Entrevista | 18-05-2022 10:00

“As juntas de freguesia têm que pedir investimentos como quem pede uma esmola”

Sérgio Alexandre é empresário e presidente da Junta de Vale do Paraíso

O presidente da Junta de Vale do Paraíso defende mais autonomia na gestão das verbas e critica a falta de investimento nas freguesias menos populosas do concelho de Azambuja. Nesta entrevista, Sérgio Alexandre fala das suas ambições para a terra onde Colombo anunciou ao rei D. João II a descoberta das Américas.

Sérgio Alexandre chegou a presidente de junta nas autárquicas de 2021 com a ambição de projectar Vale do Paraíso em áreas como o turismo, habitação, saúde e educação. Em pouco mais de meio ano abriu na freguesia um balcão SNS24, criou serviços de saúde e bem-estar em regime co-working e lançou a marca My Vale do Paraíso, que pretende atrair visitantes. Confessa-se ambicioso e apesar de ter sido eleito pelo PS, partido que também governa a Câmara de Azambuja, não se acanha em criticar a falta de investimento municipal.
“À excepção de Azambuja e Aveiras de Cima, que são as freguesias que dão mais votos, as restantes têm um baixíssimo investimento e vivem de migalhas”, afirma, acrescentando que se fosse um bom político talvez não o dissesse, mas o que lhe interessa é “defender os interesses da freguesia”, pelos quais promete “lutar até ao último dia” no cargo que ocupa.
“Devíamos seguir o modelo da Câmara de Santarém que todos os anos transfere uma verba para as juntas gerirem com autonomia e investirem onde é preciso. Em Azambuja as juntas de freguesia têm que andar de mão estendida a pedir investimentos como quem pede uma esmola”, critica o autarca de Vale do Paraíso.
O encontro acontece ao final da tarde nas ruas vazias do centro da localidade que servem de cenário para as fotografias. “Podemos fazer algumas no jardim central”, sugere. O jardim é, em boa verdade, um pequeno largo em paralelo com algum mobiliário urbano. “É triste. Somos a única freguesia do concelho de Azambuja que não tem um metro quadrado de relva e daí se vê o pouco investimento que temos recebido”, diz Sérgio Alexandre, convicto que se houvesse um espaço de lazer os comerciantes e a qualidade de vida dos moradores sairiam a ganhar. “Foi por isso que pedi à câmara a aquisição de terrenos para fazermos um jardim e desimpedir o eixo central de Vale do Paraíso”.
Na localidade, o mercado diário, onde se vendem produtos frescos e roupas, ainda funciona e o associativismo, cultural e desportivo mantém-se dinâmico. “Neste momento estamos na recta final para a certificação dos bolos de casamento que são feitos pelas nossas associações”. Para quem não sabe, explica, os doces tradicionais são uma espécie de ferradura que antigamente os noivos da freguesia entregavam porta a porta aos conhecidos que não podiam convidar para o casamento por questões monetárias. A junta de freguesia, adianta, tem ainda a intenção de avançar com a candidatura a património material e imaterial de Portugal os rituais que antecedem e acontecem durante as Festas em Honra de Nossa Senhora do Paraíso, que decorrem há mais de quatro centenas de anos, em Dezembro.

Falta aproveitar melhor a oferta turística
Ainda no campo da cultura e do turismo, Sérgio Alexandre lamenta que até hoje nem a junta de freguesia nem a câmara municipal tenham conseguido tornar atractivo o Centro de Interpretação Colombo, que evoca o histórico encontro secreto entre o rei D. João II e o navegador Cristóvão Colombo, em 1493, após a descoberta do continente americano. “Há dez anos o centro era atractivo mas já não é. Precisa de uma revisão na forma de apresentação dos conteúdos e de tecnologia”, defende, anunciando que o município tem em mãos um projecto para construir um novo centro interpretativo.
Falando em obras, o autarca aproveita para revelar que a junta está a remodelar o seu edifício central com o objectivo de melhorar as condições de atendimento aos fregueses. “Temos um conjunto de serviços como o Espaço Cidadão, posto CTT, balcão saúde 24 e posto de atendimento permanente que precisam de mais espaço”, sublinha, dando a saber que o orçamento para a freguesia é de 182 mil euros, dos quais 62 mil são para investimento. “Precisamos de mais e à partida vamos ter, penso, mais 5% com os novos acordos de execução”. Um aumento pelo qual têm lutado todos os presidentes de junta que, por vezes, não conseguem cumprir as competências atribuídas. “Tapar buracos, por exemplo, é nossa competência, mas como o fazemos se este ano ainda só recebemos uma vez massas frias?”, questiona.
A conversa é interrompida por um freguês que se apercebe da presença do autarca na sede da junta de freguesia, às 19h00. “Já está fechada, terá que voltar amanhã de manhã”, diz-lhe à porta Sérgio Alexandre. Depois regressa e explica que, além do horário que tem reservado para atendimento, a abordagem na rua é contínua e que a maior parte tem o seu contacto pessoal. “Quem assume este cargo tem que ter noção que vai ser sempre assim porque, afinal de contas, fomos eleitos para resolver os problemas das pessoas e da freguesia”, atira, confessando que ao início da manhã evita ir aos cafés mais movimentados para “poder estar uns minutos descansado”.
Em Vale do Paraíso não há lixo nas ruas nem se vêem funcionários a limpá-las. “Praticamente não é preciso porque aqui educamos as pessoas para não deitar lixo para o chão”. Tal como acontece com a deposição de monos junto aos caixotes de resíduos que deixou de se ver depois de a junta implementar um sistema autónomo de recolha (às segundas e sextas-feiras) e ter lançado uma campanha de sensibilização.

Medida pioneira pretendia amenizar o problema da falta de médicos
No que respeita à saúde pode dizer-se que Vale do Paraíso está, como o restante concelho: ligado às máquinas, a tentar sobreviver à falta de médicos. A situação está de tal forma grave que nem o Balcão SNS24, implementado pela junta de freguesia e através do qual os utentes conseguiam ter acesso a receitas e à marcação de consultas, funciona. “Deixou de haver resposta do outro lado, desde que o coordenador do centro de saúde deixou o lugar”, diz.
Parece assim distante chegar às teleconsultas, o objectivo mais ambicioso deste projecto. “Mas não há missões impossíveis e por isso estamos a tentar chegar a acordo com médicos particulares para virem cá dar consultas”, juntando-se ao sistema de co-working do qual já fazem parte serviços de coaching, massagem, medicinas alternativas e nutrição. O acesso a medicamentos numa terra onde os transportes públicos são escassos e muitos andam à boleia está garantido por um protocolo celebrado com uma farmácia de Aveiras de Cima, que mediante o encaminhamento de receita faz a entrega.
A habitação a preços acessíveis e o incentivo à natalidade têm sido outras das preocupações de Sérgio Alexandre, que preside a única freguesia do concelho que registou nos últimos dez anos um aumento de habitantes (de 880 habitantes para 960). “Vale do Paraíso está sobrelotada, sufocada e não tem mais para onde crescer. Estamos na luta pelo alargamento do Plano Director Municipal e legalização da Urbanização do Moinho da Mata, onde não se pode construir apesar de haver lotes comprados” para esse fim, diz o autarca que defende habitação jovem e arrendamento controlado a baixo custo para a freguesia. Como incentivo à natalidade, explica, a junta de freguesia está a atribuir aos pais dos bebés que nasceram, ou vão nascer, em 2022 vales de 200 euros para gastar no comércio local.

Socialista numa família de comunistas que já passaram pelo cargo

A chegada de Sérgio Alexandre à política é anterior a 2021. No anterior mandato integrou o executivo da junta de freguesia, presidida por Armando Calixto, cujo programa eleitoral não foi avante na totalidade devido à pandemia. “Gosto de deixar a minha marca por onde passo. Muitos projectos não foram concretizados e foi para os concretizar agora que me candidatei”, refere em jeito de justificação.
Mas as lides políticas são mais familiares a Sérgio Alexandre do que podem parecer à primeira vista. Tanto o seu pai, José Alexandre, como o seu avô, Francisco Alexandre, foram presidentes da Junta de Freguesia de Vale do Paraíso, mas nenhum dos dois reagiu bem ao anúncio da candidatura. “Foi difícil de aceitar porque a minha família é toda comunista e eu sou socialista”, explica, na certeza que toda a sua família acabou por votar no PS nas últimas eleições.
Definindo-se como um homem reivindicativo e apaixonado pela sua terra, que só deixou momentaneamente para ir estudar, o autarca e empresário, de 40 anos, vive com a mulher e as duas filhas na casa que herdou dos avós. Aos 27 anos foi pela primeira vez presidente da Associação Desportiva e Recreativa O Paraíso, foi fundador da comissão de pais da escola primária e jardim-de-infância, fez parte da secção de futebol e foi juiz da Confraria de Nossa Senhora do Paraíso.

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