Entrevista | 28-09-2022 12:00

“A situação financeira do CRIA não é boa”

O presidente do CRIA de Abrantes, Vítor Moura, com a equipa de funcionários da Instituição Particular de Solidariedade Social

Vítor Moura tomou posse como presidente do Centro de Recuperação e Integração de Abrantes (CRIA) em Novembro de 2021 e descreve a O MIRANTE o momento que a instituição vive após a gestão atribulada de Nelson Carvalho. O também vereador do PSD na Câmara de Abrantes fala das dificuldades com que se deparou à chegada, em especial na parte financeira, mas não desiste de ser optimista quanto ao futuro e diz ser imperioso aumentar a resposta em lar para cidadãos deficientes.

Em que situação encontrou o CRIA quando assumiu a sua presidência? A situação pode ser vista de duas formas. Uma delas é que os nossos meninos, como chamamos aos nossos utentes, estavam a ser bem tratados. No entanto, o CRIA tem problemas de vária natureza. O mais visível, que acaba muitas vezes por influenciar o restante, é a questão financeira. A situação financeira do CRIA não é boa. Já foi pior, mas quando aqui chegámos tínhamos uma dívida à banca no valor de 660 mil euros.
Como avalia o trabalho do seu antecessor, Nelson de Carvalho? Não viemos auditar a actuação dos nossos antecessores, não vou defendê-lo nem vou atacá-lo. Não encontrei nada feito por Nelson de Carvalho que me levasse a fazer qualquer juízo de valor menos positivo. No entanto, na história do CRIA sempre houve alguma perturbação na relação entre alguns membros da direcção e os seus funcionários, mas não quero ir por aí. Nelson de Carvalho fez o que pôde e os seus antecessores também. É verdade que encontrámos aqui uma instalação de produção de energia fotovoltaica que não é nossa propriedade. Passados 15 anos será nossa, não sei porque é que esse prazo aumentou quatro anos, ou seja, será nossa só daqui a 19, quando o tempo útil previsto dessa instalação é de 25, mas não tenho nada a dizer sobre isso. Sinceramente, a nossa produção está muito centrada naquilo que é preciso fazer e no futuro do CRIA. É essa a pedra de toque da nossa actuação. O resto são aquelas conversas de bastidores que não trazem nada de bom à instituição. Não quero alimentar esse tipo de questões.
Como tem corrido a parceria com a Câmara de Mação? Tem sido óptima. Durante muitos anos o concelho de Mação tinha um número de residentes a frequentar o CRIA e julgou-se que se justificaria a criação do pólo de Mação. Esse processo antecede-me, mas o que sabemos é que foi uma parceria perfeita entre a Segurança Social, o CRIA e a Câmara de Mação. Tem instalações de excelência que resultam da recuperação do antigo quartel de bombeiros com vaga para 39 utentes, que são divididos pelo CACI (Centro de Actividades e Capacitação para a Inclusão) e pelo lar residencial. Em Mação temos também um acordo com a Misericórdia que nos fornece as refeições principais. Também prestamos, com o nosso pessoal, terapia ocupacional aos necessitados da Santa Casa, que nos retribui com o trabalho de uma fisioterapeuta.
Qual a  verdadeira dimensão, hoje, da colaboração voluntária dos cidadãos abrantinos na vida do CRIA?  Esse é um dos problemas graves do CRIA. A pandemia ainda vai servindo para justificar muita coisa, mas a verdade é que impediu que aqui entrassem outras pessoas que não fossem funcionários ou dirigentes. Houve momentos em que até a vinda dos próprios familiares dos utentes esteve altamente condicionada. Supondo que a pandemia estará ultrapassada precisamos de fazer uma campanha muito séria de associados para o CRIA. Não tanto pela questão financeira, porque não é um euro mensal por pessoa que a resolve, mas sim pela possibilidade de, a cada quatro anos, haver um leque de pessoas idóneas e com capacidades para resolver a gestão de uma instituição que tem um orçamento anual de dois milhões e meio de euros.
A comunidade deve estar mais envolvida na instituição? Quanto ao envolvimento do CRIA com a sociedade há muito por fazer. O CRIA tem de se abrir e de se mostrar muito mais ao exterior. Todas as colectividades de Abrantes e dos concelhos vizinhos são importantes mas, desculpem-me, o CRIA é ímpar. Só aqueles que são pais ou mães de um filho portador de deficiência saberão avaliar melhor do que ninguém aquilo que acabo de afirmar. Quanto maior for o número de sócios maior será a garantia de que, quer do ponto de vista financeiro quer do ponto de vista pedagógico, é salvaguardado o acompanhamento aos utentes por pessoas capazes de o fazer. Passada esta primeira fase de conhecimento das necessidades do CRIA vamos procurar pessoas, tanto abrantinos como dos outros concelhos, com a ajuda das juntas de freguesia e das câmaras municipais, para que daqui por três anos e qualquer coisa tenhamos um leque muito mais alargado de pessoas capazes  de nos substituir.
Acha que o Estado deveria apoiar e reconhecer mais o trabalho de instituições como o CRIA? O Estado reconhece, o Estado comparticipa, é o nosso principal parceiro, como é evidente. Mas deixe-me dar um exemplo: eu, que já sou um rapazinho com quase 70 anos, ainda tenho pai e mãe. O meu pai tem 94 anos e a minha mãe 92. Ainda tomam banho sozinhos, ainda comem pela mão deles. Nem todos os idosos precisam de lar, de determinado tipo de apoio. Agora, se se trata de um deficiente não é preciso chegar a velho. Os utentes com 40 ou 50 anos cujos pais já não têm capacidade, sobretudo física, para tomar conta deles, todos, sem nenhuma excepção, precisam de um lar onde o Estado português os deva cuidar. E esse é um desígnio do CRIA. Essa é uma luta que travamos e faremos tudo, bateremos às portas todas e reclamaremos com toda a gente enquanto não nos for garantido a possibilidade de ampliar a capacidade residencial da nossa instituição para, pelo menos, mais 30 pessoas.
O CRIA consegue dar resposta a todos os pedidos ou existem pessoas que deviam ser acompanhadas mas não o são devido à falta de recursos? Na valência de lar, como lhe disse, ela é muito escassa. Quanto às actividades diárias, aí a Segurança Social e a direcção que nos antecedeu em bom tempo conseguiram negociar a ampliação para garantir maior capacidade.

Relações cortadas com o presidente da câmara

A circunstância de ser vereador da oposição e ter uma relação difícil com o presidente da Câmara de Abrantes, Manuel Valamatos, poderá influenciar a missão do CRIA? Estou convencidíssimo que não. Pode ser do conhecimento público porque o anunciei em reunião da câmara municipal: cortei relações pessoais com o presidente e cidadão Manuel Jorge Valamatos, mas apenas na condição de cidadão. Enquanto vereador da oposição e enquanto dirigente do CRIA, o cidadão Vítor Moura estará sempre disponível para tratar de todos os assuntos a todas as horas, que é uma coisa que me distingue a mim do senhor presidente.
Porque diz isso? Ele tem sempre muita pressa em terminar as coisas e normalmente esconde-se do contraditório e refugia-se nos seus poderes, que são legítimos e democráticos, mas há muita forma de exercer a democracia. E isso tem muito a ver com a índole pessoal de cada um. Sei que há autarcas do Partido Socialista que não têm qualquer dificuldade em deixar falar as pessoas e entrar no contraditório. E adoro isso, a troca de impressões entre as pessoas. No seio dos vereadores que fazem parte da maioria socialista não tenho nenhuma espécie de dificuldade em dialogar e até estabelecer alguns laços de amizade porque a democracia também passa por isso. Com o senhor presidente Valamatos a questão parece que não está a ir bem e pode até piorar. Mas é apenas mais um dos desafios que enfrentarei na minha vida e que disputarei com toda a tranquilidade mas também com entusiasmo.
O que é que o cidadão Vítor Moura tem aprendido no dia-a-dia do CRIA? Aprendi coisas novas das quais nada sabia. Quando me mentalizei que me iria candidatar a este lugar, era algo desconhecido, que me provocava uma enorme vontade de ajudar, mas ao mesmo tempo algum receio de não ser capaz de lidar com a situação. E não era só a situação do trabalho intelectual ou físico. Imaginava-me numa sala com pessoas portadoras de um determinado tipo de deficiência que, não estando habituado a lidar com isso, me pudesse comover, deixar-me um pouco fora de mim.
Entretanto ganhou defesas? Quando aqui entrei nunca mais me lembrei sequer dos receios que sentia. Meninos que nunca me viram, chegarem ao pé de mim e perguntarem-me o nome, quem é que eu era, abraçarem-se a mim. Dizem as coisas como entendem, não têm filtros… Fiquei de tal forma envolvido que nunca mais me lembrei dos medos que trazia. Estes meninos têm tanto afecto para dar e receber, abraçam-nos tanto, às vezes quase que me partem os óculos… Quem é que pode ficar indiferente a isto e não se sentir feliz e bem retribuído por conviver neste ambiente?
São momentos marcantes… Nunca me esquecerei de que no primeiro dia que aqui vim, depois de ser eleito, encontrei um casal meu conhecido que tem uma filha utente do Lar Residencial. Na hora de nos despedirmos o marido virou-se para mim e disse: “Obrigado. Obrigado por teres vindo ajudar os nossos filhos.” Isto é o maior salário, a maior retribuição que alguém pode ter no mundo.

Nelson de Carvalho abandonou o CRIA antes do final do mandato

Vítor Moura encontrou o CRIA à deriva. “A direcção praticamente deixou de existir. O anterior presidente [Nelson de Carvalho] tinha abandonado o seu cargo, restou a sua secretária, uma senhora com uma dedicação total a esta causa e um tesoureiro que, ao que parece, em vez de ajudar desajudava”, disse o presidente da instituição, que quis deixar o seu agradecimento àquela que é hoje o seu braço-direito no CRIA. “A dona Rosalina Reis é uma mulher incansável. No dia em que tomei posse disse-lhe: ‘Olhe que a senhora não é secretária. Foi eleita para tal mas não é secretária.’ Ela estranhou muito, terá ficado assustada e preocupada. ‘O seu cargo aqui, para já, vai ser de treinadora de presidente’, descansei-a. Tirei um curso intensivo de presidente, treinado pela dona Rosalina Reis”, contaVítor Moura.
O presidente do CRIA deixa também uma palavra de gratidão a outros dois membros da sua equipa: “Quero prestar o meu reconhecimento público ao presidente do conselho fiscal, Luís Ablú, e ao presidente da mesa da assembleia-geral, José Luís Silva. Sinto-me muito feliz por terem visto em mim capacidade para desempenhar este cargo com alguma competência. É uma satisfação enorme estar num cargo que, apesar de todas as vicissitudes, de tanta renúncia e de tantas dificuldades e alguns dissabores, me dá uma alegria imensa”.

Nasceu para o associativismo depois de reformado

Nascido e criado em Chainça, Abrantes, Vítor Manuel da Piedade Moura sempre foi um cidadão atento aos problemas e à dinâmica da sociedade abrantina mas confessa que nunca tinha sido muito interventivo. Foi 15 anos funcionário público dedicando-se depois à actividade empresarial. “Considero-me um homem comum, um cidadão que nasceu ali no Cabeço da Chainça e que aparece, depois de entrar na idade da reforma, com algumas funções que nunca tinha imaginado”, conta o actual vereador da Câmara de Abrantes, eleito pelo PSD.
Vítor Moura diz que há três ou quatro anos começou a ouvir e a ler muito sobre o CRIA “e nem sempre pelas melhores razões”. “Aí, como cidadão, fiquei sensível”, relembra, pormenorizando de seguida a sua aproximação à  instituição: “Encontrei-me com o então presidente, Nelson de Carvalho, e disse-lhe que estava disponível para ajudar no que fosse preciso e que me faria associado. Vim a três ou quatro assembleias-gerais e não gostei. Levantei algumas questões e o que não sabia era que ao participar nessas assembleias estava a ditar a minha sorte”.

CRIA dá resposta a quatro concelhos do Ribatejo norte

O CRIA serve utentes de Abrantes, Sardoal, Mação, Constância e até Belver, que pertence ao distrito de Portalegre. Em Mação têm 39 vagas, 20 no Lar Residencial e 19 no CACI. Na sede, em Alferrarede, concelho de Abrantes, têm 90 meninos em CACI, 20 residentes em lar e cerca de 30 na formação profissional. Com a colaboração da Câmara de Sardoal iniciaram há pouco um protocolo para que o município proporcione transporte de utentes desse concelho para o CRIA. A instituição tem actualmente cerca de 140 funcionários, 120 no edifício-sede e 20 em Mação.

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