Entrevista | 30-08-2022 12:01

“Não me vou desculpar com o passado para não fazer obra”

Sónia Sanfona foi eleita presidente da Câmara de Alpiarça em Setembro do ano passado após vários anos como vereadora da oposição

Esta entrevista com Sónia Sanfona decorre no gabinete da presidência onde as janelas para a rua se estão a desfazer e a tinta das paredes está a cair, o que é só um sinal da desorganização que herdou da gestão comunista.

Ainda há obras importantes a fazer em Alpiarça? Já inaugurou algumas obras que vieram do mandato anterior, há outras do anterior mandato que estão a decorrer. Ficou sem obras para o PS apresentar no mandato? Faço questão de fazer as coisas que acho que Alpiarça deve ter, não são obras de regime. Não tenho essa vaidade. Há obras que fazem falta e vou procurar fazê-las, mas é porque acho que são úteis à população, não é porque queira ficar eternizada por causa de uma obra.
Que obras quer fazer? Gostaria de juntar as escolas no mesmo espaço físico de maneira a libertar a EB1 para fazer uma creche pública e melhorar o pré-escolar. E pretendo reabilitar os antigos paços do concelho, onde está a GNR, porque também vai ser feito um novo posto. Esse edifício vai ser um museu da história de Alpiarça. O espaço tem as antigas celas da PIDE, por baixo, que são visitáveis. Queremos fazer nesse espaço uma homenagem ao povo alpiarcense.
E com isso fica com os seus objectivos cumpridos para o mandato? Não! O parque industrial tem de ser mexido, tem que ser recuperado, tem de se criar condições para atrair empresas. É preciso implementar uma estratégia local de habitação para que quem não tem condições possa ter em casas dignas, mas também para permitir fixação de jovens e de novas famílias no concelho. É preciso fazer a manutenção e a recuperação da rede viária. É preciso ser feita uma intervenção no Parque do Carril, que pode ser uma grande âncora para atrair visitantes. Vamos concretizar o projecto da reserva do Paul da Gouxa, que está com uma candidatura aprovada e criar um parque temático.
Fora as obras o que tem para melhorar? Estamos a certificar do ponto de vista energético todos os edifícios públicos porque era impossível candidatá-los a projectos de eficiência energética. Quando cheguei os algerozes do edifício da câmara não eram limpos há anos e havia já infiltrações. No gabinete da presidência a minha mão passava nas frestas da janela que estão podres. Não sei como é que se deixam chegar as coisas a este ponto e não se faz o mínimo, mas percebi que o gabinete também não era muito ocupado. Também tivemos de fazer uma intervenção de reabilitação nas piscinas onde os filtros não eram mudados desde que lá foram colocados.
Com esse cenário, se alguma coisa correr mal pode sempre desculpar-se com o passado. Nunca farei aquilo que se fazia que era atirar as culpas de uma determinada situação para não se fazer. Há um período para falarmos de quem nos antecedeu, para explicarmos às pessoas o que é que encontrámos e julgo que ainda estou nesse período. Não me sirvo disso para dizer às pessoas que não vou fazer. Vou fazer. Se calhar é precisamente por causa disso que tenho que ser capaz de fazer. Não é andar 12 anos a desculpar-me com uma situação que encontrei anteriormente. Se não fui capaz de a resolver o que é que estive aqui a fazer?

DÍVIDA À FUNDAÇÃO JOSÉ RELVAS JÁ COMEÇOU A SER PAGA
A câmara tinha um processo em tribunal por causa de não transferir as receitas dos legados para a Fundação José Relvas. Já resolveu a situação?
A câmara perdeu esse processo, entretanto recorreu e perdeu o recurso. A dívida está vencida, estamos a falar de uma dívida que ronda os 500 mil euros. O tribunal reconheceu aquilo que os próprios legados diziam. A camara é uma mera administradora dos bens legados, só tem a parte negativa basicamente, que é a de administrá-los. Tiradas as despesas, os proveitos têm que ser entregues à associação José Relvas que é aquela que preconiza a obra assistencial que o senhor José Relvas deixou.
Como é amiga do presidente da fundação, Rosa do Céu, a filha dele é vereadora e representante da câmara na fundação, vai ser fácil resolver a situação. Não é assim, não misturamos as coisas. A situação vai-se resolver naturalmente, como se resolvia se fosse outro executivo. Chegámos a um entendimento para pagar a dívida. Entregámos uma parte do dinheiro que tínhamos, porque havia uma parte daquele dinheiro que estava cativo numa conta dos legados, e comprometemo-nos a pagar o restante, só com juros vencidos, até ao final deste ano.
O facto de a sua vereadora ser filha do presidente da fundação não lhe levanta uma questão de incompatibilidade? A vereadora representa a câmara no órgão executivo da fundação. A vereadora transmite a posição do município. A posição é aqui discutida por nós. O município é basicamente uma espécie de fiscalizador. Se houver uma decisão que o conselho de administração queira tomar e que o município entenda que põe em causa o espírito do testamento de José Relvas ou que põe em causa os objectivos da fundação o município tem direito de veto.

“Nunca pensei que a Câmara de Alpiarça estivesse tão desorganizada”

O facto de ter passado pela administração do Hospital de Santarém ajudou na eleição, pelo menos pela mudança da imagem que tinha no concelho onde, admite, as pessoas achavam que era fria, distante e pouco emocional. Aquele cargo mostrou a sua maturidade política. Esta entrevista decorre no gabinete da presidência onde as janelas para a rua se estão a desfazer e a tinta das paredes está a cair, o que é só um sinal da desorganização que herdou da gestão comunista. Tinha a ideia de que havia coisas que não estavam bem, mas ficou surpreendida quando, garante, ainda não conseguiu ver uma coisa que estivesse exactamente bem feita. Com um parque de máquinas miserável, viaturas de recolha do lixo a avariarem porque estão a cair de podres, projectos de obras com defeitos, como o da escola secundária que não previa uma intervenção no refeitório que tem somado multas da ASAE por não ter as mínimas condições, trabalho não falta à nova presidente que vai encontrando várias vicissitudes. Como a de ter de pagar meio milhão de euros à Fundação José Relvas das receitas dos legados, que não eram transferidas há anos, e que levou a autarquia a ser condenada em tribunal. Já conseguiu mudar algumas coisas, a começar pelo horário de trabalho dos trabalhadores que era único nos municípios do país e que prejudicava os interesses da câmara.

Tentou várias vezes ser presidente de camara. O que é que se conjugou desta vez para ganhar as eleições? Sou a mesma pessoa, mas todos nós ao longo do tempo vamos ganhando experiência, maturidade. Desta vez julgo que consegui juntar uma equipa de pessoas muito credíveis e competentes na sua vida pessoal e que amam a sua terra. Alguns deles prescindindo de uma vida financeiramente melhor. Preparámos um plano eleitoral e fizemos uma proposta aos alpiarcenses muito séria, muito preparada e conseguimos transmiti-la melhor do que nas outras vezes. Explicámos as nossas intenções e o que gostaríamos de mudar.
E o desgaste da gestão anterior da CDU não conta? Tem de se juntar aqui um fim de ciclo político. Isso acontece inevitavelmente em todas as eleições. O desgaste de quem está no poder também contribui de algum modo para que as pessoas queiram mudar os destinos do concelho. Seria hipócrita dizer que não. Apesar de o anterior presidente não se poder recandidatar, esteve envolvido na campanha, foi candidato à assembleia municipal, os vereadores que estavam antes estiveram envolvidos na campanha. O cansaço do poder acontece inevitavelmente e acontece a toda a gente.
O facto de ter estado na administração do Hospital de Santarém deu-lhe uma melhor imagem perante a população de Alpiarça? Directamente não teve influência. Indirectamente, na imagem que as pessoas teriam de mim, pode ter influenciado.
Qual é que acha que era a imagem que as pessoas tinham de si? Penso que achavam que era uma pessoa distante, fria, menos emocional. Mas as pessoas perceberam que sou espontânea. Não sou falsa, nunca fui. As pessoas que me conhecem sabem que sou leal, profundamente leal, e faço questão de ser. Não sou muito efusiva, é verdade. Não tenho nem nunca teria hábitos de passar as minhas tardes num café, de sair para tudo o que são eventos. Tenho um feitio, se calhar, um pouco mais inibido do que outros políticos, mas não sou de todo uma pessoa distante e fria. Sou até bastante emotiva e emocional na minha vida.
Agora já tem de se habituar a ser mais simpática, cumprimentar toda a gente por onde passa… Isso não é um sacrifício para mim. Gosto de estar com as pessoas, gosto de conviver. Sou muito simples nos meus gostos, não sou de grandes exigências. As pessoas precisam, julgo, e é legítimo que queiram isso, de algumas garantias. Quando nos candidatamos a um lugar temos de ter condições para o ocupar. Antigamente se calhar não era assim. Bastava ser uma pessoa simpática, que andasse nos cafés, que andasse a bater nas costas das pessoas e muito sorridente. Se calhar dantes bastava ser popular. Agora as pessoas são mais exigentes e acho bem que sejam. Se calhar, o facto de ter passado pela administração do hospital demonstrou às pessoas que tinha condições para estar num lugar de responsabilidade.
Também tirou partido do facto de ser mulher… O Ribatejo é um território ainda muito marialva e há sempre receio das pessoas acharem que não temos fibra para aguentar o barco. Mas o facto de ser mulher contribuiu para uma imagem junto da população de vontade de mudar, de fazer coisas novas e sobretudo de reconhecerem essa capacidade.
Foi a Sónia que escolheu a sua equipa ou teve imposições do partido? Fui eu que escolhi toda a minha equipa, nunca tive imposições do partido em coisa alguma, antes pelo contrário. Devo dizer que tive todo o apoio da estrutura federativa do partido e da estrutura nacional.
Desde que entrou em funções o que é que já mudou no funcionamento da câmara? Quando nos primeiros dias tomei consciência do que era a câmara tive uma surpresa bastante desagradável. Tinha a noção que as coisas não tinham corrido bem, não estavam a correr bem, não estavam bem organizadas, mas não tinha a noção que a desorganização era tão grande.
Desorganização em que aspecto? Não encontrei nada que estivesse exactamente bem feito. Desde o horário dos trabalhadores, que era único nas câmaras do país, em que os funcionários trabalhavam em jornada contínua. A jornada contínua implica menos uma hora de trabalho por dia e um período contínuo de trabalho ao longo do dia. O primeiro impacto quando iniciei funções foi chegar às 15h00 ou 15h30, precisar de alguém para resolver assuntos e tratar de coisas e não ter ninguém disponível. Isto é inconcebível. Reuni com o sindicato para mudar o horário e foram os delegados sindicais que me confirmaram que Alpiarça era o único município que tinha todos os funcionários em jornada contínua.
Essa foi a situação que mais a chocou? Antes fosse, que essa foi simples de mudar. Tínhamos aqui muitas situações complicadas. Obras que estavam a chegar ao fim com trabalhos a mais sem financiamento prévio, obras que não estavam minimamente em condições. O centro de recolha de animais tinha um gatil que não estava coberto por cima, então os gatos fugiam, não estava previsto uma zona de escoamento das águas nem equipamento mobiliário, tal como não estava para as escolas. A obra da escola EB1 estava terminada sem equipamentos na candidatura e o mesmo acontece com a secundária, não tinha equipamentos, não tinha intervenção no refeitório.
Isso acontecia porquê? Acho que era preciso fazer as obras, mas não era preciso fazê-las em condições porque a expectativa era que iam continuar a gerir a câmara.
Foi uma acomodação, na sua perspectiva? Foi um descontrolo, foi uma acomodação, foi uma falta de rigor no acompanhamento das coisas. Na obra da escola secundária tivemos de canalizar para o projecto mais 800 mil euros, que fomos buscar a outro projecto que achámos que não devia avançar, que não tinha mérito, que era o do Eco Parque dos Patudos, onde iam fazer pesqueiros na barragem, uma praia artificial e mais um bar. Foi o que nos permitiu dotar a escola de climatização, que não constava do projecto. A requalificação do refeitório, que conseguimos agora incluir, era fundamental porque é o único refeitório que consegue produzir refeições para todo o agrupamento e estávamos a ser multados pela ASAE por falta de condições.
Mas no caso da escola secundária a culpa também era do Ministério que permitiu falhas no projecto. A câmara fez uma candidatura e o ministério assumiu uma participação, mas o projecto das obras foi mandado fazer pela câmara. Reunimos com a empresa de arquitectura que ganhou o concurso e o que nos disseram foi que a gestão CDU mandava cortar coisas no projecto que era apresentado. Fizeram um projecto minimalista que não contemplava a resolução de problemas de uma escola que foi inaugurada em 1978.
Cancelou o projecto dos Patudos. Aquele espaço da barragem não merece também um investimento? A informação que tínhamos era que para escolas não ia haver nem iam abrir mais linhas de financiamento e por isso desviámos o dinheiro para a escola. Mas para projectos de recuperação ambiental, do turismo, da intervenção do espaço exterior estava previsto financiamento através do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).
E já tem alguma ideia do que pretende fazer na barragem dos Patudos? Estamos a trabalhar no sentido de fazer a limpeza do fundo da barragem, que nunca foi feita, e depois de promovermos uma forma de fazermos a sua manutenção em termos de caudal de água. Queremos fazer uma reabilitação daquela zona toda, que inclui o parque de campismo, uma parte da reserva do cavalo e parte da reserva do Paul da Gouxa. Queremos ter um campismo com outra visão, criar um parque aventura que permita a existência de um campo de férias. Queremos fazer as coisas de uma forma integrada.
A praia artificial não seria uma boa ideia para o turismo local? Dificilmente faremos praias artificiais ou outras coisas desse género porque as questões da água são mais do que evidentes.

Máquinas velhas e piscinas a serem cheias com água da rede

Porque é que a Câmara de Alpiarça pagava tanta água à empresa Águas do Ribatejo? Porque todos os espaços verdes do município e as piscinas municipais eram abastecidas com água da rede pública. Isto implicava uma factura para o município que era, comparativamente com os outros municípios da Águas do Ribatejo, a maior. A câmara estava a usar água da rede para encher o tanque exterior das piscinas municipais. Todos os anos no Verão a empresa tinha de ligar para a câmara a pedir para desligar a rega dos jardins se não as pessoas não tinham água em casa. O que fizemos foi aproveitar um furo que tínhamos fora da rede pública e fizemos uma canalização que permite abastecer as piscinas, o espaço verde do Largo Salgueiro Maia, e estamos a fazer a ligação para regar os espaços verdes da zona da escola secundária. Os bombeiros também abasteciam as viaturas de combate a incêndios na rede pública.
A maquinaria do município é suficiente para as necessidades? O parque de máquinas é miserável. A retroescavadora, por exemplo, está avariada dia sim, dia não. Assim temos muitas dificuldades em fazer obras por administração directa. Temos um problema grave com a recolha dos resíduos porque temos dois carros velhos, um que já se comprou durante os últimos mandatos em segunda mão e cheio de problemas, o outro que tem mais de 30 anos. Já tivemos de alugar uma viatura de recolha porque os dois carros estiveram inoperacionais. Não esperava que estivesse tudo novo e tudo em muito boas condições, mas esperava que tivesse havido alguma preocupação de manutenção ao longo dos anos.
Porque é que não entram para a empresa intermunicipal Ecolezíria, como Almeirim e Coruche? Pedimos um estudo de impacto e de viabilidade à Ecolezíria relativamente à nossa adesão à recolha em baixa. Estamos a aguardar esse estudo. É uma possibilidade e provavelmente não seremos os únicos.

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