Entrevista | 19-01-2022 10:00

Trincão Marques: há pessoas que dependem dos partidos políticos para sobreviverem

Trincão Marques: há pessoas que dependem dos partidos políticos para sobreviverem

José Trincão Marques é conhecido por ser um homem discreto, bom comunicador e ter uma postura firme e determinada no exercício da profissão e na política.

José Trincão Marques é conhecido por ser um homem discreto, bom comunicador e ter uma postura firme e determinada no exercício da profissão e na política. O advogado, que também é presidente da Assembleia Municipal de Torres Novas, recebeu O MIRANTE na sua casa, em Pedrógão, para uma conversa há muito tempo adiada tendo como plano de fundo as serras de Aire e Candeeiros. Considera que os autarcas do concelho devem fazer mais pela promoção do património natural de Torres Novas; afirma que os focos de poluição na ribeira da Boa Água, pela Fabrioleo, e o fecho do acesso à nascente do rio Almonda, pela Renova, podiam ter sido resolvidos com bom senso e diálogo. Nesta entrevista defende ainda mais poderes para as assembleias municipais, diz que os tribunais administrativos e fiscais são uma vergonha para o país e que os autarcas da região são o espelho da nossa sociedade.

Vai para o terceiro mandato como presidente da Assembleia Municipal de Torres Novas. Gosta mais de exercer política ou advocacia?

Gosto de desempenhar o cargo de presidente da assembleia municipal. É um órgão fiscalizador da câmara e acho muito importante para a gestão da autarquia. Tenho muito cuidado para ser o mais transparente e imparcial possível. Não é por acaso que as nossas reuniões foram das primeiras do país a serem transmitidas na internet, para aproximar os eleitos dos eleitores. Neste município há uma maioria absoluta, mas a oposição tem os mesmos direitos. 

O que mudou desde que assumiu a presidência?

Não parece, mas já faço parte da assembleia municipal há duas décadas e já fui líder da bancada do PS. Lembro-me que as reuniões eram muito informais, as pessoas de partidos diferentes misturavam-se com o público e os jornalistas. Mas dou mesmo muita importância ao facto de estarmos ‘abertos’ para todos os munícipes que queiram saber quais os assuntos que estão a ser discutidos pelas pessoas que elegeram.

As assembleias municipais são desvalorizadas?

Penso que sim e por isso defendo mais poderes para as assembleias municipais. Há um livro recente, publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, que fala sobre o Poder Local e de que forma pode ser enriquecido através do reforço dos poderes. Curiosamente, as questões das taxas e dos impostos são dos poucos casos em que a assembleia pode alterar a proposta da câmara. Temos um bom sistema comparado com outros países, mas há espaço para melhorar.

Tem boa relação com todos os eleitos?

Do meu ponto de vista, sim. Nos primeiros meses em que deixei de ser líder de bancada para ser presidente notei que havia algum desconforto. Actualmente, as relações são boas porque só assim podemos trabalhar em prol do concelho. 

Como é voltar a ter de lidar com o antigo presidente da câmara António Rodrigues?

Trabalhei com António Rodrigues na altura em que era presidente do município. Tínhamos uma boa relação. Digo tínhamos porque o António Rodrigues decidiu afastar-se do Partido Socialista e desde há algum tempo que não falo com ele.

O movimento independente liderado por António Rodrigues foi quem mais apostou, até financeiramente, na campanha eleitoral. Acha que a sua candidatura contribuiu para a maioria absoluta do PS?

Sinceramente, acho que sim. Em termos relativos, a oposição sofreu mais desgaste com a candidatura de António Rodrigues do que o Partido Socialista, algo que não achei surpreendente.

Há três décadas que o PS comanda a autarquia. Por que é que os eleitores continuam a confiar no partido?

Por causa das pessoas que o representam! Sou um defensor convicto da democracia e por isso vou sempre respeitar a vontade popular. Se o PS está há tantos anos na liderança é porque a maior parte da população se identifica com as pessoas e com os programas.

É amigo do peito do presidente da câmara?

Sou amigo de Pedro Ferreira como sou de outras pessoas de outros partidos. Sou uma pessoa que, por natureza, não cultiva inimizades. Sou firme, há quem diga até que sou rígido nas assembleias, mas é só enquanto elas duram, porque depois gosto de conviver informalmente.

OS AUTARCAS DA REGIÃO SÃO O ESPELHO DA SOCIEDADE

O que pensa do autarcas da região?

Conheço bem os autarcas do Ribatejo, principalmente os do Médio Tejo. Gosto particularmente do trabalho que a presidente da Câmara de Tomar, Anabela Freitas, e o presidente da Câmara de Coruche, Francisco Oliveira, têm realizado nos seus concelhos.

Não tem mais nada para acrescentar?

Os nossos autarcas são o espelho da sociedade que temos. Infelizmente há muita gente com valor a afastar-se da política porque os partidos se fecham. É fundamental haver abertura para se conseguir captar pessoas novas e não serem sempre as mesmas. Há um grave problema de dependência do exercício dos cargos políticos para a sobrevivência de algumas pessoas. Há pessoas que só sobrevivem agarradas ao aparelho partidário e isso não é bom para a imagem dos partidos.

Como presidente da Assembleia Intermunicipal do Médio Tejo agrada-lhe a ideia de ter uma NUT II para Oeste, Lezíria e Médio Tejo?

A NUT II tem a vantagem de dar escala e poder reivindicativo a uma região que está difundida. Quanto maior for a área geográfica das entidades administrativas maior poder reivindicativo tem a região.

Qual o interesse em haver esta confusão administrativa?

Não vejo como uma questão de interesse, mas sim uma questão de inércia. Sou um defensor da regionalização que, de certa forma, já existe, mas está desconcentrada. Uma coisa é a desconcentração de poderes, em que quem manda é Lisboa, que nomeia os representantes para mandarem em determinado território; outra coisa é a verdadeira descentralização, onde são delegadas competências a determinadas pessoas que são eleitas pelas populações. Recordo que a regionalização está prevista na constituição desde 1976.

Com a regionalização deviam ser constituídos novos órgãos administrativos?

A meu ver, se houver uma regionalização descentralizada, as CCDR deixam de ter razão de existir. Isso responde àqueles que dizem que a regionalização é só para criar mais uns tachos. Saem de lá os que estão nomeados directamente pelo Governo e são colocados outros nomeados pelo povo. Prefiro alguém escolhido pelo povo do que escolhido directamente pelo Governo.

TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS SÃO UMA VERGONHA PARA O PAÍS

Como avalia o desempenho dos tribunais administrativos e fiscais?

De certa forma são uma vergonha para o país. A justiça em Portugal, regra geral, funciona bem, mas a demora que existe nesses tribunais é exagerada. São um dos cancros do nosso sistema judicial. Por outro lado, também existe a chamada desjudicialização. Acreditou-se que privatizando determinadas funções, que eram dos tribunais de soberania, os tribunais funcionariam melhor. Foi pior a emenda que o soneto. Nem ficou mais barato nem ficou mais rápido. Há cerca de dois anos o Governo reconheceu o erro e reverteu essa decisão.

Justifica-se ter um tribunal em vários concelhos ou é melhor ter apenas um que resolve as situações, mesmo que se tenha de ir mais longe?

Como é que pessoas de Alcanena vão para Santarém com a escassez de transportes públicos que existe? Tenho tido julgamentos na Golegã, por exemplo, apesar do tribunal estar fechado. Há que fazer uma reavaliação constante dos sítios onde há movimento suficiente para justificar a abertura de um tribunal ou não. Uma coisa é certa, se retiram competências aos tribunais eles deixam de ter razão de existir.

Como é que vê a actuação de alguns colegas seus de profissão que fazem da justiça um palco mediático?

Para se prestar declarações sobre um processo pendente é necessário ter a autorização da Ordem dos Advogados. Acho que essas declarações públicas prejudicam o desenrolar do processo. Às vezes é difícil conciliar o tempo da justiça e o da comunicação social.

Têm existido uma série de casos de corrupção mediáticos. A corrupção é um fenómeno transversal e irreversível?

No tempo de Salazar também havia corrupção, só que não era escrutinada. Quanto mais democrático é um regime mais fenómenos de corrupção existem. Também há quem defenda o contrário. No meu ponto de vista, vai sempre existir corrupção e há que ter ferramentas para a combater.

Há uma cultura de impunidade e de amiguismo que tem atrasado o desenvolvimento do país?

Essa cultura sempre existiu. Agora é mais visível porque a comunicação social tem um papel fundamental e importantíssimo no combate à corrupção.

O poder político é forreta com a justiça?

Já escrevi um artigo sobre isso que incidia exactamente no ponto em que o principal problema da justiça em Portugal era a falta de recursos humanos e materiais. Entendo que esse aspecto deveria ser melhorado, mas não somos um país rico. Os problemas resolvem-se, não só com investimento em recursos humanos e materiais, mas também em novos procedimentos, novos métodos administrativos e mais organização sabendo à priori que a perfeição é inatingível.

Fecho do acesso à nascente do Almonda pela Renova resolve-se com diálogo

Gostava de ser presidente da Câmara de Torres Novas?

Não é assunto que se coloque neste momento porque também ainda não surgiu essa oportunidade. Tenho a minha profissão e para ser presidente de câmara deixava de a ter. Actualmente consigo desdobrar-me porque há apenas cinco sessões de assembleia ordinárias por ano e mais uma ou outra extraordinária.

O que vê quando olha para o concelho de Torres Novas?

Vejo um concelho com potencialidades riquíssimas na área do ambiente. Já dei o exemplo que vou dar agora, mas nem sempre sinto que sou ouvido. Às vezes parece que estou a pregar no deserto. O que é que distingue o concelho de Torres Novas dos concelhos limítrofes? Santarém e Almeirim são conhecidas principalmente pela sua agricultura; Tomar é conhecida pela marca templária; Alcanena pelo sector da pele e Ourém pelo turismo religioso. Em Torres Novas há três áreas protegidas pela Unesco: o Parque Natural da Serra de Aire e Candeeiros, com zonas do maciço calcário ainda totalmente virgens; temos das maiores reservas de água do país, onde nasce o rio Almonda, que é um corredor ecológico importantíssimo que vai desaguar a outra reserva protegida, o Paul do Boquilobo. Penso que muito mais pode ser feito para promover estas riquezas naturais.

Como ambientalista criticou muito a poluição da ribeira da Boa Água. Aplaudiu o encerramento da Fabrioleo?

Aplaudo qualquer medida que combata a poluição. Na Boa Água, a solução encontrada foi prejudicada devido à demasiada mediatização que houve por parte de várias forças políticas. De repente começaram a aproximar-se as eleições e só um ou dois partidos é que se mantiveram fiéis à despolitização dessa luta ambiental, que era um objectivo comum. Cheguei a ir ao gabinete do secretário de Estado e do ministro do Ambiente com membros de todos os partidos, para mostrar que estávamos todos de acordo. Quando se começaram a aproximar as eleições, começou a haver aproveitamentos daqui e dali.

Houve falta de fiscalização?

Na lei quem é que tem poderes para fiscalizar? É a câmara ou é a APA? Outra questão é saber se a legislação ambiental se aplica. Na minha opinião existem instrumentos legais ambientais para se combater o problema da poluição. Houve gente, nomeadamente aqui em Torres Novas, que quis ir por outro caminho. A legislação ambiental resolveria mais facilmente o problema. Para fazer uma demolição pode haver recurso para o tribunal administrativo e fica no tribunal administrativo seis ou sete anos, ou dez ou vinte.

O acesso público à nascente do Almonda continua vedado pela Renova. Como presidente da assembleia municipal o que tem a dizer sobre o assunto?

Não há dúvida nenhuma que o recurso hídrico é publico, seja a nascente, seja o leito, seja a margem. Penso que mais do que uma questão jurídica é uma questão que se pode e deve resolver politicamente. Como? Falando com a Renova e tentando arranjar uma solução que permita que os cidadãos possam usufruir da nascente respeitando também a propriedade privada.

Há falta de coragem política para realizar esse diálogo?

Não lhe sei responder objectivamente. Penso que a própria empresa teria vantagens em entrar nesse diálogo e fazer algumas cedências porque acho que há argumentos jurídicos bastante fortes de ambos os lados. Há acórdãos com pescadores em questões de acesso às margens, em que há tribunais que entendem que deve haver acesso às margens independentemente da vontade dos proprietários e outros dizem que não, que o proprietário é que tem de dar autorização a não ser que fosse uma situação de interesse público. O que é importante sublinhar é que o valor daquela nascente é de tal ordem que justifica que se arranje uma solução para as pessoas poderem usufruir daquilo que lhes pertence naturalmente.

A influência do pai Carlos Trincão Marques e a passagem pelo PCP 

Teve uma infância feliz?

Nasci em Coimbra porque os meus pais estudavam lá, mas a minha infância foi passada no Bairro das Tufeiras, em Torres Novas, num ambiente de muita brincadeira e alegria. O meu pai e o meu avô eram de Riachos e também exerceram advocacia. Antes disso, o meu pai foi Procurador da República uns dois ou três anos e isso obrigou-nos a viver em Ponte de Sôr e na Golegã. Só quando tinha três anos é que nos fixámos definitivamente no concelho de Torres Novas. Tenho uma irmã dois anos mais nova.

Fez parte de muitas associações desportivas.

Comecei por praticar judo por brincadeira, aos sete anos. Antigamente praticávamos mil desportos. Mais tarde joguei andebol e, mais a sério, fiz atletismo e natação, tudo em associações de Torres Novas. Curiosamente, quando fui estudar para a Faculdade de Direito de Lisboa joguei pólo aquático numa equipa do Instituto Superior Técnico porque era melhor.

É advogado por imposição da família?

Só decidi escolher Direito quando estava a preencher os papéis para ingressar no ensino superior. O meu sonho era seguir Filosofia, mas nessa altura já tinha pouca saída no mercado. Apesar do meu pai, Carlos Trincão Marques, ter sido um advogado de referência e um político reconhecido, nunca condicionou as minhas opções. Claro que à mesa as conversas eram sobre a temática, mas só mais tarde percebi a importância que tiveram e ainda têm na minha vida profissional.

O que aprendeu com o seu pai?

Fiz o estágio profissional com ele num escritório muito movimentado em Torres Novas. Os seus ensinamentos foram fundamentais porque acabar um curso de Direito não significa que se esteja preparado para exercer advocacia. Há muita coisa que não vem nos livros e é a prática que faz o advogado; e essas competências devo-as ao meu pai.

O seu pai foi militante do MDP/CDE e do Partido Comunista. O senhor é do Partido Socialista. Quando é que se apercebeu das diferenças ideológicas?

Pertenço a uma família com variadíssimas crenças ideológicas. O meu avô, que para além de advogado era agricultor, era um homem ligado à Direita. Esteve ligado à fundação da Feira da Agricultura de Santarém e chegou a ser condecorado comendador no regime do Estado Novo. A minha mãe não foi uma pessoa muito politizada, o meu tio também não, mas houve sempre respeito e liberdade para pensar.

Como era o seu pensamento quando entrou na política?

Desde miúdo que acompanhava o meu pai. A Faculdade de Direito de Lisboa era um viveiro de políticos. Marcelo Rebelo de Sousa foi meu professor, António Costa, Álvaro Cunhal, Francisco Sá Carneiro, Mário Soares e Freitas do Amaral foram todos alunos e professores na universidade. Como tive Ciência Política e Direito Constitucional comecei a interessar-me pela matéria, mas nunca me filiei em qualquer partido até 1994 quando voltei para Torres Novas. Fiz-me militante do Partido Comunista Português, onde estive durante seis anos.

Chateou-se com as regras rígidas do PCP?

Quem se interessa pela história do PCP sabe que o partido tem tido várias fases com linhas ideológicas distintas. Houve uma grande mudança na entrada para o novo milénio e optei por sair. Basicamente, quando entrei o PCP tinha uma orientação e quando saí estava a ter outra.

Está desiludido com a política?

Não, porque sem política não há organização social. Quando oiço alguém dizer que não liga à política fico preocupado. A política é necessária, o que se pode discutir é o caminho que se quer seguir na política.

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