Entrevista | 24-05-2022 06:59

Cancro colorrectal é o segundo mais mortal tanto nos homens como nas mulheres

Paulo Alves, cirurgião na CUF Santarém, teme que muitos doentes ainda estejam a ser diagnosticados mais tarde que o desejável

Paulo Alves, cirurgião geral no Hospital CUF Santarém

O cancro colorrectal é o segundo mais frequente na sociedade portuguesa. Só o cancro do pulmão é mais mortal. A elevada mortalidade está relacionada essencialmente com o facto de ser ainda pouco frequente a sua detecção numa fase inicial, porque as pessoas ou não estão despertas para a doença ou têm receio das colonoscopias. Os rastreios, excepto em casos de historial familiar, fazem-se a partir dos 45 anos e por uma questão de custos é feito um primeiro despiste através de análises às fezes. Mas têm aparecido na CUF Santarém alguns casos de doentes mais novos.

Quais são os sinais a que as pessoas devem estar atentas e que podem indiciar uma situação de cancro colorrectal? A maior parte dos sinais são relativamente inespecíficos e tendem essencialmente a ver com o funcionamento do intestino, como perdas de sangue ou alterações dos hábitos intestinais. Mas a maior parte dos sinais surge numa fase mais avançada, apesar de poder haver perdas de sangue precoces. Nem todas as hemorragias gastrointestinais são visíveis.
É difícil a pessoa aperceber-se que pode ter problemas… Numa fase inicial é difícil, pelo que é importante o rastreio dos assintomáticos. O rastreio que está definido internacionalmente e, por questões de gestão de custos, passa pela pesquisa de sangue oculto nas fezes para detectar perdas de sangue não visíveis. Depois os positivos ou duvidosos devem fazer uma colonoscopia, que é muito mais eficaz e segura no rastreio, mas para ser aplicada à população em geral tem elevados custos.
As pessoas também têm algum receio em relação à colonoscopia, talvez por falta de informação… Há alguma falta de informação e há sempre um conhecido ou um familiar que fez o exame e que teve algumas queixas. Esse passa-palavra é muitas vezes uma má publicidades porque não são todos os casos iguais e actualmente há mais opções, como os exames com anestesia.
Há alguma idade a partir da qual é preciso estar mais atento? As recomendações actualmente na Europa são para se fazer o rastreio a partir dos 45 anos. Havendo historial familiar há indicações para se fazer mais cedo.
É frequente haver casos mais precoces, abaixo dos 45 anos? Quanto mais idade se tem maior probabilidade existe de desenvolver a doença, mas têm aparecido alguns casos antes dos 45 anos de idade e às vezes em pessoas em que não existe na família historial de cancro colorrectal.
Em comparação com outros qual é a agressividade deste cancro? A gravidade é maior ou menor consoante a altura em que é detectado. Em termos de incidência é o segundo mais frequente sendo que nas mulheres o primeiro é o cancro da mama e nos homens o cancro da próstata. Em termos de mortalidade está em segundo lugar, logo a seguir ao cancro do pulmão. Em termos dos rastreios os cancros da mama ou próstata têm programas de rastreios mais fáceis.
Ou seja, a gravidade do cancro colorrectal é muito influenciado pelas dificuldades do rastreio… Numa fase inicial as taxas de sucesso dos tratamentos são muito boas, acima dos 80%. Quanto mais avançado está mais dificuldade vamos ter no tratamento. Mas tal como as pessoas não são todas iguais os tumores também não são todos iguais.
O tratamento passa geralmente pela cirurgia? Quase sempre passa por cirurgia. Em casos muito iniciais a própria colonoscopia pode ser terapêutica, com a excisão do pólipo, desde que as condições locais permitam e a análise dos casos evidenciem alguma segurança. Desta forma pode não ser necessário chegar-se à cirurgia.
Quanto é que um tumor destes demora a desenvolver-se? Não se sabe exactamente o tempo que um tumor demora a desenvolver-se. Os estudos falam em 10 a 15 anos desde o primeiro percursor até um tumor já mais grave. Por isso é recomendável um exame de cinco em cinco anos. Os tumores colorrectais têm uma evolução, na maior parte dos casos, relativamente lenta o que nos dá tempo para fazer o rastreio com alguma segurança.
Há alguma forma de prevenção? Existem alguns factores de risco que estão associados ao aparecimento de cancros como os hábitos alimentares. As gorduras saturadas, as carnes vermelhas estão associadas a um pouco mais de risco.
Depois dos tratamentos o que é que muda na vida das pessoas? Passam a ter mais noção do risco. Passam a ter uma preocupação maior com a alimentação. Há tumores que implicam cirurgias mais agressivas e com mais implicações na vida dos doentes. Os doentes, mesmo tendo uma cirurgia curativa, precisam de vigilância pelo menos durante cinco anos, que pode ser mais em casos mais graves, porque pode haver uma recidiva, apesar de não ser comum.
Pela sua experiência qual é a percepção que as pessoas têm da doença?
As pessoas sabem que existe a doença, mas continuam a ter aquela percepção de que acontece só aos outros. Quem tem casos na família tem uma preocupação maior. Há situações de doentes que são diagnosticados mais tarde do que seria desejável, não por não terem queixas, não por não terem alguma percepção da doença, mas por receio de receber a notícia ou receio do exame.
De que serviços específicos dispõe a CUF Santarém para acompanhar o doente? Normalmente as pessoas chegam por via das consultas de medicina geral e familiar, seja na CUF ou através do médico de família do centro de saúde. Não é normal uma pessoa assintomática começar pelo fim, pela consulta de cirurgia. Depois do rastreio na medicina geral e familiar passa para a gastrenterologia, onde é feita a colonoscopia e só depois os casos positivos chegam à cirurgia.
O tratamento implica uma equipa multidisciplinar… A equipa multidisciplinar entra a partir do momento em que a pessoa tem diagnosticado o cancro, seja para decisão pré-tratamento e são avaliados os factores de risco para ver se é necessário fazer uma cirurgia ou se a situação se resolve através da colonoscopia. A equipa inclui habitualmente o anatomopatologista, o imagiologista, o cirurgião, o oncologista e em casos mais avançados podem entrar outras especialidades dentro da cirurgia, como a cirurgia hepática, a pulmonar.
No tratamento deste cancro de que forma é que também evoluiu a técnica cirúrgica? Desde há uns anos a cirurgia laparoscópica está a ser aplicada como primeira linha no tratamento do cancro colorrectal. É uma técnica menos evasiva com uma recuperação muito mais rápida, com menor dor e menos absentismo do doente, além de menos complicações, em termos de infecções por exemplo.
Quanto tempo é que uma pessoa demora a recuperar de um cancro colorrectal? Se conseguirmos apanhar os casos numa fase inicial vamos ter cirurgias mais simples, com maiores taxas de sucesso e com menos agressividade para os doentes. Se for usada a cirurgia laparoscópica o internamento do doente é inferior a uma semana e o regresso à sua actividade profissional pode fazer-se em menos de um mês, sem necessidade de tratamentos complementares sem radioterapia ou quimioterapia.
E numa situação mais grave quanto tempo é que é necessário para a pessoa voltar a fazer a sua vida? A equipa multidisciplinar avalia o risco dos tratamentos e a partir de determinado limiar de gravidade é recomendável a realização de tratamentos complementares, que implicam quimioterapia e radioterapia que se prolongam no tempo e que comprometem a capacidade de a pessoa retomar a sua vida profissional e pessoal em pouco tempo. Todas as quimioterapias têm efeitos secundários, mas são necessárias para em determinas situações salvarem as pessoas.
Pela sua experiência há algum aumento deste tipo de cancro? Nota-se um agravamento do número de casos e casos em pessoas mais novas, com menos de 45 anos de idade. Recentemente operámos um jovem aqui na CUF Santarém com 41 anos. Estamos a receber doentes mais novos, o que pode acontecer por haver mais exames, por as colonoscopias estarem mais acessíveis, as pessoas estarem mais alerta para estes cancros. A percepção que tenho é de uma subida progressiva de casos e nos últimos dois anos com alguns detectados mais tardiamente, com um agravamento da doença, por causa da pandemia que levou as pessoas a terem receio de irem aos serviços de saúde.
Tem havido a sensibilização suficiente para estes cancros? Estava-se a apostar na sensibilização para o rastreio deste cancro e é necessário que essa aposta regresse depois da quebra dos últimos dois anos por causa da pandemia. Estas coisas não podem ficar esquecidas porque isso terá implicações no futuro sobretudo na qualidade de vida dos doentes. O doente tem de ter uma participação activa na sua saúde, quer em termos de alimentação, exercício físico, quer no que toca aos rastreios e deve falar com o médico sobre a realização de exames.

CUF tratou em dois anos 500 doentes

O cancro colorrectal desenvolve-se no intestino grosso. Nos últimos dois anos a CUF Oncologia diagnosticou mais de 750 casos de cancro colorrectal e tratou perto de 500 pessoas com a doença. Segundo a Sociedade Europeia de Oncologia Médica (ESMO), em 2012 registaram-se 447 mil novos cancros colorrectais na Europa tendo sido responsáveis por 215 mil mortes.

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