Entrevista | 30-03-2022 15:00

“Não basta ter uma boa ideia para fazer nascer um negócio”

Rui Pinto é o consultor de estratégia e investimento da Câmara de Azambuja

Rui Pinto é o coordenador da estratégia e investimento da Câmara de Azambuja que apostou numa incubadora municipal. Em entrevista a O MIRANTE diz que conseguir financiamento para um negócio embrionário é como caminhar no deserto e que as empresas precisam que os municípios criem qualidade de vida.

Azambuja assumiu a ambição de ser a capital da logística de distribuição em Portugal e de se tornar um território atractivo para a incubação de empresas. Rui Pinto é o homem que tem estado na frente dessa batalha, enquanto coordenador do gabinete de estratégia e investimento da Câmara de Azambuja e do HubsLisbon Azambuja, a incubadora municipal que é o suporte de 22 novas empresas.
Com pensamento inovador e voltado para a importância de estimular e fixar quadros jovens, Rui Pinto conta a O MIRANTE que o principal desafio dos empreendedores é a falta de capital na fase embrionária do negócio. E é por isso que em cada 10 startups apenas 5% tem hipótese de sobreviver nos três primeiros anos.
Natural de Lisboa e a residir desde 2005 em Azambuja, Rui Pinto colabora com o município há sete anos. Aos 44 anos é pai de três filhos e garante que a sua vida gira à volta daquele concelho porque “ninguém consegue vender um território de forma artificial”. Confessa-se um trabalhador compulsivo por gostar do que faz, mas não dispensa o triatlo, a sua outra paixão.

O que não falta são incubadoras de empresas em Portugal. O que diferencia o HubsLisbon Azambuja? O objectivo de muitas incubadoras de empresas é gerar negócio, mas a nossa mentalidade não é essa. Somos uma incubadora 100% municipal que pretende ganhar com pessoas que queiram vir ou ficar em Azambuja a viver e trabalhar. O negócio do Hubs é gerar conhecimento, oportunidades e desafios.
Quantas empresas têm incubadas? Neste momento temos 22 empresas, ou melhor empreendedores com os quais estamos a trabalhar e a ajudar a fazer crescer o seu negócio. Falamos de pessoas de Azambuja, Caparica, Lisboa, do Minho, Carregado e Santarém. A incubação é virtual, com sede obrigatória em Azambuja, e por 25 euros por mês tem-se uma equipa multidisciplinar a trabalhar pro bono a criar planos de negócio. Depois trabalhamos com proximidade com as pequenas e grandes empresas que já estão sediadas no concelho.
A ideia que passa é que essas grandes empresas vivem numa realidade paralela à de Azambuja. A iniciativa “Pequenos almoços empresariais” veio tentar quebrar a barreira? Azambuja é o braço armado da Lezíria em termos industriais, onde a cada 24 horas passam 10 mil camiões e em três quilómetros quadrados estão 1.200 empresas e trabalham cerca de 9 mil pessoas diariamente. Temos que saber tirar partido disso e criar ligação entre estas empresas, ouvir oportunidades de negócio mas também as suas dificuldades. A verdadeira âncora de qualquer município é o seu desenvolvimento económico, que sem pessoas e empresas não existe.
A maioria dos trabalhadores que trabalham nessas empresas não é nem reside em Azambuja. Como se resolve este problema? De facto apenas entre 10 a 12%  da classe trabalhadora que está na logística é de Azambuja. E penso que o problema vem pelo facto de as pessoas sempre terem olhado para a logística como o parente pobre, com baixos salários, más condições e maus horários. No entanto a logística que temos hoje está voltada para processos inteligentes que exigem um know how [conhecimento] maior. Azambuja é a capital nacional da logística, que necessita de cargos altamente qualificados, desde mecatrónicos, técnicos de segurança, técnicos de dados, cibersegurança, informáticos. Há, portanto, trabalho qualificado a nascer na logística e Azambuja não pode defraudar as expectativas destas empresas que querem continuar aqui e precisam de pessoas.
Está a dar-se cada vez mais importância ao equilíbrio entre vida profissional e pessoal. Azambuja tem conseguido acompanhar esta tendência? Estamos a passar muito rapidamente da Era da robotização para a Era da humanização e a Câmara de Azambuja se não conseguir acompanhar esta tendência vai perder as suas empresas. O que as empresas procuram já não é só um município onde o preço por metro quadrado é mais barato, mas onde existam creches, escolas, oferta cultural e de lazer. E embora Azambuja tenha, por exemplo, o turismo de natureza para oferecer falta actividade cultural pujante e habitação. A geração Z, ao contrário das anteriores, vai ter em média entre seis a dez empregos e não trabalha só para ganhar dinheiro, mas para viver experiências. Nos anos 80 as empresas espremiam as pessoas até ao limite, hoje já se percebeu que a pessoa tem que estar bem para a produtividade ser maior.
Há cada vez mais municípios a apostar em incubadoras próprias que, muitas vezes, acabam por não ter o sucesso esperado. Há uma explicação? Nesta área o fracasso faz parte da aprendizagem. Depois, não sei se há fracasso em incubadoras municipais, mas sei que para funcionarem tem que haver por parte dos executivos o apoio e segurança que permita inovar e às vezes fracassar. Os municípios têm que ser transformadores da sociedade e olhando para Azambuja também não somos um caso de sucesso, mas estamos a trabalhar para isso.

“95% das startups têm o funeral feito em três anos”

O que é preciso para ser um bom empreendedor? Um empreendedor tem que ser extraordinariamente resiliente, não basta ter uma boa ideia para fazer nascer um negócio. Depois, é muito importante ter uma capacidade de iniciativa muito grande para bater a várias portas até que alguém abra.
É esse o maior desafio dos empresários? O maior desafio é conseguir dinheiro para começar o negócio. Se olharmos para os estudos em cada 10 startups, 9,5 têm o funeral feito em três anos. Por isso é que os business angels [investidores individuais] só se começam a interessar pelas startups ao fim de completarem três anos. Até lá o empreendedor tem que fazer um caminho no deserto. Era necessário haver uma componente de financiamento que lhe permitisse dar esse salto. Mas não pode ser uma incubadora municipal a dar um salto no escuro utilizando dinheiros públicos.
O Governo não poderia ajudar a dar esse salto? O Governo ajuda através de apoios. Temos também a Portugal Ventures [capital de risco que investe em startups] mas nem todos conseguem alcançar esses programas. Na maioria dos casos o financiamento vem dos pais porque através de empréstimos bancários o grau de aprovação de empréstimo é baixo.
O sistema fiscal português é amigo dos pequenos e médios empresários? Não. Há algo a fazer na área fiscal, sobretudo para quem está a arrancar com um negócio. É fundamental ajudar a que os nossos jovens possam criar os seus próprios trabalhos. Se olharmos para os países anglosaxónicos aos 16 anos os jovens já têm empresas de garagem e nós ainda lidamos com um problema: fomos aculturados pelos nossos pais e avós para não nos metermos em negócios.
A cultura do medo é o maior inimigo do empreendedor? Do medo do risco. A pessoa até é resiliente mas ouve tantas vezes que não deve ir por ali, que não se deve meter nisso que rapidamente vem o desgaste e deixa cair o negócio.
Em Portugal ainda se aposta pouco no talento? Aposta-se muito, já não estamos de costas voltadas para o talento e neste momento somos um país aberto e criativo. E cada vez mais é importante não territorializar porque a soma das partes é que torna forte uma região e um país. Temos que ser bons vizinhos e ligar para o município do lado quando uma empresa se quer instalar no nosso e não temos o que é pretendido.
O Hubs tem trabalhado para evitar a fuga de talento dos que são de Azambuja? Temos trabalhado, e sobretudo com os jovens, porque um dos objectivos é evitar a fuga de cérebros. Em 2020 criámos a Academia dos Empreendedores para alunos do 12º ano, aqueles que à partida têm bom conhecimento do município e que vão fazer o seguimento dos seus estudos. Cerca de 40 jovens ficaram a saber o que é um plano de marketing, um plano financeiro e criaram as suas ideias de negócio e a nossa missão é continuar pois só seremos um concelho empreendedor quando criarmos um conjunto de dinâmicas que envolvam os jovens e fizermos com que a nossa massa humana fique em Azambuja.
Os cursos Hubs são exclusivos para os que são de Azambuja? Os nossos cursos que vão desde o marketing digital, liderança no trabalho e outras competências necessárias no mundo empresarial são financiados por uma empresa com a qual temos uma parceria e são gratuitos para os formandos e, como tal, são exclusivos para as pessoas de Azambuja.

“95% das startups têm o funeral feito em três anos”

O que é preciso para ser um bom empreendedor? Um empreendedor tem que ser extraordinariamente resiliente, não basta ter uma boa ideia para fazer nascer um negócio. Depois, é muito importante ter uma capacidade de iniciativa muito grande para bater a várias portas até que alguém abra.
É esse o maior desafio dos empresários? O maior desafio é conseguir dinheiro para começar o negócio. Se olharmos para os estudos em cada 10 startups, 9,5 têm o funeral feito em três anos. Por isso é que os business angels [investidores individuais] só se começam a interessar pelas startups ao fim de completarem três anos. Até lá o empreendedor tem que fazer um caminho no deserto. Era necessário haver uma componente de financiamento que lhe permitisse dar esse salto. Mas não pode ser uma incubadora municipal a dar um salto no escuro utilizando dinheiros públicos.
O Governo não poderia ajudar a dar esse salto? O Governo ajuda através de apoios. Temos também a Portugal Ventures [capital de risco que investe em startups] mas nem todos conseguem alcançar esses programas. Na maioria dos casos o financiamento vem dos pais porque através de empréstimos bancários o grau de aprovação de empréstimo é baixo.
O sistema fiscal português é amigo dos pequenos e médios empresários? Não. Há algo a fazer na área fiscal, sobretudo para quem está a arrancar com um negócio. É fundamental ajudar a que os nossos jovens possam criar os seus próprios trabalhos. Se olharmos para os países anglosaxónicos aos 16 anos os jovens já têm empresas de garagem e nós ainda lidamos com um problema: fomos aculturados pelos nossos pais e avós para não nos metermos em negócios.
A cultura do medo é o maior inimigo do empreendedor? Do medo do risco. A pessoa até é resiliente mas ouve tantas vezes que não deve ir por ali, que não se deve meter nisso que rapidamente vem o desgaste e deixa cair o negócio.
Em Portugal ainda se aposta pouco no talento? Aposta-se muito, já não estamos de costas voltadas para o talento e neste momento somos um país aberto e criativo. E cada vez mais é importante não territorializar porque a soma das partes é que torna forte uma região e um país. Temos que ser bons vizinhos e ligar para o município do lado quando uma empresa se quer instalar no nosso e não temos o que é pretendido.
O Hubs tem trabalhado para evitar a fuga de talento dos que são de Azambuja? Temos trabalhado, e sobretudo com os jovens, porque um dos objectivos é evitar a fuga de cérebros. Em 2020 criámos a Academia dos Empreendedores para alunos do 12º ano, aqueles que à partida têm bom conhecimento do município e que vão fazer o seguimento dos seus estudos. Cerca de 40 jovens ficaram a saber o que é um plano de marketing, um plano financeiro e criaram as suas ideias de negócio e a nossa missão é continuar pois só seremos um concelho empreendedor quando criarmos um conjunto de dinâmicas que envolvam os jovens e fizermos com que a nossa massa humana fique em Azambuja.
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