paralisia cerebral e um problema motor que lhe afecta as pernas e o equilíbrio. A cadeira de rodas é uma das suas fiéis companheiras, mas a vontade de se superar fazem-no abdicar dela sempre que conhece os cantos à casa. “Não me leve a mal, mas eu demoro um bocadinho mais a acompanhá-lo ao local da nossa conversa”, justifica-se.

A casa da família Silva, onde reside, está forrada a fotografias, quase todas com expressões de felicidade no rosto. Além de Vítor, o irmão mais novo, Pedro, e os padrinhos, Vítor e Elvira Silva, compõem o cenário da entrevista. Vítor tem mãe biológica, nunca teve pai e decidiu, há 22 anos, viver com os padrinhos por razões que não quis aprofundar na conversa. “Os meus padrinhos são dois anjos da guarda que apareceram para nos ajudar; o que sou enquanto ser humano devo-lhes a eles porque nunca me faltou amor nesta casa”, afirma com emoção.

Nos últimos cinco anos Vítor vive entre quatro paredes à espera que a sua luta por uma oportunidade de voltar a trabalhar tenha consequências. “Quero deixar de me sentir um parasita e voltar a sentir-me útil. Enquanto tiver voz, vou continuar a fazer-me ouvir, por mim e por todos os outros que vivem um drama idêntico ao meu”, garante.

O problema é que do outro lado a resposta é sempre a mesma: um silêncio ensurdecedor. “Já bati à porta de centenas de associações, empresas, grupos parlamentares, ministérios, do Presidente da República, e do município de Abrantes, mas sou sempre ignorado. Sinto-me um prisioneiro sem nunca ter cometido um crime,” sublinha.

“NÃO QUERO VIVER DE SUBSÍDIOS”

Vítor Ferreira sempre foi um aluno muito participativo e com um aproveitamento acima da média nos estabelecimentos de ensino por onde passou, em Abrantes e Tramagal. Curiosamente, o actual presidente da Câmara de Abrantes, Manuel Valamatos, foi seu professor no ensino primário. Ao longo do seu percurso sofreu bullying, mas perdoou sempre quem tinha essas atitudes. “Não gostava, mas aceitei sempre bem quando faziam troça de mim; é um problema de fundo nos territórios mais pequenos onde as mentalidades são pouco desenvolvidas. Ao longo dos anos fui ganhando mais confiança, segurança e cresci como homem”, salienta.

Depois de concluir o secundário, Vítor deu as boas-vindas ao mercado de trabalho. Esteve dois anos a realizar um estágio remunerado pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) na Associação de Dadores de Sangue do Tramagal. Assim que terminou esse estágio, conseguiu outro, também de dois anos, no Centro de Integração e Recuperação de Abrantes (CRIA). As suas funções eram sempre as mesmas: atendimento telefónico e ao público, e todo o tipo de trabalho administrativo. “Ponho sempre o máximo em tudo o que faço. Sempre gostei de trabalhar e de aprender. Essa é a parte que mais custa neste processo; depois de tanto tempo já não sei o que sou capaz de fazer”, refere.

A última experiência profissional de Vítor acabou em 2016, na ARTRAM (Associação de Reformados do Tramagal). Desde aí que vive com uma pensão de cerca de 300 euros mensais e divide o seu tempo entre a direcção do Tramagal Sport União, um jornal digital de desporto (jornalsodesporto.com) que fundou há 15 anos, e, mais recentemente, aventurou-se numa rádio online (Verdadeira Amizade) para não perder a ligação com o mundo exterior. “Não bebo, não fumo e infelizmente não posso ter outros vícios porque estou amarrado a esta vida, mas continuo a apostar no meu desenvolvimento intelectual”, reforça.

A conversa do repórter de O MIRANTE com Vítor Ferreira termina com uma afirmação que merecem ser traduzida na integra: “Não quero continuar a viver de subsídios e espero que os meus padrinhos vivam muitos anos, porque o meu maior receio é ser enviado para um lar de idosos aos 50 anos. Era a minha morte”.

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