Entrevista | 07-03-2022 18:00

Edição Semanal. “Tem havido tolerância com alguns atropelos urbanísticos no Entroncamento”

Carlos Matias diz que a perda de uma deputada por Santarém é um assunto encerrado

Fundador do Bloco de Esquerda e durante muitos anos um dos rostos mais conhecidos do partido na região, Carlos Matias foi deputado por Santarém entre 2015 e 2019, na legislatura da ‘geringonça’, e autarca na Câmara e Assembleia Municipal do Entroncamento em diversos mandatos. Continua na política activa mas não disfarça o desencanto com as opções do partido. Deixa também críticas à gestão socialista da Câmara do Entroncamento.

“O futuro já!” foi o mote da campanha do BE no Entroncamento durante as últimas autárquicas e os resultados mostraram que o futuro não se apresenta risonho para o partido…

O futuro não se apresenta risonho para o partido nem se apresenta risonho para os portugueses em geral…

O que é que pretendiam comunicar com esse mote?

O que pretendíamos transmitir é que há opções que, no caso concreto do Entroncamento, a autarquia devia tomar já, porque são prementes para defender o futuro. Por exemplo, adoptar medidas de preservação ambiental e contribuir para a mitigação das alterações climáticas. Aumentar a arborização, reduzir os consumos de água, fazer esse tipo de alterações que hoje são bastante evidentes e têm que ser feitas já.

O BE escolheu um rosto novo no Entroncamento. Foi um erro apostar num candidato pouco conhecido na política local?

Não. Foi um candidato que nos deu todas as garantias e que respondeu muito bem às necessidades.
Mas faltou ser eleito que, se calhar, era o mais importante… Claro! Mas nós tivemos candidatos muito conhecidos, por exemplo em Torres Novas, que também não foram eleitos. Não foi o facto de se ser mais conhecido ou menos conhecido que conduziu ao resultado que tivemos. Tudo tem um princípio e um fim e há sempre um momento em que é preciso lançar pessoas novas. O Álvaro Góis foi um bom candidato, é uma pessoa com grande capacidade.

É plausível extrapolar que parte dos votos que o BE perdeu no Entroncamento foi para o Chega?

Não sei, não tenho esses elementos, não posso concluir isso…

Henrique Leal e Carlos Matias têm sido as figuras de proa do BE no Entroncamento mas desta vez não foram cabeças-de-cartaz. Foi opção própria?

Foi opção própria e opção do BE. Achámos que devia haver uma renovação. Fizemos o nosso papel durante muito tempo e é altura de emergirem pessoas novas. Temos pessoas com grande capacidade, casos da Maria do Céu Carvalho, que foi cabeça-de-lista à assembleia municipal, e do Álvaro Góis. São pessoas que garantem a renovação e o futuro do BE.

Se essas pessoas não conseguirem afirmar-se junto do eleitorado pondera voltar à linha da frente?

Estou convencido que vão afirmar-se.

O que pensa da gestão do socialista Jorge Faria à frente da Câmara do Entroncamento?

Tem tido aspectos positivos e negativos. Em áreas como as da Cultura e Social têm havido lacunas, assim como em intervenções estruturais. Lembro que o PDM do Entroncamento continua por aprovar. Tem também havido tolerância em relação a alguns atropelos urbanísticos. Basta ver os casos do Burger King ou da implantação de bombas de gasolina no tecido urbano. Reconheço que tem um lado positivo, que tem sido uma gestão financeira bastante controlada.

Perda de vereadores reduz capacidade de intervenção

Previa o descalabro que se registou com as votações do Bloco de Esquerda (BE) nas últimas eleições autárquicas e legislativas?

Previa uma derrota significativa. Havia muitos sinais. A linha política era errada. Nós concordámos com o acordo que deu origem à geringonça. Foi uma solução que, naquelas circunstâncias, era a adequada para pôr travão à ofensiva do Governo do PSD e CDS contra os trabalhadores e que provocou uma austeridade enorme. Acontece que, por volta de 2018, quando o acordo da geringonça estava praticamente cumprido, percebeu-se que o Partido Socialista deixou de aceitar propostas do BE.

Começou a haver um afastamento entre os aliados?

Não foi um afastamento entre aliados, o PS deixou de aceitar qualquer proposta do BE e, nessa altura, tínhamos de nos afirmar como força alternativa ao PS. Essa proposta foi feita na comissão política e não foi sequer a votos. O que se começou a assistir de então para cá foi a uma subordinação completa da linha política e da intervenção política do BE ao PS. Era uma estratégia com uma derrota anunciada.

A perda de vereadores em municípios como Entroncamento, Abrantes e Torres Novas foi um rude golpe na consolidação do partido nesta região?

Evidentemente que sim, porque diminui a capacidade de intervenção do BE.

O BE pode estar a caminho da irrelevância política nesta região?

Não creio. Continuo a pensar que é um partido que faz falta, tem o seu espaço político e nas circunstâncias actuais, no quadro que se antevê, de grandes dificuldades para quem trabalha, um BE com as suas propostas claras, alternativas e radicais, no sentido de ir ao fundo dos problemas, é um partido que faz falta. E um partido que faz falta não está condenado à irrelevância. Pelo contrário!

Como analisa a perda da deputada por Santarém?

Fabíola Cardoso não foi a melhor escolha para cabeça-de-lista? Não gostaria de falar muito sobre isso, é um capítulo encerrado. No processo de escolha, uma grande maioria do BE no distrito de Santarém, quer em 2019 quer em 2021, quis outros cabeças-de-lista. E a direcção nacional continuou a impor outro nome, de uma forma bastante centralizadora e, a nosso ver, anti-democrática. Obviamente que isso criou dificuldades na campanha.

Houve menos envolvimento por parte de algumas pessoas nomeadamente do senhor?

Não creio que fosse muito bem-vindo à campanha uma vez que fui rejeitado. Até podia ser mal entendido o meu envolvimento numa campanha, onde, como nunca me foi transmitido porque fui afastado, até poderia ser dito que a prejudicava.

“Há camaradas meus que foram perseguidos”

Isso aconteceu nas legislativas de 2019. Já fez as pazes com os dirigentes do partido?

Não estou zangado com ninguém. Trata-se de diferenças políticas e estas resolvem-se dentro do partido. Pena é que a maioria da direcção nacional evite tudo para debater política e coloque muitas vezes a questão no plano, até, da perseguição pessoal.

Sentiu-se perseguido?

Eu não, mas há camaradas meus que foram perseguidos.

Essas decisões contraditórias da direcção nacional do BE em relação às escolhas da estrutura distrital foram uma falta de respeito pelas bases?

Obviamente! Ao contrário do que tem sido dito os estatutos do partido nem foram cumpridos.
A sua camarada e ex-deputada Helena Pinto, de Torres Novas, diz que foram… A Helena Pinto pode dizer o que quiser. Os estatutos não foram cumpridos. Os estatutos dizem que a mesa nacional do BE decide os cabeças-de-lista mediante proposta das assembleias distritais. Portanto, a mesa nacional não tem capacidade propositiva, quem a tem são as assembleias distritais. O que a mesa nacional fez foi assumir uma competência que estatutariamente não tem, que é propor uma alternativa.
Situação que teve reflexos na campanha eleitoral. Muitos camaradas sentiram que o seu voto foi rasgado e não se sentiram entusiasmados para participar numa campanha em que a sua vontade foi espezinhada.

Insegurança e racismo no Entroncamento

Como morador no Entroncamento e como cidadão, como avalia a situação que se tem vivido nos últimos tempos, com alguns episódios de violência, de insegurança…

A percepção de insegurança existe no Entroncamento e há problemas nesse campo. Isso exige a tomada de algumas medidas. É inexplicável que continue por construir uma esquadra que está prometida há muitos anos. Enquanto fui vereador na câmara municipal conheci pelo menos três projectos. O então ministro Eduardo Cabrita garantiu-me que 2019 ia ser o ano da construção da esquadra do Entroncamento. Disse-me isto cara a cara quando eu era deputado. Percebe-se que tem havido desinvestimento nas forças de segurança. Assim como tem que haver mais efectivos e polícia de proximidade.

Sente-se uma certa clivagem na comunidade…

Os problemas de insegurança são reais mas, a nosso ver, têm sido muito inflaccionados por um discurso racista nomeadamente nas redes sociais. Achamos que esse racismo, esse estímulo ao ódio a uma etnia, não contribui nada para resolver os problemas de segurança. Pelo contrário, só contribui para agravar o clima de insegurança que as pessoas vivem.

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