Entrevista | 17-06-2022 12:45

“Fico com urticária quando ouço falar de regionalização”

Purificação Reis é presidente da ACISO – Associação Empresarial de Ourém-Fátima – desde Julho de 2019

Purificação Reis é presidente da Associação Empresarial Ourém-Fátima (ACISO) desde Julho de 2019. O seu percurso de vida profissional esteve quase sempre ligado às instituições mais influentes do concelho, nomeadamente à INSIGNARE, onde trabalhou 18 anos, sendo dez deles em acumulação com o cargo de directora executiva. Na ACISO, uma associação empresarial com 80 anos, é a primeira mulher a ocupar o cargo de presidente. Nesta entrevista Purificação Reis mete o dedo na ferida ao falar de um concelho que tem 10 mil camas para turistas e não tem um auditório para congressos; diz que a conversa da regionalização lhe faz urticária e que o melhor exemplo da falta de investimento no concelho é o facto da estação ferroviária de Fátima ficar em Chão de Maçãs, no meio do nada, e a rodoviária ter um letreiro partido que nem sequer está aceso à noite. Uma conversa para conhecermos também o perfil de uma mulher que diz que não gosta de aparecer, que a vida política não a seduz, mas que o futuro do concelho está nas mãos dos políticos. Uma entrevista na véspera da 10.ª edição do Workshop Internacional de Turismo Religioso que se realiza em Fátima nos dias 23 e 24 de Junho.

A Escola Profissional de Ourém e Fátima tem a sua marca.
Muitas noites de trabalho, muitas directas. Comecei por ser responsável pela parte financeira. Com a saída do Francisco Vieira convidaram-me para ficar como presidente da direcção e directora executiva e ainda fiquei com muito daquilo que já fazia como directora financeira.
Agora está a dirigir uma verdadeira casa de homens. Pelo que sei a ACISO sempre foi gerida por homens.
Exactamente. Nem mais.
Como é que veio aqui parar?
Já cá estou há muito tempo como representante da INSIGNARE. Ser a única dirigente feminina entre homens não é novidade para mim. Foi assim durante muitos anos. Este mandato na ACISO já rompe com todas as tradições; é de longe o que tem mais participação feminina nos órgãos sociais. Sem dúvida que tivemos e continuamos a ter aqui um mundo masculino no que diz respeito a lideranças.
Foi buscar essa vontade de ser líder associativa…
Ai não, nunca tive vontade (risos) nem necessidade.
O seu pai, por ser empresário, teve influência no seu percurso de dirigente?
Não, não. Nenhuma.
Nunca trabalhou com o seu pai?
Não sou apologista do trabalho em família. Nada contra quem consiga fazê-lo, mas acho que trabalhar em família estraga as relações familiares. Também nunca fiz opções e defini objectivos, ao contrário do que as teorias dizem. Limitei-me a fazer escolhas quando me dirigiam convites. Foi também por acaso que fui parar à área da gestão. Gosto, mas nunca foi uma convicção nem a definição de um objectivo. Gostava muito de psicologia e das ciências sociais, depois não tive nota para ir para psicologia. Passei muito tempo com uma colega que ia para Gestão e pensei que Gestão podia ser uma coisa gira (risos).
Fez outras coisas na vida para além de gestora e dirigente associativa?
Fui professora de Gestão e Economia na Escola Profissional. Fui convidada pelo Francisco Vieira para dar as duas disciplinas. Como havia falta de dinheiro e falta de equipa, e como ele angariava muito voluntariado para as candidaturas, para o ajudarem também a concorrer aos fundos comunitários, fui eu que fiz esse trabalho. Passados poucos meses fui convidada a ficar com a parte financeira da escola a tempo inteiro. Comecei a ser uma professora que dava muitas faltas e deixei de dar aulas. Não tinha condições para acumular.
Quem é o seu mestre espiritual para ter decidido ficar na terra onde nasceu?
Gosto muito da tranquilidade. O meu curso foi tirado em Lisboa e trabalhei um ano em Lisboa, mas decidi ir residir para Fátima. Gosto de Fátima.
Nasceu aqui perto?
Nasci em Outeiro das Matas. Vivi lá até aos seis anos, depois viemos para Ourém, aqui na rua de cima, até aos meus quinze anos. Fiz o Secundário em Fátima e fui para Lisboa. Regressei logo a seguir. Gosto da tranquilidade destes lugares.
Entretanto casou para se tornar uma mulher mais independente?
Já estava a viver e a trabalhar em Lisboa, não precisava de casar para ser independente. O casamento dura até hoje, portanto não foi mesmo esse o motivo (risos). Se fosse só para ter ficado independente seguramente que não durava tanto.
Ajuda o marido na vida empresarial?
Não, só tivemos um projecto empresarial num terreno que era dos meus pais e onde construímos um hotel. Foi uma altura de crise imobiliária e como o mercado não estava a mexer tivemos que deitar mãos à obra. Foi um projecto que me agradou imenso realizar e acompanhar em todas as áreas durante dois anos. Depois fui convidada pelo dono da Movicortes, Ribeiro Vieira, para lançar uma escola de negócios em Leiria.
Alguma vez experimentou a política?
Não, não me vejo na política. Não é que não tenha sido convidada, mas não suporto. As politiquices criam-me reacção alérgica. Passei um ano por uma empresa municipal, no tempo da presidência de David Catarino, porque achei que precisava de mudar de área de trabalho. Foi um convite para exercer uma função sem grande visibilidade, mas mesmo assim fiquei num meio mais dado a comentários políticos e a politiquices e não é de todo a minha praia.
Está fora de causa para o futuro?
Não combino bem com a vida política e irrita-me imenso que as politiquices me tirem o sono. Gosto imenso de dormir sem sobressaltos.

“Fátima tem uma capacidade hoteleira ímpar”

A ACISO está no melhor período da sua existência apesar de tudo o que sabemos?
A minha ACISO acho que é uma instituição que tem conseguido reinventar-se ao longo dos anos e adaptar-se às novas realidades. Sendo uma associação de âmbito local, tem o reconhecimento de muitos dos organismos nacionais que muitas das associações de âmbito local não conseguem ter. É claro que desejamos sempre fazer melhor mas as equipas são pequenas, falta financiamento, não temos os recursos que queríamos e precisávamos de ter. Contudo, acho que com os recursos que temos fazemos milagres. Nesta altura, com a preparação do workshop sobre Turismo Religioso estamos a trabalhar com sete funcionários.
O workshop é a iniciativa mais importante da ACISO?
É o evento maior, de âmbito internacional, que envolve muitos recursos e entidades. Ao longo dos tempos foi crescendo e solidificando-se com o movimento de várias entidades e várias parcerias para ter o âmbito internacional que tem hoje.
Esse âmbito internacional é importante?
Trazemos a Fátima operadores turísticos de mais de 40 países, preparamos a viagem, a estadia, os roteiros turísticos. Damos a conhecer Fátima, mas também outras cidades e regiões de Portugal em colaborações com diversas entidades.
Estamos a falar de cerca de 100 convidados de 40 países?
Mais. No ano passado foi feito virtualmente. Desenvolvemos uma plataforma própria e teve um feedback bastante positivo, segundo o que nos foi transmitido. Ficámos orgulhosos. Até nas grandes organizações internacionais de turismo utilizaram plataformas para realizar as reuniões de contacto e de negócio e tivemos imensa gente de diversos países a felicitar-nos. Este ano voltamos ao encontro presencial porque a experiência no terreno é importante. Trazer cá os operadores turísticos, mostrar-lhes os locais e dar-lhes essas experiências faz toda a diferença.
Fátima é um dos maiores destinos turísticos do mundo mas as políticas para o turismo são fraquinhas. Não há mais e melhor para fazer?
Há e é possível. Tem de ser um trabalho com persistência, com continuidade, com envolvimento, com parcerias. Um dos problemas do nosso território é a falta de persistência e continuidade nas iniciativas. Faz-se muita coisa de forma isolada. Quando o workshop internacional começou em 2012, eu estava a trabalhar na ACISO como directora executiva e começaram a ser identificados mercados que iam causando surpresa nas pessoas, nomeadamente de países asiáticos. São mercados extremamente importantes para Fátima porque os asiáticos viajam durante o Inverno. Isso reflectiu-se imenso em Fátima porque resolveu o problema da sazonalidade que apresenta problemas diversos na criação das equipas; os hotéis têm dificuldade em manter as equipas o ano inteiro porque chegam ao Inverno e não têm clientes. Há um conjunto diversificado de estratégias que têm de ser tomadas. Não podemos ficar pelos novos mercados. É preciso criar condições locais para que os estabelecimentos estejam abertos e a funcionar. É muito giro dizer que podem ver o artesanato, mas depois chegamos lá e a porta está fechada. É muito giro dizer que há turismo industrial, mas se a fábrica não abrir as portas ao turismo não cumprimos a nossa função. É preciso um envolvimento forte de todas as entidades ligadas aos produtos locais.
E isso de que fala é só uma ponta do icebergue.
Os percursos pedestres são outro bom exemplo. Não tenho nada contra trabalhar também para os Caminhos de Santiago mas temos também de promover os Caminhos de Fátima. Esses percursos também atravessam o nosso território e ajudam a nossa economia. Fico doente quando sei que os peregrinos andam por caminhos errados e depois são vítimas de acidentes nas estradas.
Isso marca e é uma marca pela negativa.
Há muito trabalho a fazer, por muitas entidades em conjunto, para que Fátima seja menos sazonal, e que se possa ir fomentando o crescimento sustentado do turismo.
O espaço da região de Turismo em Fátima é uma casinha…
E podia ser um Posto de Turismo que vendesse não só Fátima como Tomar, Santarém, Torres Novas e outros destinos da região. Muitos dos turistas que vêm a Fátima já trazem Coimbra na agenda. É claro que o Porto tem o benefício do aeroporto mas Coimbra tem vindo crescer em termos de motivação do turista.
Falta começarem a trazer os destinos mais interessantes da nossa região. É trabalho político ou dos dirigentes associativos?
É de todos. Mas os políticos de proximidade deviam criar as condições no território porque acho que é para isso que serve uma autarquia, para que o produto turístico lá esteja, aberto, a funcionar e bem tratado. Que seja bonito, agradável, que haja os percursos pedestres tratados, o museu aberto ao fim-de-semana. Esse é o trabalho da autarquia. Depois há as entidades turísticas. O problema é que depois andam todos a fazer o mesmo. É muito giro aconselhar uma visita ao Castelo de Ourém mas como é que os turistas de autocarro chegam lá? Isso é trabalho das autarquias. Só eles podem resolver os problemas das acessibilidades.
O Castelo de Ourém tem uma pousada que fechou por falta de rentabilidade…
O dinamismo empresarial funciona em função da procura. Se há mercado, há interesse em fazer as obras. Nesta pós-pandemia as coisas estão difíceis. Mas é uma pena que o Castelo de Ourém não esteja a ser promovido como devia; era um sinal de que as coisas estavam a funcionar.
As rivalidades a nível local e regional prejudicam esse trabalho de promover Fátima e Santarém, Tomar e Leiria ao mesmo tempo. A ACISO não poderia ser o interlocutor privilegiado?
O congresso que organizamos não é o ambiente mais adequado. Estamos a dar uma imagem do território aos operadores de mais de 40 países. Eles querem lá saber se temos problemas de relacionamento com Tomar, Leiria ou Santarém? Fátima tem uma capacidade hoteleira ímpar, não existe outra igual, e os concelhos à volta podem tirar partido disso. Se as pessoas ficarem 4 ou 5 dias, e forem almoçar a Tomar, e jantar a Leiria e forem visitar monumentos, todos ganham. Não se percebe que Fátima não tenha uma estrutura pública para congregar e reunir grandes eventos. Não podemos estar dependentes da disponibilidade do Santuário que é uma entidade privada. Fátima tem à volta de 10 mil camas e não tem uma infra-estrutura que possa captar congressos, eventos de grande dimensão, para dar resposta à problemática da sazonalidade e às necessidades de quem tem empresas e tem de as rentabilizar. Não pode ser só a hotelaria a mostrar trabalho. Nesse capítulo fez-se o que era preciso, na sua grande maioria a hotelaria renovou-se e há aqui muita qualidade que não está a ser aproveitada.

As dificuldades em trabalhar em conjunto com a Nersant

Já falámos nos políticos. Os empresários não são muito melhores que os políticos, por aquilo que sei…
São pessoas, somos todos pessoas com defeitos e qualidades.
A senhora é uma das culpadas pelo facto da Nersant ter aberto aqui ao lado um centro de empresas?
Não me fale na Nersant, que eu não estava cá nessa altura e até hoje ninguém me conseguiu explicar, embora já tenha perguntado, qual foi a brilhante ideia. A ACISO tem quase 80 anos de existência no concelho de Ourém. Não é, no meu ponto de vista, e das restantes entidades locais, uma organização sem utilidade, sem intervenção ou sem capacidade de resposta. Se estamos cá há 80 anos e temos tido capacidade de nos reinventarmos, não consigo perceber qual a utilidade prática de termos duas associações lado a lado a fazer o mesmo.
Estamos a falar só de uma questão de vizinhança?
Até tenho pena que exista uma instituição com quem não consigamos trabalhar em conjunto. A Salomé Rafael foi minha colega, no âmbito das escolas profissionais, com quem trabalhei diversos anos em conjunto. Acho que é uma pena porque toda a gente ficaria a ganhar, poderiam fazer-se projectos interessantes em conjunto, não vejo porque não, mas não nos compete a nós. Somos a entidade patronal que negoceia o contrato colectivo de trabalho no comércio e serviços por isso temos necessariamente uma série de reuniões com outras associações do distrito de Santarém. Ainda ninguém me conseguiu justificar a selecção do local.
Está agastada com a concorrência?
Lamento informar, mas não conheço os números nem a realidade. Nem me interessa, muito sinceramente.
A ACISO podia ter aquele edifício porque fica mesmo aqui ao lado.
Pois podia. O nosso Centro de Empresas de Ourém fez agora 10 anos. Já nasceram lá grandes empresas. Nestes dois anos de pandemia vários negócios fecharam, mas fecham com riscos mínimos para os empresários. Acho que é fundamental, pois todos sabemos que esta vida de ser empresário umas vezes corre bem outras vezes corre mal. Quando as coisas correm mal e as coisas começam em grande isso pode pôr em causa a vida das pessoas e das famílias. Acho que o importante é que corra bem. Se o podíamos fazer nestas instalações, que ficam mais perto, e que nos dava mais jeito, com certeza, quem é que poderia dizer o contrário?
Qual é o balanço que faz dos 10 anos do Centro de Empresas de Ourém?
O espaço está esgotado. São 13 espaços de 11 metros quadrados. 13 escritórios todos mobilados, wifi gratuito, tem uma sala de reuniões conjunta, faz ainda parte daquele espaço uma cafeteria e um restaurante. Está tudo ocupado. Damos todo o apoio em termos de licenciamentos, de candidaturas, todo o serviço que já prestamos aos nossos associados. Estamos a corresponder a 100% tendo em conta o espaço que temos.
O desemprego no concelho de Ourém é quase nulo. Não é também um problema grave para resolver?
Nos últimos Censos demonstra-se que no concelho de Ourém a única freguesia que não perdeu população foi a de Fátima.
Como é que um concelho que é um dos destinos turísticos mais visitados do mundo tem um território tão vasto sem saneamento básico?
Esse é o papel dos municípios. Está na mão dos políticos. Por isso é que volto a reforçar que há muito trabalho a ser feito pelos municípios. O bom acesso de rede de água, luz, informática, é fundamental para a fixação de pessoas e como tal deveria haver um foco maior nos interesses das pessoas que residem no interior. Entre as várias coisas que esta pandemia ensinou, uma delas é aprender a tirar partido das condições do território que oferecem qualidade de vida. São opções estratégicas que deviam estar a ser colocadas em cima da mesa porque a desertificação é um problema, mas há formas de a inverter. Fátima tem esse problema de o desemprego ser baixo e ter falta de mão-de-obra. É um problema gravíssimo, e tem a questão dos trabalhos ao fim-de-semana, que esta pandemia também veio mostrar às pessoas como era simpático estar em casa com as famílias, ter os fins de semana livres, mas também gostamos muito de ir de férias e ter quem esteja ao serviço nos hotéis e nos museus e nos postos de turismo. Tem de haver uma dignificação das profissões, mas também é preciso combater os outros factores, como a sazonalidade, haver condições para a celebração de grandes eventos, para que depois possam captar mais gente para vir trabalhar. Fátima sempre teve essa vocação de captar mão-de-obra dos vários concelhos aqui à volta.
Já fez várias críticas ao poder político. A direcção do Santuário de Fátima não tem culpas no cartório?
O espaço do Santuário é comunitário. Ao longo destes anos todos acho que o Santuário de Fátima foi das poucas entidades deste território com visão estratégica em termos de protecção e defesa do território e da criação de boas condições para os visitantes. O cuidado que têm com a preservação da zona dos Valinhos, por exemplo, é um trabalho fantástico, é um dos percursos que adoro fazer. Também nas novas obras. A nova basílica que foi feita dentro do Centro Pastoral Paulo VI é uma obra ao serviço da comunidade, com restrições, é um facto, mas é um serviço à comunidade que vem a Fátima com a motivação da fé, a motivação religiosa, e é para os acolher que o Santuário existe e trabalha. Sinceramente acho que o Santuário tem feito um fantástico trabalho e de qualidade.
Fátima podia ter um aeroporto se houvesse aqui mais empresários de sucesso?
Acho que não chegavam os empresários, precisava de ter políticos de grande influência
Mas a ideia de ter um aeroporto local é uma coisa falada entre os empresários, entre os políticos…
Se outras infra-estruturas mais fáceis de fazer não são feitas porque não há influência suficiente para captar os recursos… é claro que é falado e seria desejável um aeroporto de proximidade.
Acha irrealista falar desse equipamento no centro do país nomeadamente em Fátima?
Não gosto de falar de coisas que não me competem. É sabido que muitas das decisões que são tomadas vão para além das decisões económicas e de sustentabilidade. São muitas decisões políticas que podem ir mais para um lado ou para o outro em função dos lobbies, das pressões, etc… Fátima é o principal destino turístico da região Centro e ainda hoje estou para perceber porque é que existe uma estação com o nome de Fátima a 20 quilómetros. O nome no edifício da rodoviária está degradado há anos, é uma coisa vergonhosa. Apetece dizer que em vez de falarmos num aeroporto falemos primeiro numa ferrovia que não seja uma decepção para os turistas.
Era melhor para Ourém pertencer a Leiria ou está bem em Santarém?
Não lhe consigo dizer o que seria melhor ou pior. O que sei é que pertencemos à Diocese de Leiria–Fátima, no turismo pertencemos à região Centro e à CIMT, no distrito estamos em Santarém, é uma situação caótica que só complica. Quando ouço falar em regionalização fico com urticária a pensar: “O que vem mais aí?”. Agora dizem que o turismo vai passar para as CCDRs, sabe dizer-me se é verdade?
Já li sobre o assunto; pelo que sabemos faz parte do pacote de descentralização.
Só de pensar que pode vir aí uma coisa que divida mais o território fico preocupada. Acho que qualquer regionalização deve ter em conta os fluxos naturais das populações; devem ser o reflexo do que são os fluxos naturais de circulação, onde estão os serviços, onde é que as pessoas vão às compras, onde é que vivem, por onde circulam. Essa perspectiva devia estar na base de qualquer iniciativa, mas nunca está, são sempre outros critérios.

“Há muitas coisas na estrutura da igreja com as quais não me identifico”

Gosta do seu nome?
Pergunta curiosa, por acaso nunca me fizeram essa pergunta. Se gosto do meu nome? Gosto. A coisa mais bonita que me disseram, de forma sentida foi: “Só podia ser Purificação, tem muito a ver consigo” (risos).
Quem foi a sua madrinha?
Chamava-se Purificação, naturalmente. Veio de uma pessoa de quem gosto muito, de uma tia que se chamava Purificação e que foi minha madrinha. Os meus pais decidiram religiosamente dar às filhas o nome das madrinhas de baptismo.
Como é que gosta de ser tratada?
Sempre me trataram por Puri, ainda hoje tratam, pelo diminutivo. Na escola sempre fui Puri, ainda hoje sou. Recordo com simpatia um ex-presidente de câmara que, num discurso oficial, me tratou pelo diminutivo. Achei muito simpático (risos).
Tem três filhos mas estão todos por fora.
Uma está a trabalhar no Porto, na área de design e animação. Já esteve no estrangeiro mas voltou para o Porto. Outra está a fazer o mestrado na Áustria, na área ambiental. É uma defensora acérrima do meio ambiente e dos direitos dos animais. O mais novo terminou agora a licenciatura, está em casa, voltou na altura da pandemia. Decidiu trabalhar a partir de casa. Tem 21 anos, ainda tem muito tempo para planear.
Vai ao Santuário com regularidade?
Adoro ir ao Santuário, vou com muita frequência, sobretudo à noite quando tenho tempo livre depois de jantar. Gosto daquele silêncio, é tranquilizante. Normalmente às grandes peregrinações não vou.
Reza?
Sou uma mulher de fé. Tenho uma educação católica embora não seja praticante. Há muitas coisas na estrutura da igreja com as quais não me identifico. A igreja é feita por homens com os seus defeitos, como todas as coisas, como é a política. Como alguém dizia, depende da parte que alimentamos mais. Tenho a minha fé, a minha espiritualidade, ando constantemente à procura de respostas. Também, não quer dizer que as tenha, mas faço o meu percurso de procura, de me encontrar comigo própria, sobretudo.
Vai ao cinema?
Muito menos do que ia em tempos porque isto de ter três filhos e um trabalho a tempo inteiro complica muita coisa. Também estou numa altura da vida em que tenho que ajudar os meus pais que começam a necessitar dos cuidados dos filhos.
É uma sorte ainda ter os seus pais vivos e de saúde.
Têm 87 e 89 anos, respectivamente. Não equacionamos colocá-los em lares ou instituições, estamos a tentar não o fazer, mas exigem muito, portanto agora é tempo de darmos o nosso contributo àqueles que cuidaram de nós. Isto retira-nos o livro da frente e o filme tem que ficar para a tal semana de férias ou nos bocadinhos à noite. Felizmente tenho uma coisa boa: durmo muito bem, nunca tomei um comprimido e Deus queira que nunca tenha de o fazer. Por isso é que fico irritada quando uma coisinha corriqueira me tira o sono. Fico irritadíssima comigo própria de ficar irritada com algumas coisas dessas sem importância.
Faz meditação?
Essa é uma tarefa permanentemente adiada.
E uma massagem?
Isso gosto muito, até porque tenho problemas de coluna complicados. Ando constantemente no osteopata. Sempre que lá vou faço uma massagem que ajuda a distender a coluna.
Mas não faz piscina?
Devia, mas sou preguiçosa. É uma logística muito grande sair de casa, despir e vestir, depois sair molhada, é muita complicação (risos).
Qual foi a última vez que viajou e que gostou muito?
Todas as viagens deixam memórias. Desde o tempo da escola que não tiro férias mais do que uma semana porque tenho sempre prazos apertados com as candidaturas, os filhos, etc… Quem tem funções de liderança tem este problema. Não sou muito exigente nos destinos.
Já percebi que a Ásia está no seu horizonte.
Por acaso está. Não conheço, é uma cultura que me fascina.
Japão, acima de tudo?
Sim, e a Índia apesar daquela pobreza toda.
Como é que se chega à sua idade e se mantém uma motivação espiritual e física para continuar a fazer tudo o que se fazia aos 30?
Aos 58 sinto-me como se estivesse nos 40. Não tenho tempo de me habituar à idade que tenho. Sinto muito orgulho dos meus 58 anos, assim como tenho orgulho no meu nome, embora seja um nome difícil de pronunciar. Estou habituada a que me chamem outro nome qualquer, mas desde muito cedo senti que os nomes são mais ou menos bonitos em função das pessoas que os têm.
Quem é o exemplo da sua vida?
O meu pai….pelos valores que transmitiu.
Uma vez que já fez a idade de criança, adolescente e mulher adulta qual a idade a que gostava de voltar?
Acho que os 40 anos são a idade de ouro. A idade em que há a conjugação perfeita entre a energia, o bem-estar físico e a capacidade mental, tudo isso cria uma harmonia. Mas também varia com o tempo. A maturidade que tínhamos aos trinta hoje eles têm aos quarenta, porque tudo começa mais tarde, mas se for de referência ao meu percurso acho que os quarenta foram a idade de ouro.
Custa-lhe olhar para os seus pais e enfrentar a velhice?
Não. Assusta-me a dependência, não a idade, por isso é que não tenho problemas em dizer a minha idade. Fico deliciada a ver um idoso, com aquele rosto marcado.
Qual é a hipótese de um dia eliminar uma ruga, esticar uma pele?
Posso dizer-lhe o que ponho em hipótese no dia de hoje: não penso nisso e peço a Deus que me dê capacidade de aceitar e de conviver muito bem com a velhice e com os sinais da velhice. Acho que esses sinais da velhice dizem também da nossa história, marcas do nosso tempo, da nossa vida.

Mais Notícias

    A carregar...
    Logo: Mirante TV
    mais vídeos
    mais fotogalerias

    Edição Semanal

    Edição nº 1660
    17-04-2024
    Capa Vale Tejo
    Edição nº 1660
    17-04-2024
    Capa Lezíria/Médio Tejo