Entrevista | 25-06-2022 10:00

“O que se passa no rio Nabão é um caso de polícia”

Hugo Costa é presidente da Assembleia Municipal de Tomar e não coloca fora de hipótese, um dia, ser presidente da Câmara de Tomar

Hugo Costa, 38 anos, é presidente na Assembleia Municipal de Tomar, deputado na Assembleia da República e líder distrital de Santarém do Partido Socialista. Para trás deixou uma carreira profissional, primeiro ligada à consultoria, depois à banca, acabando na área da energia e ambiente. Foi adjunto da actual presidente da Câmara de Tomar e não coloca fora de hipótese exercer o cargo no futuro. A despoluição do rio Nabão e a regionalização são dois assuntos que o preocupam e que defende com “unhas e dentes”.

Hugo Costa nasceu há 38 anos na aldeia de Cabeças, União de Freguesias de Tomar. É filho de uma operária de fábrica de fiação e de um mecânico de automóveis, que combateu na Guerra do Ultramar. Desde pequeno que, juntamente com o irmão Ricardo Costa, assumiu o compromisso de ter uma vida mais estável financeiramente e que tirasse dos ombros dos pais o peso da responsabilidade de “ser alguém na vida”. Fez o secundário na área económico-social, na Escola Secundária Jacome Ratton, em Tomar, onde participou em várias manifestações de estudantes e até chegou a fechar a cadeado os portões da escola. “Sempre senti necessidade de tentar mudar a sociedade para melhor”, afirma, nesta entrevista a O MIRANTE.
Seguiu para Lisboa e foi estudar Economia para o Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG). No ano em que entra para a universidade a mãe é internada com um problema oncológico, situação que, diz, marcou a sua vida porque sentiu ainda mais responsabilidade em trabalhar para atingir os seus objectivos. Fez parte da Juventude Comunista Portuguesa mas, ao entrar para o ISEG, aproximou-se de um conjunto de pessoas ligadas ao Partido Socialista, como Duarte Cordeiro e Pedro Nuno Santos, actuais ministros do Governo liderado por António Costa.
Quando termina a faculdade, em 2005, vai trabalhar para uma consultora internacional. Fica como coordenador da Juventude Socialista e é eleito, pela primeira vez, deputado municipal em Tomar. Um ano depois foi convidado para integrar o secretariado nacional da JS e abraça um projecto na área da banca durante três anos. Antes de se dedicar à política a tempo inteiro, como assessor do grupo parlamentar do PS, trabalhou no sector da energia e do ambiente. Em 2013 Anabela Freitas é eleita presidente da Câmara de Tomar e chama-o para seu adjunto, cargo que desempenhou até 2015, quando foi eleito deputado à Assembleia da República pelo círculo de Santarém.
Nesta entrevista Hugo Costa mostra-se como é: reservado nas questões pessoais, mas com uma opinião bem formada sobre questões estruturantes e que marcam a agenda política regional e nacional. A conversa começa com uma afirmação que espelha a sua postura na vida: “todas as perguntas têm resposta”.

Como vai a sua vida amorosa?

(Risos) Gosto de zelar pela minha vida pessoal, por isso falo pouco dela, para me proteger a mim e aos que me são próximos. Mas posso dizer-lhe que estou bem e com boas expectativas para o futuro.
Se convidasse o primeiro-ministro para vir a Tomar onde o levava? O Convento de Cristo é passagem obrigatória. Depois levava-o a passear à beira do rio Nabão, caminhar no centro histórico, visitar o Aqueduto dos Pegões ou a Sinagoga. Felizmente há muita coisa para ver. Também gosto de mostrar a albufeira de Castelo do Bode.

São sítios bonitos, mas não têm sido suficientes para fixar população. Qual tem sido o problema?

São necessárias medidas que atraiam pessoas, que criem emprego e que permitam habitação. Parece simples, mas conseguir isto é muito difícil.

A economia do concelho está demasiado dependente do turismo?

Tomar tem um centro histórico único e que é diferente dos outros centros históricos do país porque temos Património Mundial da Humanidade e temos a marca templária. Penso que o turismo é muito positivo porque traz emprego. No entanto, acho que Tomar deve ter também uma forte perspectiva empresarial. Historicamente tem uma importância industrial grande, mas o mundo de hoje não é o mundo de há 50 anos e não podemos defender qualquer tipo de indústria só porque sim. Acho que ninguém quer uma indústria poluidora no concelho de Tomar.

Tomar tem aproveitado bem o financiamento comunitário?

Sou daqueles que acredita que não se deve candidatar a fundos comunitários só porque eles existem. Durante alguns anos houve essa lógica e historicamente não aproveitámos bem. Basta pensar que temos uma taxa de saneamento abaixo dos 70%, porque não se aproveitou no momento certo os fundos comunitários para resolver os problemas. Hoje já se aproveita melhor, nomeadamente através de mecanismos intermunicipais. É importante que os nossos autarcas tenham capacidade para serem ouvidos em Lisboa, onde está o Poder Central.

Porque é que ainda não se conseguiu resolver o problema com a Tejo Ambiente?

A questão da água e do saneamento é um problema de base. A água é um bem escasso e o preço é regulado por entidades reguladoras. O primeiro Estudo de Viabilidade Económica e Financeira da Tejo Ambiente ter falhado em 30/40% demonstra muita incompetência de quem fez esse estudo. Acredito que a Tejo Ambiente tem os seus prossupostos positivos, nomeadamente na capacidade de fazer investimento, como está a ser feito no saneamento e na despoluição do rio Nabão. Acredito nas empresas intermunicipais, mas elas têm que servir as pessoas e ter eficiência.

As empresas intermunicipais têm pouca proximidade com as pessoas?

Isso é responsabilidade dos autarcas que fazem parte dessas empresas. Têm que garantir que as empresas respondem como se fosse o município.

O rio Nabão está sempre na ordem do dia por causa dos episódios de poluição.

Honestamente, penso que é uma vergonha assistirmos a descargas que poluem o rio e não haver punição para quem comete esses crimes ambientais. Não há muitas cidades que tenham um rio a atravessá-la e Tomar precisa do Nabão para se diferenciar. Há muita gente a aproveitar-se dessas descargas poluentes. É um problema de polícia.

Esses e outros problemas poderiam ser resolvidos com a regionalização?

Sou totalmente a favor da regionalização. Portugal é um dos poucos países da Europa que não está regionalizado. A necessidade de existir um poder intermédio, e não ser tudo decidido no Terreiro do Paço, é fundamental porque fomentava a coesão territorial. A regionalização pode trazer mais desenvolvimento, pode trazer mais capacidade do país crescer de forma conjunta.

Também concorda com a criação da NUT II, com Oeste, Lezíria e Médio Tejo?

Fui o primeiro subscritor no Parlamento do projecto de resolução do PS sobre essa medida. Temos um problema na nossa região de falta de unidade; é necessário que a região não continue entre várias CCDR, entre vários planos operacionais de fundos comunitários. É fulcral para o seu desenvolvimento.

Faz mais sentido para Tomar pertencer ao distrito de Santarém ou a Castelo Branco?

A Santarém, claramente. Mas é preciso alterar e congregar todo o distrito na mesma situação e não continuar a dividir o distrito. Quando, a nível administrativo, parte do distrito está no Alentejo e a outra parte no Centro, não há força suficiente, nem mecanismos, para desenvolver o território.

O Ribatejo é uma região do interior?

Não gosto do conceito de interior, acho que não faz sentido nenhum. Madrid é uma cidade interior e é das mais desenvolvidas do mundo. Dizer que Tomar está no interior, quando está a 60km do litoral, a 120km de Lisboa e a 200km do Porto, é uma parvoíce.

Presidente da Câmara de Tomar? “Nunca se pode dizer nunca”

Está no primeiro mandato como presidente da Assembleia Municipal de Tomar. Foi vontade sua?

Enquanto presidente da distrital do PS desde 2020 quis dar o exemplo. Só o poderia fazer se me candidatasse para a presidência da assembleia municipal no meu concelho. Quem me conhece sabe que não tenho medo de desafios, de lutas e gosto de dar o exemplo. Seria mais fácil não me expor ao escrutínio público, mas decidi ir em frente.

Está feliz com a escolha?

A vida política obriga a colocar de parte algumas questões da vida familiar e pessoal, mas não me arrependo de nada. Quem está na política tem de aprender a conciliar todos os momentos.

Como é que se aprende a fazer essa conciliação?

Gestão de tempo. Procuro dedicar sempre uma parte dos dias à minha função de presidente da assembleia municipal; de terça a sexta-feira estou nas funções de deputado da Assembleia da República. Ainda tenho a parte académica, em regime pós-laboral, mas sobretudo tenho feito um trabalho interior para ter mais tempo para mim e para os outros.

Qual a função que mais gosta de exercer?

Ser deputado é uma enorme responsabilidade, por representar a região. Ser presidente da assembleia municipal é uma enorme responsabilidade por representar o concelho. Na minha forma de ver o trabalho, vejo-as como funções complementares.

O que mudou desde que assumiu a presidência da assembleia?

Mudámos o regulamento para que os pequenos partidos tenham mais tempo de intervenção, porque acredito que todos têm que ter tempo para dizerem o que pensam. Começámos a fazer conferências para debater temas interessantes, como a justiça, saúde e ambiente. Foram criadas seis comissões representativas da assembleia municipal. Decidi fazer assembleias descentralizadas e vai haver pela primeira vez uma assembleia municipal sobre o estado do concelho. No fundo, estou a aproximar a assembleia municipal da população.

As assembleias municipais são desvalorizadas?

Acho que as assembleias municipais devem ter mais meios, mais capacidade de intervenção e mais poder de decisão, e também mais apoio técnico. Não se pode esperar que um deputado municipal tenha a capacidade de olhar para um orçamento em poucos dias. Acho que as assembleias municipais são um órgão importantíssimo de fiscalização das câmaras municipais, mas acredito que precisam de mais meios e de alguma alteração nos seus funcionamentos.

Tem boa relação com todos os eleitos?

Tento ser o mais imparcial possível. Naturalmente fui eleito por um partido, e não escondo a afectividade e a lealdade que tenho para com ele. No entanto isso não pode interferir com a função para a qual fui eleito pelos tomarenses. Claro que há críticas, mas lido muito bem com elas. Faz parte da democracia.

O PSD tem perdido as recentes lutas políticas em Tomar. É mérito do PS?

O PSD governou a câmara municipal, a assembleia municipal e a maioria das freguesias do concelho durante muito tempo. Julgo que esses 16 anos e os erros desse período foram julgados em 2013 quando o PS vence as eleições e o PSD tem resultados muito baixos. A partir daí acredito que o mérito é de quem está na câmara municipal e tem feito um trabalho que merece a confiança dos munícipes. O concelho de Tomar está mais bem posicionado a nível nacional e regional.

É amigo do peito da presidente da câmara?

Sou amigo da Anabela Freitas. Conversamos várias vezes e discutimos problemas da autarquia com bastante frequência. Nunca concordamos em tudo, mesmo quando fui adjunto dela não concordávamos em tudo.

Gostava de ser presidente da Câmara de Tomar?

Não é algo que esteja na minha cabeça actualmente, mas na vida política não se pode dizer nunca. Do ponto de vista técnico estou preparado para isso. Do ponto de vista da experiência acho que preciso de mais uns bons anos.

O que pensa dos autarcas da região?

Considero que, regra geral, temos bons autarcas. Acredito que os 21 presidentes de câmara do distrito, independentemente da sua cor política, fazem o melhor que podem e conseguem. Agora, se me disser que os autarcas de hoje não são os autarcas de há 20 anos, é verdade. Nem o podem ser porque as competências mudaram e a forma de fazer política também mudou. Os nossos autarcas têm que ter capacidade de se unirem em defesa de projectos que são importantes para a região e não cada um defender apenas os interesses imediatos do seu concelho.

“Um bom autarca tem de ser reivindicativo“

O que mais o irrita nos debates parlamentares?

Demagogia, mentira e populismo. E muitas vezes os temas serem trabalhados de uma forma superficial e não serem aprofundados.

Há alguém que não suporte?

Não. Todos os 230 deputados que foram eleitos pelos portugueses têm o direito de lá estar. Posso discordar muito deles, mas não levo nada para o foro pessoal porque estamos a fazer política. Não evito a troca de olhares com ninguém e cumprimento toda a gente.

Com quem tem melhor ligação?

A Mara Lagriminha e o Francisco Dinis porque também são da minha geração e foram companheiros de outras lutas. Também tenho uma excelente relação com o actual secretário-geral adjunto do PS, João Torres.

Senta-se à mesa com ministros?

Não costumo conviver à mesa com políticos, em regime informal. Como já lhe disse, dou-me muito bem com o Duarte Cordeiro e com o Pedro Nuno Santos. Com o primeiro-ministro António Costa tenho uma relação mais institucional.

Gostava de ser ministro ou secretário de Estado?

Acredito que as coisas aparecem naturalmente e se trabalharmos para elas. Sempre trabalhei e sempre gostei de dar o exemplo pelo trabalho e não por outro tipo de questões. Gosto de ser conhecido como uma pessoa que trabalha e que conhece bem os dossiês.

Os deputados eleitos pelo distrito de Santarém estão a fazer um bom trabalho?

Acredito que os nove deputados eleitos pelo distrito, dentro daquelas que são as suas visões diferentes, defendem o que eles acreditam ser o melhor interesse para a região. Naturalmente que ter 9 é diferente de ter 20. No meu caso, já levantei a questão do rio Nabão, dos financiamentos aos politécnicos, da conclusão do IC3. Às vezes é difícil passar a mensagem para fora e não estou a dizer que a culpa é da comunicação social. Se calhar a culpa é nossa.

Gosta mais de lidar com autarcas, deputados ou ministros?

Lido bem com os três sectores. Tenho um grande respeito pelos autarcas, são pessoas que dão a cara todos os dias pelos concelhos. São os primeiros a tentar encontrar solução para os problemas. Um bom autarca tem de ser reivindicativo. A relação com os deputados é uma relação inter pares. A relação com os ministros é uma relação de trabalho, mas mais distante. Eles sabem que vou sempre defender os interesses da região e demonstrar-lhes a importância dos temas e dos problemas.

Custa-lhe criticar uma medida do Governo?

Já o fiz e vou continuar a fazer sempre que não concordar.

Fez amigos na política?

Atendendo que grande parte do dia passo a tratar de assuntos políticos, tenho alguns amigos na política.

Está desiludido com a política?

Seria impossível estar desiludido com a política fazendo o trabalho que faço. Acredito que é sempre possível melhorar a política e trabalho para isso.

Questionário de Proust

Qual é a característica que mais aprecia em si? Vontade e motivação para o trabalho.
E a que menos gosta? Sou muito tolerante. Gostava de ser mais “azedo” de vez em quando (risos).
Como está o seu estado de espírito? Optimista.
Tem muitos amores na vida? Tenho muitas coisas que gosto de fazer e pessoas de quem gosto.
Já teve muitos desgostos de amor? Vivo sem grandes problemas.
Qual é a palavra que mais usa no dia-a-dia? “É o que é”! Se está resolvido, está resolvido.
Qual é o pecado a que não resiste? Doces.
Qual é a sua maior extravagância? Não sou pessoa de extravagâncias. Gosto do equilíbrio.
Qual é o livro da sua vida? “100 Anos de Solidão”.
E o filme? “Cinema Paraíso”.
Tem heróis na vida real? Há pessoas que admiro mas não são ídolos.
Custa-lhe pedir desculpa? Não.
E agradecer? Também não.
Qual é o seu maior arrependimento? Ter-me preocupado demasiado com o que as pessoas diziam em alguns momentos da vida.
E a maior conquista? Ainda me falta conquistar muita coisa, mas sinto orgulho por, tendo nascido nas Cabeças, já ter alcançado estabilidade profissional e pessoal, sem ter passado por cima de ninguém.

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