Entrevista | 05-09-2022 10:00

Rio Maior desperdiça todos os anos milhares de dormidas que prejudicam economia local

Sérgio Ferreira é o presidente da Associação Empresarial do Concelho de Rio Maior

Sérgio Ferreira, presidente da Associação Empresarial do Concelho de Rio Maior (AECRM), garante não perceber nada de política e recusa ter ambições nesse domínio, mas é mordaz nas críticas que tece à Câmara Municipal de Rio Maior, com quem a AECRM manteve um litígio a propósito dos destinos da Escola Profissional de Rio Maior, de que ambas as entidades são accionistas.

Numa entrevista em que se debruça sobre os principais desafios que o tecido empresarial riomaiorense enfrenta Sérgio Ferreira acusa o executivo municipal de ter feito pouco pelas empresas, durante a pandemia, aponta o dedo às dificuldades estruturais e financeiras da DEPOMOR e alerta para a falta de estratégias integradas para o turismo e o desporto no concelho. E avisa: as associações empresariais do distrito de Santarém e do Oeste estão a unir esforços para ganhar mais força na região. A falta de unidades hoteleiras levou o dirigente a confirmar o que já se sabia: a DESMOR não tem resposta suficiente para milhares de pedidos de estadia que acabam por prejudicar a economia local e só responsabilizam os políticos no poder.

O tempo de pandemia tem sido muito difícil para as empresas. Como é que o tecido empresarial riomaiorense se aguentou durante a pandemia? Rio Maior não foi diferente de qualquer outra cidade. Temos um parque empresarial pouco digitalizado e essa foi a principal dificuldade. Ninguém estava preparado para isto. Houve empresas que encerraram, principalmente na zona mais antiga da cidade, mas também empresas que se adaptaram bem.
As medidas de apoio de que beneficiaram foram suficientes? Só medidas avulso que não beneficiaram todas as empresas. Houve isenções de taxas, mas nem todas as empresas estavam abrangidas. Foi feito pouco pelas empresas do concelho.
O que é que faltou? Podíamos ter copiado os bons exemplos dos concelhos vizinhos. Em Rio Maior houve uma isenção do pagamento da água. O problema é que, passado 90 dias, a factura veio. Não foi uma isenção de pagamentos, foi um adiamento. Há certas despesas fixas da parte do Estado ou do município que poderiam ter sido evitadas. Temos uma política de reacção em todo o lado. Não há qualquer planeamento ou estratégia para o que vamos fazer daqui a dois anos. Por exemplo, a Câmara de Rio Maior apresentou um plano estratégico, que tem ideias boas, mas não é um plano que esteja adaptado a esta nova realidade. Devia ser mais bem coordenado com quem está no terreno. E o plano estratégico teve a participação de algumas empresas, mas são empresas que não têm dificuldades.
O grosso do tecido empresarial do concelho foi deixado de lado? Uma empresa que não passa dificuldades ou que não foi afectada pela pandemia não vai ter de sair da caixa para fazer um plano estratégico. As empresas que passaram e ainda passam dificuldades é que deviam ter sido ouvidas. Creio que as medidas apresentadas nesse plano estratégico foram pouco práticas e pouco incisivas a respeito dos temas que realmente preocupam as empresas.
Qual é o retrato actual do tecido empresarial em Rio Maior? Em Rio Maior, cerca de 85% do nosso tecido empresarial é composto por pequenas e micro empresas. Depois temos, talvez, 10% de empresas de média dimensão e 5% de grandes empresas, ligadas à indústria, sobretudo. As grandes empresas são poucas, mas a verdade é que há concelhos que não as têm e nós temos aqui várias.
Rio Maior é um pólo atractivo e competitivo para as empresas nomeadamente face a outros concelhos da região? Há uns anos nasceu um sonho em Rio Maior que foi o parque de negócios. Mas a DEPOMOR, empresa que gere o parque de negócios, enfrenta graves dificuldades estruturais e financeiras. E onde há dívidas não é possível ser-se competitivo. Hoje em dia, para uma empresa se instalar em Rio Maior o preço do metro quadrado é caro. E isso deve-se à dívida que foi criada na DEPOMOR. Os apoios que existem também são pouco divulgados. Mais de 60% das empresas de Rio Maior não conhece o programa RM Investe. É um óptimo mecanismo, mas falha se não chegar às empresas. Depois, Rio Maior tem uma localização privilegiada, mas tiramos pouco partido disso.
Têm-se perdido boas oportunidades? Há uns meses acompanhei a prospecção de um grupo espanhol que pretendia investir em Rio Maior. Estamos muito bem localizados e tiramos pouco partido disso. Sei que há duas ou três empresas que estão em Aveiras de Cima e que eram para estar aqui e não percebo o porquê. No mínimo, poderá não ter sido um processo muito bem conduzido.
Em que pé está a situação da instalação da fábrica da Generis em Rio Maior? A Generis adquiriu o terreno, mas passado pouco tempo veio a pandemia, o que obrigou todas as empresas a repensar estratégias. Mas ainda acredito que vamos ter aqui a Generis.

Salinas são um património único

Há uma estratégia para o turismo no concelho de Rio Maior? Ou há mais-valias que estão desaproveitadas, nomeadamente na questão das Salinas? Nos últimos anos a situação melhorou muito. Por exemplo, vejo no vereador que tem o pelouro do Turismo, Miguel Santos, que há uma vontade legítima de querer fazer mais. Mas vontade todos temos, depois o que falta é a execução. O que se passa nas Salinas é que há mais de 20 anos há um Plano de Pormenor para ser implementado. E isso não pode acontecer: no Algarve, Nazaré ou Peniche, por exemplo, os Planos de Pormenor tiveram de ser alterados quando foi necessário para a promoção do Turismo. Mais recentemente, foi muito bem trabalhada a adesão das Marinhas do Sal à rede Aldeias de Portugal. Mas falta perceber-se realmente que as Salinas são um património que não há em mais lado nenhum.
Falta, por exemplo, alojamento para aquela zona? Para trazermos uma unidade hoteleira com média capacidade temos de ter a tal estratégia que falta. Não podemos dizer que 10 mil visitantes por mês nas Salinas é a mesma coisa que algumas centenas de visitantes por mês. Com esses dados convencemos um grupo hoteleiro muito mais facilmente do que com os dados que temos agora em cima da mesa. Temos uma rejeição de dormidas altíssima no Centro de Alto Rendimento da DESMOR. Antes da pandemia havia cerca de 3 mil dormidas negadas porque não tinha capacidade de alojamento para essas pessoas. Isto devia dar que pensar a quem de direito.
A estratégia para o desporto em Rio Maior inclui a criação de valor para as empresas? Posso dar o meu exemplo. Há seis anos decidi lançar uma loja de desporto em Rio Maior. A realidade não foi fácil porque o desporto, em Rio Maior, ainda gera pouco volume. Para termos melhores preços temos de comprar muito, mas depois o nosso mercado não absorve essa quantidade. Falta uma estratégia de fundo, integrada. E também há pouca divulgação, fora das redes sociais. Se queremos projectar as mais-valias que temos a nível desportivo temos de fazê-lo noutros meios para chegar a outras localidades.
A AECRM tem quase 80 anos. Porque é que o papel da associação continua a ser premente? Quando cheguei à AECRM, em 2018, vi uma associação completamente estagnada. Tínhamos 112 sócios. Actualmente já ultrapassámos os 350. A associação não dava formação. Hoje em dia já começámos a fazer formação até fora do concelho nomeadamente no Cartaxo. Actualmente somos uma Entidade Prestadora de Apoio Técnico (EPAT) e, no concurso, ficámos em primeiro lugar nacional. Esse é o caminho que queremos trilhar porque uma associação empresarial tem de se focar na ajuda aos empresários. E não estou a falar só da AECRM, mas também de todas as outras associações congéneres. Temos iniciativas conjuntas, novos projectos, sobre os quais não posso adiantar muito, mas que em breve divulgaremos.
O que é que nos pode revelar sobre essas iniciativas? No distrito de Santarém e nos concelhos do Oeste as associações empresariais estão mais unidas do que nunca e esse é um problema. Não sei para quem, mas vai ser um problema porque juntas têm mais peso. Em breve vai haver novidades para mostrar essa união. Aí não teremos só a força da associação empresarial de Rio Maior, teremos atrás de nós a força de todo um território para, no mínimo, termos de ser levados em conta.
Como é que antevê o seu futuro? A minha vida profissional vai continuar, mas não tenho quaisquer ambições políticas. Esta associação teve um problema no passado: muitos dos que por aqui passavam eram candidatos a alguma coisa. Defendo que enquanto a AECRM for trampolim para alguma coisa nunca será uma associação empresarial. Tudo o que aí vem no futuro está estruturado para permitir às associações envolvidas prestar um melhor serviço. Um serviço que não é centrado na política, mas sim nas empresas.

A ignorância no que toca à política é uma bênção

Como é que estão as relações da AECRM com a Câmara de Rio Maior? Já demonstrei junto do presidente da câmara a nossa total disponibilidade para colaborarmos. Não estou a dizer para sermos ajudados. Porque a colaboração institucional nada tem a ver com qualquer outra situação que aconteça. E quer se queira quer não a associação empresarial tem um papel no concelho e não acredito que alguém consiga alterar essa situação pelo menos enquanto eu aqui estiver. Mas para haver essa colaboração é como no tango: tem de haver vontade de ambas as partes.
Não há vontade da Câmara de Rio Maior? O meu problema é não perceber de política. Isto tudo por causa de uma situação, a meu ver, ridícula, que se passou na Escola Profissional de Rio Maior (EPRM). Era preciso uma solução para a escola e ninguém encontrou uma solução em três anos. Desde que cheguei à direcção da AECRM insistimos que esse problema tinha de ser resolvido e apontámos um caminho, que foi sendo negado, por diversas vezes, em assembleia-geral. A câmara escolheu um caminho que para nós não era viável: colocar a EPRM nas mãos de quem não era do concelho. Porque não tentar primeiro cá? Arranjar, à partida, uma solução de fora, não me parece indicado. Mas no fim disto tudo qual é a solução que a escola tem? Duas empresas do nosso concelho entraram no capital da EPRM. Não era mais fácil ter feito esta prospecção de início e o problema ficava logo resolvido? Porque é que isso não foi feito?
Devolvo-lhe a pergunta: porquê? Não faço ideia. Mas que é muito estranho, é. Uma das empresas até constava de uma proposta apresentada pela AECRM em assembleia-geral. Só posso pensar que é uma situação semelhante ao que por vezes vemos acontecer na Assembleia da República: quando é outro partido a apresentar uma proposta é chumbada. Quando é o Governo a apresentar a mesma coisa, mas com duas vírgulas diferentes, é aprovada. A minha dificuldade é perceber pouco de política. Mas garanto: a ignorância é uma bênção, no que toca à política. Enquanto andarmos todos iludidos e satisfeitos com a pouca alpista que a política dá aos canários corre tudo bem. O pior é quando as pessoas se querem debruçar nos problemas.
Agora parece-lhe que a EPRM está num bom rumo? A EPRM está num óptimo rumo. O problema de base de sustentabilidade da escola está resolvido. Quanto à escola ter mais capacidade, angariar mais alunos e alcançar outra projecção há vários factores que têm de ser definidos e acredito que com os dois novos sócios da escola isso vai acontecer. Estamos a falar de duas grandes empresas do concelho que têns noção do que se poderá melhorar ou manter na escola.
Diz que não gosta de política e não tem ambições políticas. O que é que o moveu para aceitar este desafio? Antes de me candidatar à presidência da AECRM fui contactado por alguns empresários que tinham vontade de que isto andasse para a frente, para que tivéssemos uma associação que realmente prestasse um serviço às empresas. Os meus objectivos para esta associação estavam bem definidos e o principal era que a AECRM fosse financeiramente independente. Enquanto não se alcançar essa independência financeira é difícil perder a motivação.

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