Entrevista | 08-11-2022 18:00

Vila Nova da Rainha vive estrangulada entre armazéns de logística e o tráfego intenso

Bruno Borda d’Água está no seu primeiro mandato como presidente da Junta de Vila Nova da Rainha

O antigo eleito do PS que se candidatou pelo PSD e venceu a Junta de Vila Nova da Rainha nas últimas eleições exige mais qualidade de vida para a freguesia. Nesta entrevista diz que não se pode atrair empresas sem lhes exigir condições para que não causem constrangimentos e lamenta que as juntas de freguesia não tenham capacidade financeira para grandes obras.

Demora mais tempo a adormecer desde que é presidente de junta? Sem dúvida. Muitas vezes acordo durante a noite a pensar em situações que tenho para resolver. As preocupações de todos os fregueses passaram a ser as minhas e tenho tentado resolvê-las o mais depressa possível.
Se as insónias se agravarem e precisar de medicação tem médico de família a quem recorrer? Não, há cinco anos que não tenho médico de família. É um grande problema que temos no concelho de Azambuja e que não está a ser fácil de resolver.
Um balcão SNS 24 não resolveria esta parte do problema? Isso seria passar um problema dos centros de saúde para as juntas de freguesia, porque não há médicos para passar receitas. Um balcão só é hipótese quando o centro de saúde funcionar em condições e houver médicos.
Quando adoece ou algum membro da sua família precisa de ser visto por um médico a que serviço recorre? Recorremos ao privado, felizmente tenho essa possibilidade. Mas nem todas as pessoas têm capacidade financeira para recorrer à medicina privada e isso preocupa-me bastante.
O possível fecho das urgências de obstetrícia do Hospital de Vila Franca de Xira também é uma preocupação que pode ter impacto na fixação de pessoas em Vila Nova da Rainha? Claro que vai ter impactos, as pessoas vão pensar duas vezes antes de vir morar para cá. Se a obstetrícia falhar em Vila Franca de Xira é mais um revés na saúde no concelho de Azambuja. O cenário da saúde cada vez se avizinha mais negro para todos os que vivem nesta região.
A Câmara de Azambuja tem referido que apesar da saúde ser competência da administração central tem feito os possíveis para resolver o problema da falta de médicos. Concorda? Neste momento sei que a câmara está a fazer esforços para atrair médicos para o concelho, mas não tem sido fácil. Acho que as verbas que está a oferecer para os médicos se fixarem eram mais do que suficientes para os atrair. Tem que haver outro problema de fundo que não os incentiva a fixarem-se no concelho.
Como o facto do Centro de Saúde de Azambuja não ter conseguido uma transição para Unidade de Saúde Familiar, modelo onde os ordenados seriam mais apelativos? Provavelmente. Não é novidade que muitos médicos estão a sair para o privado porque ganham mais. Não digo que o plano de saúde [que a câmara municipal pondera atribuir] seja uma medida à toa, mas não devíamos ir por aí. Devemos continuar a tentar fixar médicos, porque temos uma população cada vez mais envelhecida que precisa de exames e consultas.
Por falar em envelhecimento: segundo os dados dos Censos de 2021, em Azambuja, por cada seis jovens há 180 idosos. É uma realidade que também encaixa nesta freguesia? Em Vila Nova da Rainha, com as constantes instalações de armazéns de logística, temos falta de habitação, o que leva a que os jovens não se fixem e estejam a procurar concelhos vizinhos para se estabelecerem tanto a nível de trabalho como de morada. O arrendamento é extremamente complicado, com valores cada vez mais altos e procura imensa. Estão-se a fazer algumas moradias na beira da Nacional 3 mas são insuficientes. Há um terreno que vai ficar em posse da Câmara de Azambuja que seria fundamental que fosse olhado como um espaço para habitação, espaços lúdicos e verdes, e não para ser lugar de um armazém. Não podemos ficar estrangulados com mais um armazém dentro de Vila Nova da Rainha, já chegamos ao limite da fronteira. Tem de haver um tampão para a área industrial na nossa freguesia. Além deste terreno temos a última fase da Socasa que está parada; seriam mais 30 ou 40 fogos habitacionais. Respondendo: entristece-me não conseguir manter a população jovem na freguesia… vai restando a população mais idosa.
Que outro tipo de incentivos à fixação de jovens podiam ser dados localmente? Termos mais espaços lúdicos, por exemplo. Nesta freguesia não temos uma sala multiusos, onde possamos fazer algum tipo de actividade cultural, nem um parque desportivo a céu aberto. Além disso, o único parque infantil não tem piso adequado aos dias de hoje. Temos a promessa por parte da câmara municipal de que em breve vai ser resolvido, estamos a aguardar.
Com tantos atrasos, queixas dos encarregados de educação e alunos a ter aulas em contentores, a requalificação da Escola Básica/Jardim-de-infância de Vila Nova da Rainha foi uma bênção ou um pesadelo? Um pesadelo nunca. Era uma obra que estava prometida pela câmara há mais de uma década. Finalmente temos condições que nos últimos 20 anos ninguém pensava vir a ter nesta freguesia. Demorou mas foi feita uma boa obra.
Esta freguesia, pela quantidade de empresas que tem instaladas no seu território, é a que mais contribui com impostos municipais. Há retorno em investimento? Vila Nova da Rainha devia, só por esse motivo, receber mais obras. Tivemos agora o caso de uma empresa que se instalou e pagou 800 mil euros em taxas à câmara. Estamos limitados, temos problemas com tráfego de pesados, acidentes na estrada e devíamos ser recompensados com obras que fazem falta e isso não acontece. A Câmara de Azambuja devia olhar para as freguesias mais pequenas e investir nelas também, fazer obra que crie qualidade de vida. Somos todos fregueses do mesmo concelho.
Como é que vê a passagem de linhas eléctricas de alta tensão e da construção de uma subestação elevadora de tensão de 60kV para 400kV na freguesia para servir uma central fotovoltaica da EDP Renováveis instalada em Alenquer? É uma situação que me preocupa bastante. Apesar de nos dizerem que não há problema e de não termos nenhum estudo que comprove riscos para a saúde pública, as linhas estão a 300 metros…
Os 20 mil euros que esta junta de freguesia recebeu do programa de responsabilidade social da EDP Renováveis, por indicação da Câmara de Azambuja, foram um presente envenenado? Claro que sim. 20 mil euros para quem sofre com o problema é muito curto. Disse que não estávamos contentes e que não tínhamos percebido o porquê desta distribuição: de um bolo de 120 mil euros distribuídos [por associações e IPSS] a Junta de Vila Nova da Rainha ficou com 16%, quando é aqui que vamos sofrer com o impacto. Queremos avançar com uma sala multiusos, mas 20 mil euros não vão chegar para nada.

“A Nacional 3 parece o IC19 em hora de ponta”

Apresentou, juntamente com o presidente da Junta de Azambuja, uma proposta para a melhoria da mobilidade na Estrada Nacional 3. Se passaram décadas até se ter um projecto para duas rotundas que ainda nem saíram do papel, não o assusta o tempo que passaria até se implementar uma solução que implica expropriações e construção de novas vias? Claro que me assusta. Mas nós sofremos todos os dias com o tráfego. A Nacional 3 parece o IC19 em hora de ponta e isso também leva pessoas a deslocalizarem-se da nossa freguesia para outras. Este projecto é mais do que duas rotundas, contempla todas as alternativas viáveis que levariam a uma mitigação do problema. Repare-se que logo depois da apresentação do projecto tivemos mais um acidente mortal à porta desta freguesia e passado uma hora um acidente gravíssimo com vítimas encarceradas. Acredito que se houver vontade política nos próximos quatro anos poderia-se começar a ver obra.
A Câmara de Azambuja exige pouco às empresas que aqui se instalam, inclusive no que toca à EN3? Lá está! É um erro a câmara municipal não exigir acessos condignos quando alguma empresa se instala. Não basta atrair e instalar empresas é preciso criar condições para que não se prejudique a qualidade de vida das pessoas.
Na apresentação da sua candidatura disse que Vila Nova da Rainha era conhecida pelos camiões mal estacionados nas bermas da EN3. Mantém o lamento? Sim, mantenho. O problema continua e as autoridades nada fazem. Cada vez temos mais tráfego de pesados na freguesia. Na hora de almoço, como não têm onde estacionar, é em qualquer lugar.
Um parque de pesados na freguesia não resolveria? Sou totalmente contra que se faça um parque de pesados dentro da malha urbana da freguesia. Ter camiões com aparelhos frigoríficos uma noite inteira a fazer barulho não me parece boa ideia. A solução passa por cada empresa que se instale ser obrigada a criar parques para pesados à medida das suas necessidades e isso não acontece, caso contrário, não haveria veículos pesados nas bermas.
Mas Vila Nova da Rainha não é apenas camiões mal estacionados. Estamos a falar da vila que é berço da aviação militar em Portugal… Essa vertente está mal explorada. O edifício da antiga escola de aviação, a primeira do país foi requalificado, mas nunca foi aproveitado e acabou por arder em 2018. Podíamos pensar num museu dos transportes, seria bom iria atrair visitantes a uma freguesia onde passam os caminhos de Fátima e Santiago. Vai-se sempre a tempo.
Esta junta de freguesia tem um orçamento de pouco mais de 150 mil euros. Esse dinheiro dá para quê? Não é fácil gerir com esta verba. Pagamos a cinco funcionários e vai dando para fazer obras pequenas, como a requalificação da casa mortuária que já não tem condições. As juntas de freguesia continuam a não ter capacidade para fazer grandes obras.
Saiu do PS, concorreu pelo PSD e venceu. Estava desacreditado do modelo socialista? Achava que havia coisas que deviam ser feitas de outra forma ou outras que não se faziam e não compreendia porquê. O meu pai sempre me disse que se alguma vez eu quisesse que me arranjasse um trabalho na câmara não o faria e percebo-o: quero chegar lá e, se precisar, poder dar dois murros na mesa. Mudei a convite do Paulo Jorge Ferreira [no anterior mandato], mas como independente, porque não quero estar ligado a partidos políticos. Estou contente por tê-lo feito.

O amor pela columbofilia e o ‘excesso’ de simpatia

Bruno Borda d’Água nasceu há 43 anos em Vila Nova da Rainha. Foi nos tempos em que a vila ainda era aldeia e “passava um carro de vez em quando” que ganhou paixão pela columbofilia, que acabou por transmitir ao filho mais velho. Tem cerca de 300 pombos-correio que são treinados duas vezes ao dia, uma tarefa que passou ao filho desde que é presidente de junta e o tempo livre escasseia. Foi por diversas vezes campeão distrital e tem uma pomba que foi vice-campeã nacional, que “não vendia nem que [lhe] oferecessem 20 mil euros”.
Filho único, de mãe e de pai que, tal como ele, dirigiu os destinos da Junta de Vila Nova da Rainha, estudou até ao 12º ano, foi à tropa durante seis meses e não achou que a experiência lhe tivesse acrescentado novos valores. É desenhador industrial de profissão e um presidente de junta que não é adepto de dias de atendimento à população: “todos os dias vou à junta e atendo pessoas. Candidatei-me porque gosto de servir a população, gosto que venham ter comigo e de tentar resolver problemas, é isso que me faz sentir útil”.
Pai de dois – um filho e uma filha – e casado desde 2005, define-se como extrovertido e simpático. “Saio de casa e levanto mais de 20 vezes o braço para cumprimentar as pessoas. A minha esposa, que é o oposto de mim, pergunta-me porque tenho de cumprimentar toda a gente. Não tenho, mas sou assim”, diz. Em Vila Nova da Rainha, terra onde em miúdo jogava à bola com pedras a delimitar uma baliza, já integrou praticamente todas as associações existentes. Acredita que pode fazer a diferença localmente e assobia para o lado cada vez que numa assembleia municipal o criticam por reclamar sempre do mesmo. “Se volto a falar é porque o problema se mantém”. Na política, o que mais o incomoda é que por vezes se tomem decisões em prol de forças políticas e não das pessoas.

Mais Notícias

    A carregar...
    Logo: Mirante TV
    mais vídeos
    mais fotogalerias

    Edição Semanal

    Edição nº 1657
    27-03-2024
    Capa Vale Tejo
    Edição nº 1657
    27-03-2024
    Capa Lezíria/Médio Tejo