Entrevista | 21-09-2022 12:00

Grande parte dos resíduos que vão para aterro podiam ser usados para gerar energia

Joel Marques é director-geral da RSTJ desde final de 2021 depois de ter sido presidente da Junta da Carregueira (concelho da Chamusca) durante 11 anos

Ser director-geral da RSTJ é, para Joel Marques, um projecto de vida. Assumiu o cargo da empresa intermunicipal de gestão de resíduos, situada no Ecoparque do Relvão, depois de 11 anos como presidente da Junta da Carregueira. Aprendeu o modo de funcionamento da empresa em oito meses, com a ajuda do seu antecessor, Diamantino Duarte. Gerir 290 funcionários é a sua grande responsabilidade, que conjuga com o desafio de fazer da RSTJ uma referência nacional no serviço público. A melhor parte do dia de trabalho, diz, é quando está com os funcionários “no chão de fábrica”. Nesta entrevista a O MIRANTE ficamos a conhecer o perfil de um homem que se diz cauteloso, mas suficientemente ambicioso para querer ganhar em todas as frentes. Uma conversa sobre o estado da empresa, os tempos de autarca, as mágoas que guarda e o que é preciso fazer para garantir que as populações vivam num meio ambiente saudável e sustentável.

Desde que assumiu o cargo de director-geral da RSTJ tem mais preocupações? Sim, porque a responsabilidade de estar numa empresa intermunicipal que representa 10 concelhos da região acarreta problemas com uma dimensão muito maior do que as que tinha quando era presidente de junta ou dirigente político.
Leva sempre trabalho para casa? Por enquanto sim. Grandes responsabilidades, muitos problemas! É preciso sentir os problemas e ter uma atenção constante para poder resolvê-los rapidamente.
É o projecto da sua vida? Sem dúvida que é um projecto de vida. Acabo por conseguir ter alguma comparação com o cargo que ocupei enquanto coordenador da Associação Nacional de Freguesias. Era o representante de 141 freguesias do distrito de Santarém. Isso facilita o meu trabalho como elo de ligação entre os 10 municípios (Constância, Tomar, Torres Novas, Entroncamento, Alcanena, Santarém, Chamusca, Barquinha, Golegã e Ferreira do Zêzere).
Ainda assim, começou a lidar com matéria que não dominava. Sim, mas sempre me senti preparado para desempenhar estas funções porque se não sentisse não tinha aceitado o convite que me foi feito pelo Conselho de Administração e sufragado pelos municípios. Tive de ser uma esponja para absorver o histórico da Resitejo, associação, e da RSTJ, empresa intermunicipal.
Substituiu Diamantino Duarte, considerado por muitos o “Cristiano Ronaldo” da gestão de resíduos. É um legado que o assusta? Tivemos cerca de oito meses a trabalhar os dois para que me ambientasse e começasse a dominar as questões. Nem todos os “Cristianos Ronaldos” estão disponíveis para fazer isto para que alguém seja bem sucedido. Não sinto pressão porque Diamantino Duarte só há um. Quero fazer bem o meu trabalho e tornar a RSTJ numa referência nacional nos sistemas de gestão de resíduos.
O processo de passagem de pasta esteve, de certa forma, no segredo dos deuses. Não existia uma certeza absoluta de quem seria o próximo director-geral e durante alguns meses não existiu esse cargo na empresa. O Diamantino Duarte saiu em Fevereiro de 2021. Enquanto trabalhador desta casa ficou a prestar uma consultadoria e fiquei como assessor com procuração. Isto para que os accionistas, após as eleições autárquicas, decidissem quem deveria ser o director-geral. Tinha que ser um nome consensual.
Há uma política de continuidade? Defino-me como um homem tolerante que tenta sempre encontrar equilíbrios. Quero colocar o meu cunho pessoal sem impor nada nem ter a política do “chefe”.
Como é a sua relação com os 290 funcionários? Tenho a felicidade de já conhecer, antes de ser diretor-geral da RSTJ, mais de 60% dos trabalhadores da empresa. Tento ser o mais próximo possível porque são os bons recursos humanos que garantem o sucesso das empresas. No entanto, com tanto dossiê que tenho para resolver ainda estou muito tempo fechado no gabinete. Gosto é de estar no chão de fábrica com as pessoas.
E a relação com os presidentes de câmara? Tenho uma óptima relação com todos o presidentes de câmara.
Ainda nenhum boicotou o seu trabalho? (Risos) Não, de forma alguma. Se isso acontecesse não ficaria aqui.
Voltando aos funcionários. Tendo em conta a exigência do trabalho, acha que são bem remunerados? Claramente que não! Esse é um dos motivos que me fez aceitar o convite. É saber que este tipo de actividade merece que as pessoas sejam reconhecidas, e não falo só no salário, falo em outras condições que poderiam vir a ser implementadas.
Como é o seu dia de trabalho? Faço questão de chegar um pouco antes das oito horas porque gosto de ver as coisas a nascer. Habitualmente começo por tratar das movimentações bancárias. A partir das 10 horas começa o expediente, tudo o que vai acontecendo, como uma avaria de máquina, os processos que temos em curso, entre outros. Faço questão de acompanhar os dossiês de perto para ajudar na tomada de decisão.

Prejuízos eram inevitáveis

Como é que a RSTJ consegue gerar lucro? A RSTJ não tem de gerar lucro. O nosso objectivo é desempenhar as competências que nos são delegadas pelos municípios. Como é que consegue a sua sustentabilidade? Com um bom Estudo de Viabilidade Económica e Financeira (EVEF) e com uma trajectória tarifária sustentável.
Por exemplo, as tarifas dos resíduos passarem a ser pagas directamente à empresa? Isso poderá vir a acontecer no futuro, está definido nas novas directrizes nacionais. A tarifa dos resíduos será desagregada da tarifa da água, assim como um conjunto de alterações nos sistemas de gestão. Terá que haver uma recolha e tratamento dedicado aos bio resíduos. Mas o mais importante para a sustentabilidade da empresa é um bom estudo de viabilidade e termos uma tarifa que consiga cobrir os custos para investimentos e custos correntes.
A cessação de contrato com a Ecolezíria é o principal factor para o resultado negativo de dois milhões de euros da RSTJ? A tarifa que aplicamos está suportada, entre outras, na receita prevista pelo contrato com a Ecolezíria e no tratamento de resíduos com proveniência de grandes produtores. Com o final da execução do contrato e com a entrada em vigor do novo Regime Geral de Gestão de Resíduos, que nos retirou a possibilidade de manter esta receita, prevemos finalizar o ano com um desequilíbrio orçamental. Estamos desde o início do ano a tomar um conjunto de medidas que minimizem o impacto desta não realização de receita.
Estão a estabelecer contratos com novas empresas? Neste momento estabelecemos um contrato de partilha de infra-estruturas com a Tratolixo, uma empresa do concelho de Cascais, para o tratamento de 82 mil toneladas, com a duração de 18 a 24 meses, no valor de três milhões de euros. Não vai ter impacto para já, mas vai ter nos próximos dois anos.
Tendo em conta que a RSTJ deixou de ser a associação Resitejo não devia existir mais meios para cobrar aos devedores? Não sei plenamente como era essa situação mas, nos últimos 10 meses, desde que assumi este cargo, nenhum município falhou com o pagamento.
Na vertente ambiental como é monitorizada uma empresa como a RSTJ? Ao abrigo das licenças ambientais e de exploração há um vasto conjunto de reportes que a RSTJ presta com regularidade quer à APA, à CCDR, IGAMAOT ou à ERSAR. São disso exemplos análises de descargas de efluentes em meio hídrico, quantitativos de resíduos tratados ou com entrada em aterro, indicadores de consumos de combustíveis, entre tantos outros. Para além destas entidades reportamos vários elementos à Comissão de Acompanhamento do Ecoparque e ao município da Chamusca.

Incêndios, acidentes e gestão dos resíduos

Como se explica que a população da Carregueira e do Arripiado não tenham benefícios em termos fiscais ou outros?
Existem benefícios como a criação de emprego e o investimento no comércio local. No entanto, deveriam haver medidas para que a freguesia da Carregueira não seja prejudicada. Tem que ser pensado no futuro, já que não foi pensado na sua génese.
A saúde da população está assegurada? Uma das coisas que me levou a aceitar este projecto foi querer criar os meus filhos na freguesia em que cresci. Nos últimos meses fizemos investimentos com esse fim. Selámos uma das duas células, investimos num novo conjunto de membranas da nossa ETAR, instalámos um sistema de rede de combate a incêndios, que custou um milhão de euros, entre outras medidas correctivas.
Qual é o tempo de vida útil deste aterro? A previsão actual ronda os 8 anos, mas espero que seja bem mais.
Devia fazer-se um melhor aproveitamento dos resíduos? Sem dúvida, mas para isso a estratégia política tem de mudar. Se mantivermos este tipo de políticas, daqui a alguns anos vamos precisar de novas células. Vivemos tempos extraordinários e temos de olhar para os problemas e tentar encontrar soluções. Uma grande percentagem de resíduos que vai para aterro podia ser usado para gerar energia. Libertava espaço, produzia menos CO2, permitia baixar os custos das unidades dos sistemas. Só vejo vantagens.
Ainda há pouco falava dos incêndios. Acontecem com muita frequência na empresa. É um risco inerente à actividade de tratar de resíduos com todo este poder de combustão. Fizemos um investimento de cerca de 1 milhão de euros para a instalação de uma rede contra incêndios que contempla dois tanques anti-sísmicos de 1050 m3, central de bombagem e monitores de água instalados em torres.
Os acidentes de trabalho, alguns mortais, também acontecem com frequência. Podemos melhorar muito as nossas condições de trabalho e estamos a fazê-lo, desde a formação, a alterações internas, embora nenhuma morte pudesse ter sido evitada com estas formações. São episódios trágicos que esperamos que nunca mais voltem a acontecer.

A desfeita da Caixa Agrícola da Chamusca e a nova travessia sobre o Tejo

Durante o seu mandato na junta perdeu o balcão da Caixa de Crédito Agrícola da Chamusca. Não havia outra solução? Essa é uma das minhas grandes mágoas, que não quis contar há pouco. Quem sou eu para fazer juízos de valor sobre decisões de quem quer que seja? Foi uma decisão do Conselho de Administração que, penso eu, não foi minimamente a pensar nos clientes, na população, nos seus estatutos. Na altura fizemos uma recolha de assinaturas que levei para reunir com o Conselho de Administração. Disseram-me que não tinham condições para manter o balcão porque havia prejuízo. Nunca ‘engoli’ essa desculpa, mas não quero entrar por aí.
Pelo menos deixaram cá o multibanco… Não, não deixaram. O município é que paga o multibanco. Nunca fui tão enxovalhado numa reunião como com o Conselho de Administração da Caixa Agrícola. Há uma gritante falta de vontade de zelar pelo bem-estar da população.
Como é que se faz lobby para que o Governo trabalhe para uma nova travessia sobre o Tejo? Antes de mais nada a região ribatejana tem de saber o que quer. Em segundo lugar temos de saber que entre o excelente e o nada é melhor o meio termo. Têm que ser os principais interlocutores da região a falar com o Governo. É a única forma porque há argumentos mais do que suficientes para encontrar uma solução para a nova travessia do Tejo. As filas na Ponte da Chamusca não deviam existir em pleno século XXI.
Os municípios deviam ser mais reivindicativos para garantir o bem estar das populações? Penso que sim. Talvez a delegação de competências venha a ser importante nesse aspecto. Entendo é que cada vez mais o Estado deve descentralizar para quem está mais próximo dos problemas. É preciso delegar e responsabilizar as autarquias, dar-lhes robustez para que possam investir senão dificilmente vamos ter o interior desenvolvido.

“Estar como director-geral não é um tacho”

Tem saudades de ser presidente de junta? Não.
Não esperava uma resposta tão assertiva. Vamos lá arrumar esse assunto de uma vez por todas! Estava no meu último mandato e tínhamos vindo de um dos momentos difíceis, que foi o aparecimento da pandemia. Tinha de trabalhar na empresa, gerir a junta de freguesia e ajudar a minha mulher a cuidar dos nossos filhos. Depois de madrugada ia desinfectar o espaço público. Parecia um filme de terror! Isso acabou por me desgastar. Já não estava feliz e por isso já não conseguia dar resposta às necessidades da população. O Rui Gonçalves (actual presidente) era o meu braço-direito e a melhor pessoa para continuar a fazer o melhor pelas pessoas da Carregueira e Arripiado.
Actualmente sente a população mais distante? Não é a população da Carregueira que está mais distante, eu é que estou mais distante da população. A partir do momento em que saí afastei-me. Precisava de lavar a alma porque também saí com algumas mágoas.
Quer partilhar alguma? Qualquer autarca que vive como vivi a vida da população nunca pode estar satisfeito com algumas coisas que vão acontecendo. Não quero particularizar.
Tinha um índice de popularidade altíssimo. Isso mudou? Não mudei a minha postura com ninguém. Nunca fui uma pessoa preocupada em ser popular. Sempre fui muito preocupado em estar perto das pessoas. Apareceu em O MIRANTE que em plena pandemia fechei o cemitério no Dia da Mãe. Fi-lo sem me preocupar se era uma decisão popular ou não.
Tem receio que as pessoas pensem que a sua nomeação para director-geral da RSTJ seja um “tacho”? Mais uma coisa que não me preocupa absolutamente nada. Acredito que tenha sido nomeado, pelo meu percurso, pelo meu perfil e pelo trabalho enquanto coordenador da Associação Nacional de Freguesias. As listas em Santarém foram sempre construídas por mim, sentado à mesa com todos os partidos políticos. Ninguém ficou de parte. O facto de ser militante do PS não é chamado para aqui.
Está nos planos voltar a ser autarca? Está nos meus planos projectar a RSTJ como referência nacional nos sistemas de gestão de resíduos e dar melhores condições de trabalho aos seus trabalhadores.
Se voltasse a ser autarca gostava de ser autarca num sítio diferente que não a Carregueira? Está a perguntar-me se gostava de ser presidente da câmara? Não penso nisso sequer. É uma resposta sincera, de coração. Se não estiver apaixonado pelo sítio onde estou, procuro outro local.
Tem noção que contribuiu muito a maioria socialista que lidera o executivo da Chamusca? Em democracia os responsáveis pelos governos são as populações.
Nunca teve uma relação fácil e próxima com o presidente Paulo Queimado. É fácil explicar isso. No mandato 2009-2013 o Paulo Queimado já era vereador e eu presidente de junta, fomos mesmo muito próximos e trabalhámos de perto. A partir do momento em que ele foi eleito presidente de câmara, mesmo debaixo da mesma bandeira, cada um começa a puxar a brasa à sua sardinha. Não conheço nenhum presidente de junta que não tenha queixas a fazer do seu presidente de câmara e o contrário. Houve alguns problemas, mas que nunca passaram a pessoais.
Considera que há um défice de infra-estruturas no concelho? Estou a falar de um novo centro de saúde, de umas piscinas municipais, de um bom aproveitamento da zona ribeirinha, etc. Não consigo falar com grande propriedade porque há três anos que estou fora da gestão municipal. Sempre gostei de dar prioridade à valorização das pessoas, ao potencial cultural, dinamizar as associações locais e ter boas infra-estruturas para as pessoas utilizarem. Algumas obras são extremamente necessárias para o concelho nomeadamente as piscinas e o centro de saúde.

O gestor que nasceu dentro de uma gráfica

Joel Marques, 43 anos, é filho de pais emigrantes. Nasceu em França, mas aos três meses regressou a Portugal para se estabelecer na Carregueira, freguesia do concelho da Chamusca, onde vive desde então. O seu percurso escolar foi dividido entre a Carregueira, Chamusca e Torres Novas. Nos tempos livres ajudava os pais na tipografia de que são proprietários há vários anos, a TPM (Tipografia Papelaria Marques). “Nasci no trabalho, dentro de uma gráfica”, confessa com orgulho. Depois de concluir os estudos e ter aprendido o ofício assumiu a gestão da empresa que chegou a ter cinco funcionários. Considera-se um bom gestor de pessoas e negócios, embora afirme que tem “alma de operário” e não se esconde quando tem de arregaçar as mangas e sujar as mãos.
Ao longo da adolescência e princípio de idade adulta, Joel Marques era conhecido pelo seu talento futebolístico. Jogou com o emblema de vários clubes da região destacando o União de Tomar e o Carregueirense, clube onde foi dirigente.
Está há vários anos com a esposa, Marina Sobral. Actualmente a mulher é farmacêutica e faz parte do executivo da Junta de Freguesia da Carregueira, autarquia onde Joel Marques foi presidente entre 2009 e 2021. Juntos têm dois filhos, o Moisés e o Elias. Espírito de sacrifício, lealdade e responsabilidade são alguns dos valores que lhes procura passar todos os dias.
É director-geral da RSTJ desde o final de 2021. Embora o seu cargo exija pulso firme Joel Marques gosta de ser tratado pelos 290 funcionários pelo nome próprio e tem sempre a porta do gabinete aberta. “Estamos todos a remar para o mesmo lado. Preciso deles para fazer bem o meu trabalho, assim como eles precisam de mim. Faz sentido que nos tratemos de igual para igual”, afirma.

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