O inquérito às PPP´s e a reunião com Pinto Monteiro, Procurador-Geral da República

Duarte Marques*

Este é o meu segundo texto neste jornal online sobre a minha experiência de trabalho político na Assembleia da República enquanto deputado e membro de cinco comissões de inquérito que trouxeram para a ribalta, pela primeira vez, os segredos de uma classe dirigente da política e do sector empresarial, supostas elites que desgraçaram o país, que colocaram em causa as actuais e futuras gerações, e que muitos deles respondem na justiça pelos crimes mais graves praticados depois do 25 de Abril de 1974. Neste artigo falo do meu primeiro contato com a “podridão” do regime.

Em primeiro lugar, importa explicar que uma CPI não é um tribunal, mas tem poderes superiores a uma comissão parlamentar normal. Tudo o que for dito numa reunião pode ser usado num processo a decorrer na justiça. Nenhum cidadão se pode recusar a responder a uma CPI, seja presencialmente ou por escrito e se mentir será alvo de um processo judicial. Além disso, uma CPI tem o direito a pedir todos os documentos que considerar necessários, sejam de entidades públicas ou privadas. Além de todos estes poderes há um outro que não é de desprezar; é a possibilidade de fazer uma audição “pergunta-resposta”, ou seja, o inquirido não pode fugir às perguntas como tantas vezes vemos os ministros e os secretários de estado a fazerem no Parlamento. O papel do deputado é assim muito reforçado.

E como se escolhem os deputados? Apesar de nomeados pelos grupos parlamentares, numa Comissão de Inquérito, os deputados assumem um papel mais individual, não há voto de bancada, todos têm direito a usar da palavra e em todas as audições, se assim o pretenderem, tal como na votação do relatório final. É importante referir esta parte porque faz uma grande diferença no trabalho do deputado, como veremos num episódio da CPI CDG1. No entanto, nada isto impede que se trabalhe em equipa. Por outro lado, importa dizer que nas CPI´s cada partido nomeia um coordenador ou um porta-voz que é responsável pela organização dos trabalhos e que participa nas reuniões de coordenação com o presidente e Vice-Presidente da Comissão. Os partidos mais pequenos costumam ter apenas um Deputado, tendo por isso mais trabalho de estudo, mas também mais “tempo de antena” o que acaba por ser mais vantajoso porque acabam por “dominar” todos os dossiers da comissão e não a dividir assuntos com os colegas.

 A este propósito importa também explicar como se compõe normalmente as equipas nestas Comissões. Falo pelo PSD, pelo menos nos primeiros 7 anos de mandato, sob a liderança de Luís Montenegro e de Pedro Passos Coelho. Com Rui Rio esses critérios mudaram para “amigo do líder”, a pedido, por simpatia ou com aquele argumento muito usado de que “precisa de aparecer”. Em função do tema escolhiam-se as pessoas que normalmente acompanham esses assuntos nas comissões especializadas, por exemplo nas PPP´s juntaram-se pessoas da Comissão de Economia. Depois era também importante ter alguém que tivesse mais facilidade em questões jurídicas ou especial apetência pelo tema tratado, seja pela experiência profissional ou pela região de origem. Apesar de não corresponder a nenhum destes requisitos, vim a fazer parte da minha primeira CPI, a da PPP´s, por sugestão do assessor da Comissão de Economia do PSD, Pedro Croft e, admito, também por enquanto Presidente da JSD ter denunciado na Procuradoria-Geral da República, na altura em audiência com o então PGR Pinto Monteiro, de má memória, muitas das irregularidades com as PPP´s rodoviárias.

Essa reunião com o então Procurador-Geral Pinto Monteiro merece aqui referência pois foi o meu primeiro contacto com a “podridão” que herdámos de uma teia de jogos e interesses que a governação socrática nos deixou em herança. Pinto Monteiro foi um elemento importante desse enredo. Nessa reunião, que antecedeu em cerca de um ano essa CPI às PPP´s, fiz-me acompanhar pelo então Presidente da Mesa do Congresso da JSD, e que viria a ser líder Parlamentar do PSD, Hugo Soares. Pinto Monteiro fez tudo o que um amigo da magistratura me tinha dito que ele faria. Falou cerca de meia hora sobre a história do Palácio, o papel da PGR e, creio que, sobre a beleza dos cortinados da sala onde nos recebeu e algumas obras no edifício que tinham realizado recentemente. Sobre os factos que lhe entregamos em mão alertou-nos que “muita gente fala, mas depois não há provas”. Mas houve um detalhe que muito me surpreendeu, e que revelo pela primeira vez. Na pequena mesa de apoio, Pinto Monteiro tinha colocado uma capa que na lombada dizia algo como “inquérito PPP´s”. Não falou sobre isso nem mencionamos esse pormenor. O Hugo, advogado de profissão, chegados cá fora e antes de falar aos jornalistas, disse-me: “reparaste na capa? Não fales disso à imprensa nem a ninguém, pode ser uma armadilha”. Nunca chegaremos a saber, mas será que Pinto Monteiro terá levado propositadamente aquele dossier para que nós o víssemos ou que disséssemos cá fora que a PGR estava a investigar as PPP´s?

 Duarte Marques*

*Ex deputado do PSD entre 2011 e 2022; Membro das Comissões Parlamentares de Inquérito das PPPs do sector rodoviário; Grupo BES/Grupo Espírito Santo, Caixa Geral de Depósitos, Rendas Excessivas no Sector Energético e membro da Comissão Eventual sobre a preparação do PT2030.

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