Entrevista | 10-03-2022 08:30

“Rui Rio disse que já não era útil ao PSD; e agora não sai para ser útil ao PS?”

Miguel Relvas

Rui Rio nunca provou o sabor da vitória em eleições como presidente do PSD durante as últimas quatro eleições em que foi líder dos social-democratas. Miguel Relvas chama-lhe “coxo” e tem dúvidas sobre a sua permanência no partido admitindo que a sua teimosia em se manter ao leme pode esconder interesses estranhos e duvidosos.

O MIRANTE foi à conversa com Miguel Relvas, uma figura incontornável da vida política dos últimos 30 anos, que foi secretário geral do PSD no tempo de três líderes (Durão Barroso,  Pedro Santana Lopes e Pedro Passos Coelho), deputado, secretário de estado e ministro por duas vezes. A conversa que reproduzimos faz parte de uma longa entrevista que publicaremos na edição impressa de O MIRANTE do próximo dia 17, onde conversamos sobre as principais questões políticas e pessoais que marcaram o seu percurso. Os problemas na liderança do seu partido servem de mote para despertarmos o interesse por uma entrevista em que Miguel Relvas assume que se sente cada vez melhor no papel de senador, mas que quer continuar a ajudar o PSD a renovar-se para continuar a ser uma referência na vida política portuguesa e no governo de Portugal.

Rui Rio simboliza no PSD a azinheira que já não sabe a sua idade?

Rui Rio foi líder do PSD quatro anos, teve quatro derrotas em eleições nacionais. Nunca provou o sabor da vitória. Rui Rio vai deixar o PSD muito pior do que quando o recebeu. Pior que isso: a sua liderança não só não foi capaz de somar eleitoralmente, como foi delapidando valores dentro do PSD fazendo exclusões. Um grande partido une e federa. Essa é a grande diferença entre os grandes partidos e os pequenos. Os grandes partidos aglutinam, federam linhas de pensamento, posicionamentos políticos. A verdade é que o próximo líder do PSD vai ter um trabalho mais difícil pela frente porque Rui Rio vai deixar o partido mais coxo, a exemplo da sua liderança igualmente coxa.  

Como é que se tira de lá o homem? 

Naturalmente e com tempo. Não consigo encontrar uma razão para que isso ainda não tenha acontecido. Rui Rio reconheceu que não era mais útil ao PSD, então porque é que ainda lá está? Quer ser útil ao PS? Não há outra interpretação depois do que ele disse na noite das eleições. Prolongar o seu mandato só pode ser por razões estranhas aos interesses do partido. A verdade é que o PSD hoje é um partido mais pequeno do que aquele que ele herdou. A verdade é que o Partido Socialista ganhou uma maioria absoluta, depois de seis anos de governo, o que é demonstrativo do erro político, do posicionamento político que o PSD teve ao longo dos últimos anos.  

Muitos defendem que a atual geração de políticos é a mais bem preparada de sempre. Se é assim porque é que Portugal continua na cauda da Europa? 

A afirmação é verdadeira, mas está desfocada da realidade. Hoje os melhores não vão para a vida política, seguem a sua actividade profissional. A vida pública é muito escrutinada e não é propriamente uma área onde se pague bem, pelo contrário, paga-se muito mal e isso é razão para que os melhores optem por ficar de fora da política.

Já era assim há 20 anos. 

Não, houve uma inversão. Hoje, o salário de um ministro ou de um deputado é inferior àquele que era há 15 anos. Não é de bom tom dizer que os titulares de cargos públicos e cargos políticos ganham mal. Não é popular mas é a verdade; e vamos pagar caro por isso. Não podemos querer a ganhar tostões pessoas que gerem milhões. Esta é a questão. Gerem o nosso bem comum, o futuro do nosso país, da nossa terra, do nosso concelho. Acho que essa é uma avaliação que as democracias ocidentais têm de fazer. O populismo não se combate com mais populismo. Deve-se encontrar um modelo em que os salários dos políticos tenham em conta o que eles ganhavam nas suas profissões.

É por isso que os Ministros mandam menos que os presidentes dos IEFPs e de outros organismos públicos? A falta de lideranças políticas resolve-se com dinheiro?

A vida profissional no sector privado é muito mais aliciante nos dias de hoje, muito mais desafiante do que a vida pública. Tenho pena porque eu sou de uma geração de grandes políticos. Não sou nada saudosista, mas lembro-me bem do tempo em que fui eleito deputado pela primeira vez; só ao fim de 6 meses é que me aproximei da primeira fila do Parlamento. Hoje quem vai para deputado no segundo dia vai falar sentado na primeira fila. Lembro-me com respeito dos deputados que se sentavam nesses lugares, do PS ao PCP, ao CDS e ao PSD, e só via grandes figuras da sociedade portuguesa. Em relação aos dias de hoje a diferença é abissal. Por isso é que pagamos caro na qualidade da governação e da oposição ao governo. Em 1986 quando fui deputado pela primeira vez, as pessoas importantes da vida pública queriam ser deputados. Hoje não é assim. Cada um que tire as suas conclusões, mas na minha opinião o acesso ao Parlamento está mais facilitado a pessoas sem qualidade políticas à altura dos desafios que temos pela frente.

Estamos a falar de tempos em que o espírito da Revolução de Abril ainda movia moinhos

Aprendi muito com esses dirigentes políticos, que tinham uma visão para o país, e era um tempo em que se dialogava, criavam entendimentos, os acordos não eram vistos como cedências. Hoje vivemos um tempo mais revanchista, um tempo de redes sociais, onde há pouco tempo para refletir, menos tempo para dialogar, para defender o interesse público, procura-se uma disputa em vez de se procurar um entendimento. 

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