Entrevista | 30-03-2022 10:00

Edição Semanal. “Vejo alguma dificuldade em Santarém dar o salto”

Joaquim Neto é presidente da Assembleia Municipal de Santarém desde 2017

Joaquim Neto é um autarca veterano que já passou pelos vários patamares do poder local no concelho de Santarém. Depois de ter sido presidente da Junta de Amiais de Baixo e vereador na câmara, é desde 2017 presidente da assembleia municipal. Considera que vários projectos estruturantes para o concelho arrastam-se há demasiado tempo e espera evoluções positivas neste mandato. Deixa também críticas ao desaproveitamento das potencialidades do Tejo e do CNEMA e diz que as assembleias municipais devem ter mais poder para deixarem de ser uma espécie de caixa de ressonância das câmaras.

Olha para o concelho de Santarém e o que vê? Vejo alguma dificuldade em dar o salto, em conseguirmos fixar alguma massa cinzenta de jovens quadros, em termos uma empregabilidade mais qualificada. Temos um politécnico e, por vezes, questiono-me como é que Tomar consegue ter empresas como a IBM ali à volta e nós não conseguimos fixar esse tipo de situações. É importante criar condições para atrair jovens qualificados, até porque estamos a pouco mais de meia hora de Lisboa. A criação de um pólo tecnológico, para atrair esse tipo de empresas e de empregabilidade, seria importante para Santarém.
Qual a prenda que gostaria de ter visto o concelho receber no feriado municipal que se celebrou recentemente? Uma decisão definitiva em benefício de Santarém relacionada com tudo o que tem a ver com a Linha do Norte. Para ver se, de uma vez por todas, o problema se resolve, eventualmente com a variante ferroviária à cidade. Cada vez parece mais difícil de acontecer mas a verdade é que as coisas não podem ficar como estão. Seria bom que a administração central, através do PRR, compensasse aquilo que não quis dar no Plano Nacional de Investimentos 2030.
O Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros é uma jóia do concelho. O que é que se pode extrair mais daquele património, para além da pedra? Muitas vezes o que acontece é que se olha para o parque como um património pertencendo a outros concelhos que não o nosso. A primeira coisa é fazer com que o sintamos mais nosso. Na zona norte do concelho a relação das pessoas com o parque acaba por entroncar em problemas que têm a ver com a possibilidade ou não de construção. Seria importante fomentar a criação de circuitos turísticos e a valorização de sítios como o algar do Pena e as pegadas de dinossáurios. É fundamental dar a conhecer o parque nessas vertentes.
O Tejo é outro tesouro por explorar. Mais que palavras são precisas acções? São precisas acções, sem dúvida. É preciso cuidar do Tejo, do Alviela… A verdade é que Santarém está um bocado de costas viradas para o Tejo, em parte devido à Linha do Norte. Tivemos algum investimento na Ribeira de Santarém desde o tempo do José Miguel Noras e do Rui Barreiro como presidentes e seria importante continuar essa valorização da zona ribeirinha. Porque, efectivamente, não temos a ligação ao Tejo que devíamos de ter. Fica-se com a sensação que aqueles projectos que marcam a diferença acabam por não acontecer. Outro caso é o do campo da feira…
Outro assunto já com barbas… Lembro-me de, em 1995, fazer-se uma assembleia municipal extraordinária sobre o campo da feira na Casa do Campino e, hoje, continuamos sensivelmente na mesma situação. Entretanto, aprovámos na câmara um plano de pormenor para aquele espaço que depois foi abandonado e continuamos assim. O mesmo se passa com a EN362 ou com o complexo desportivo. Há um conjunto de grandes projectos que Santarém precisa e que, nestes próximos três anos, com o acordo de governação na câmara, devem ter condições para avançar.
O CNEMA dá para tudo e mais alguma coisa mas a cidade e a sua população continuam a tirar pouco partido desse complexo multiusos apesar do município ser o segundo maior accionista, a seguir à CAP. O que pensa disso? Não me quero imiscuir naquilo que é o trabalho do CNEMA, mas penso que poderia haver mais ligação à cidade em termos de projectos. Esperemos que as coisas avancem.
Um espaço daqueles merecia outro tipo de aproveitamento ao longo do ano? Sim, está tão perto da cidade mas parece que está tão longe. Na minha opinião, aquele espaço tem que ser mais do que a realização da Feira Nacional de Agricultura e a câmara tem que trabalhar nesse sentido em conjunto com a CAP.
A Câmara de Santarém devia ter mais influência na gestão daquele parque de exposições? A sua posição não lhe permite isso, mas tem que ser pró-activa, e se calhar está a sê-lo, no sentido de fazer essa aproximação, para que o CNEMA possa ter uma maior ligação à cidade. Porque é um espaço de excelência para acolher os mais diversos tipos de eventos.
Os executivos de maioria PSD têm apostado na exaltação das tradições taurinas. Parece-lhe bem? É uma tradição do Ribatejo. Vou a touradas mas não sou aquilo que se pode considerar um aficionado. Não tenho preconceitos a esse nível.
Concorda que o município adquira bilhetes para esse tipo de espectáculos, para oferecer depois? Pelo menos não discordo. O que acho importante é que o município tenha também em atenção outros eventos e actividades culturais que merecem igualmente esse apoio.

Assembleias municipais precisam de mais poderes e competências

As assembleias municipais são os parentes pobres do municipalismo? O que diria é que as assembleias municipais, porventura, não têm a importância que deviam ter. Acabam por ter alguns poderes mas seria útil, em termos de municipalismo, que houvesse algum reforço de competências.
E também de poderes? Pelos menos de poder de fiscalização e de poder contribuir para a definição das políticas municipais de uma forma mais efectiva. Hoje, as assembleias municipais parecem, por vezes, uma caixa de ressonância daquilo que se passa na câmara. Em determinadas situações a discussão na assembleia acaba por ficar esvaziada de conteúdo e de interesse, porque essa discussão já aconteceu anteriormente na câmara. Mas a verdade é que não existe orçamento municipal sem a assembleia o aprovar e há também planos que não podem existir sem a sua aprovação. Mudanças ao actual cenário passam por alterações à lei. O PS e o PSD de vez em quando falam nisso…
Mas nada tem mudado. Os dois principais partidos parecem não ter muita vontade política. Sim. Há uns anos foi criada a associação nacional das assembleias municipais para fazer vincar o peso que as assembleias têm que ter. Neste momento, as assembleias municipais só conseguem alguma visibilidade com sessões temáticas, como as que realizámos sobre o Tejo ou sobre o antigo campo da feira.
Fica-se com a ideia que há uma certa desvalorização, para não lhe chamar desrespeito, por parte das câmaras, nomeadamente no que toca às moções, recomendações e requerimentos emanados das assembleias municipais, muitas vezes sobre questões pertinentes. A interpretação que passa é um pouco essa: para quê fazer uma recomendação se depois sabemos que ela não tem seguimento? Houve algumas recomendações que aprovámos, nomeadamente no mandato passado, que foram seguidas pelo executivo municipal, como na área da higiene e limpeza. No caso do projecto para o antigo campo da feira, apesar do atraso que está a ter, a informação que tem sido transmitida é que o programa aprovado na assembleia é uma das bases para se avançar. Mas concordo que muitas das recomendações, quando não interessam ao poder executivo, acabam por cair no esquecimento, porque são só recomendações…
Tal como as respostas aos requerimentos feitos pelos eleitos da assembleia municipal que, por vezes, não são dadas ou, em certos casos, são dadas passados anos… Há regras e prazos para cumprir. No mandato passado, até como forma de pressão, entre aspas, junto do executivo, sempre que havia assembleias municipais dávamos conta do ponto de situação dos requerimentos que eram feitos pelos deputados municipais. Há sempre atrasos nisso. Percebo que, por vezes, haja matérias que podem implicar mais tempo de resposta, mas não dá para perceber como algumas respostas demoram tanto tempo.
O presidente da assembleia municipal não devia, nessas situações, ‘puxar as orelhas’ à câmara? O presidente da assembleia municipal o que faz é insistir para que haja resposta aos requerimentos e, muitas vezes, é graças a essa insistência que se obtêm respostas. Mas diria que não tem havido fortes razões para ‘puxar as orelhas’ à câmara.

“Ser presidente de câmara não está nos meus horizontes”

Dos vereadores que inicialmente integraram o último executivo de maioria socialista da Câmara de Santarém, no mandato 2002-2005, é o único que não foi posteriormente candidato à presidência do município. Não calhou ou não fez muita força por isso? Não é cargo que esteja nos meus horizontes…
É por falta de ambição política, por ser avesso a protagonismos? Para se ser candidato a presidente de câmara tem que se querer ser e eu não tenho querido. Prefiro ter a minha actividade profissional. Gostei muito de ser presidente de junta, de ser vereador e não posso dizer desta água não beberei, mas não penso regressar a nenhum cargo executivo.
O PS tem feito uma travessia do deserto de quase duas décadas em Santarém. Uma realidade difícil de prever no início deste século quando havia uma forte hegemonia socialista. Passou-lhe pela cabeça que pudesse acontecer uma situação destas? Costuma dizer-se que quando se ganha uma câmara o difícil, depois, é perdê-la. O PS, quando perdeu a câmara, tinha 30 anos de poder autárquico e surgiu uma oportunidade de mudança…
Mas o seu camarada Rui Barreiro só estava há quatro anos como presidente da câmara. O que acha que aconteceu: foi o mediatismo de Moita Flores que ganhou ou foi Rui Barreiro que perdeu a câmara? Se olharmos para os resultados diria que, provavelmente, o efeito Moita Flores foi fundamental. É uma figura pública que aparece, conjugada com algum desgaste que existia do próprio PS. A diferença foi de cerca de 700 votos.
Esta aliança entre PSD e PS na Câmara de Santarém não compromete as ambições do PS em se querer afirmar como alternativa aos social-democratas em 2025? Penso que não. O que o PS pensou foi dar condições de governabilidade e a possibilidade de se avançar com um conjunto de situações que se arrastam há bastantes anos. É o caso da revisão do Plano Director Municipal (PDM). Em 2005, quando era vereador do pelouro, o processo estava desenvolvido a 50 ou 60% e depois o executivo seguinte, do PSD, rescindiu o contrato com a equipa que estava a trabalhar nisso e reiniciou todo o processo.
E 17 anos depois a revisão do PDM continua por concluir… Entretanto foi lançado novo processo, foram aproveitadas algumas situações de diagnóstico… Mas a questão é que, ao longo destes anos todos, houve alterações à legislação, o que faz com que as expectativas que os munícipes tinham há 18 anos não sejam concretizáveis agora porque a legislação é mais apertada.
Pode especificar? Locais onde antes a legislação não colocava entraves à construção agora não são urbanizáveis. E há zonas que estavam dentro do perímetro urbano, já infra-estruturadas, e que vão deixar de estar, como acontece em Amiais de Baixo. Temos também problemas na zona de Alcanede, onde as empresas continuam a ter problemas para se instalarem ou crescerem.
Foi um erro infeliz, esse de rescindir o contrato com a equipa que estava a fazer a revisão do PDM? Acho que foram cometidos alguns erros infelizes na altura, do tipo de cortar com o passado sem perceber exactamente o que podia ser aproveitado. Foi o caso do PDM. Se calhar, neste momento, já devíamos estar a fazer nova revisão.
Há muitos municípios nas mesmas condições, o que sugere que o problema não estará só nas câmaras mas também na máquina do Estado? Exactamente. No caso de Santarém são dezenas de entidades que têm que dar parecer para o PDM e algumas delas têm um grande distanciamento da realidade local.

Um homem de Amiais de Baixo orgulhoso das suas raízes

Joaquim Neto nasceu a 1 de Outubro de 1962 na vila de Amiais de Baixo, concelho de Santarém. É casado, tem três filhos e três netos. Licenciado em Engenharia Electrotécnica e Computadores, é responsável pelas infra-estruturas informáticas do LNEC – Laboratório Nacional de Engenharia Civil. Está também a fazer um doutoramento nessa área.
Como autarca já passou pelos três patamares do poder local: foi presidente da Junta de Freguesia de Amiais de Baixo durante dois mandatos, na viragem do século, foi vereador com pelouros na Câmara de Santarém entre 2002 e 2005 e vereador da oposição de 2005 a 2009, foi eleito da Assembleia Municipal de Santarém e, desde 2017, é presidente desse órgão autárquico.
Apesar de trabalhar em Lisboa há muitos anos, a casa de família manteve-se em Amiais de Baixo. Joaquim Neto é um homem orgulhoso das suas raízes e das gentes da sua terra. “As pessoas de Amiais são boas, amigas do seu amigo, sempre trabalharam muito para ter o que têm. É gente empreendedora. Temos a nossa própria identidade”, diz.
E falar de identidade em Amiais de Baixo é falar das festas em honra de São Sebastião, que vão regressar este ano em Abril, para alegria da comunidade, ainda que fora do calendário habitual, que as aponta para a semana anterior ao Carnaval. “Vai ser uma festa de arromba!”, perspectiva com humor.

Mais Notícias

    A carregar...
    Logo: Mirante TV
    mais vídeos
    mais fotogalerias

    Edição Semanal

    Edição nº 1657
    27-03-2024
    Capa Vale Tejo
    Edição nº 1657
    27-03-2024
    Capa Lezíria/Médio Tejo