Um artista chamado Paulo Campos

Duarte Marques*

A loucura que foram os contratos de Parcerias Público Privadas lançadas por José Sócrates e companhia, mas também um manual de como “não fazer más PPP´s”, a forma ardilosa como Paulo Campos montou a sua teia de interesses, são as questões que se podem ler em mais um artigo em que pretendo contar neste jornal como uma classe dirigente da política e do sector empresarial depois de condutas “criminosas” que ficaram evidentes após as reuniões de cada Comissão Parlamentar de Inquérito das PPPs.

Tal como muitos outros artistas que fomos conhecendo, Paulo Campos era ardiloso a montar a sua teia. Raramente não tinha uma resposta na ponta da língua e justificava quase tudo com o parecer “dali”, o estudo “daqui” etc, etc. Todas as decisões que tomava eram com base na opinião de alguém, fosse das Infraestruturas de Portugal, da Secretária-geral do Ministério, das Finanças, entre tantos outros. O que Paulo Campos não nos contava é que antes de avançar com as novas concessões rodoviárias plantou amigos ou ex-assessores seus em todos estes organismos para garantir que teria apoio ou justificação técnica para tudo o que queria fazer. Almerindo Marques só dava a cara e não fazia ideia que afinal tinha o terreno todo minado. O outro truque do Governo eram os estudos de tráfego para justificar as novas autoestradas ou o TGV. A maioria deles e os mais estapafúrdios eram assinados por um famoso professor da faculdade de economia de Coimbra, chamado José Reis, que liderava então um Centro de Estudos cuja folha de excel aguentava tudo. Este indivíduo tanto aparecia nas televisões a criticar a enorme dívida pública e a austeridade, como na sombra assinava estudos de viabilidade económica completamente loucos e feitos à medida das intenções de Paulo Campos e José Sócrates. É triste quando os meios ou mesmo o prestígio de uma universidade são usados para uma tal encenação.

Uma das ideias mais danosas de Paulo Campos foi a inversão feita nas subconcessões em que as empresas concessionárias passaram a receber um “aluguer” das estradas independentemente do tráfego, ou seja, passassem muitos ou poucos veículos o lucro estava garantido. Ainda hoje pagamos os devaneios desta loucura.

As famosas side letters e o envolvimento do Tribunal de Contas

A situação mais mediatizada durante esta Comissão foi a questão das “side letters” que foram anexadas a alguns contratos. Na verdade, o que se passou foi que entre o lançamento do concurso e a respetiva adjudicação tinha passado tanto tempo, cerca de 2 anos, que fez com os preços se alterassem e fosse necessário atualizar o orçamento mesmo antes da obra começar. Como o Tribunal de Contas, então liderado por Guilherme Oliveira Martins, e bem de acordo com a lei, se opunha à simples atualização de preços, como o executivo socialista pretendia, e como Sócrates não queria recomeçar todo o processo e adiar a obra mais um ano, agendou-se uma reunião informal entre o Governo e o Tribunal de Contas para encontrar uma solução. Já na altura uma fonte bem informada me tinha dito que a solução das “side letters” teria sido uma proposta do então Presidente do Tribunal de Contas ????. Não tínhamos provas disso e após diálogo com outros colegas deputados do PSD, entendemos não usar esse argumento que punha em causa o prestígio do próprio Tribunal. No entanto, e ao contrário do que muitos diziam, e da própria tese da investigação do MP, na minha opinião não se trataria de uma forma de “aumentar” os lucros das empresas, mas sim de um meio ardiloso para contornar um impedimento legal que adiaria uma obra que o Governo queria lançar de imediato.

Anos mais tarde, na sua edição de 26 de julho de 2018, o Correio da Manhã revela que a PJ tinha apanhado o fio à meada e publicou um artigo com o seguinte título: “Acordo secreto com bancos fintou Tribunal de Contas”. O artigo conta toda a história das side letters que já acima referimos, mas agora com base na acusação do Ministério Público. O que ficava por provar é que tinha sido por sugestão do próprio Tribunal como muitos já sabíamos. No seu depoimento à PJ, Almerindo Marques confirmou precisamente esta tese, revelou que teriam ocorrido dois encontros, um no Tribunal de Contas e outro na Presidência do Conselho de Ministros onde participaram, pasme-se, o então Presidente do Tribunal, Guilherme Oliveira Martins e o atual, José Tavares, que à data era o Director Geral do Tribunal. Algum tempo depois a revista Sábado publicou a história completa de como se processou este “acordo” entre o Governo de então e o Tribunal de Contas. Essa história pode ser lida em www.sabado.pt

O Relatório final elaborado pelo deputado Sérgio Azevedo foi apresentado alguns dias após a última audição. Não estive presente por estar já nos Estados Unidos da América onde durante um mês participei num programa do German Marshal Fund. O Relatório está muito completo e é bastante equilibrado e de fácil leitura. Estava eu Wilmington, na Carolina do Sul, quando o Relator me ligou a dar conta dos destaques do documento. Só lhe fiz uma pergunta: também críticas as nossas PPP´s? neste caso a Lusoponte? O Sérgio disse-me que sim e fiquei descansado. Era um relatório a sério.

Meses antes, e visto todo o enredo deste processo, tinha-lhe sugerido que fosse preparando um livro relativo a esta Comissão de Inquérito. Disse-lhe então: “sugiro-te que como Relator escrevas um livro, se tu não o fizeres faço-o eu”. De imediato aceitou a sugestão e o seu texto é um belo testemunho da loucura que foram os contratos de Parcerias Público Privadas lançadas por José Sócrates e companhia, mas também um manual de como “não fazer más PPP´s”.

Em jeito de conclusão devo salientar três aspetos que aprendi. As PPPs são um belo modelo de investimento que nas mãos de políticos deslumbrados e irresponsáveis podem ser perigosíssimas pela facilidade com que permitem fazer investimento e mostrar resultados. A fatura vem depois. Como se pode ver no caso da Saúde, as PPP´s são um instrumento que pode ser bem-sucedido, poupar dinheiro aos cidadãos e prestar um serviço de qualidade. Não pode é cair nas mãos erradas.

O segundo aspeto é que o Estado não está preparado nem tem know how próprio para negociar, acompanhar a execução e cumprimento deste tipo de contratos. Os melhores juristas, economistas e engenheiros especializados neste sector não estão no Estado e são essenciais para garantir o bom funcionamento de uma PPP´s para proteger o interesse público. E o terceiro aspecto, mas não menos importante, que aprendi com um amigo dos tempos da JSD, que encontrei quando fui a um casamento a Vila Nova de Gaia, e era então engenheiro civil numa grande construtora portuguesa; disse-me ele para meu espanto: “tenho estado a ouvir a CPI das PPP´s. Mas vocês ainda não viram um lado essencial. Já reparaste que em Portugal as concessionárias das autoestradas são as próprias empresas de construção? Nos outros países não é assim. É que na construção, por exemplo, de uma estrada que nos custa 500 milhões de euros, nós metemos como custo 700 milhões no project finance. Ou seja, já ganhámos 200 milhões. Depois ainda cobramos a renda da utilização da infraestrutura.” Os concessionários não podem ser os próprios construtores. Ou seja, ganhamos duas vezes.

Se alguém quiser saber mais sobre esta Comissão de Inquérito, todos os documentos, atas e audições estão disponíveis aqui: DetalheIniciativa (parlamento.pt)

Mais Notícias

    A carregar...
    Logo: Mirante TV
    mais vídeos
    mais fotogalerias

    Edição Semanal

    Edição nº 1657
    27-03-2024
    Capa Vale Tejo
    Edição nº 1657
    27-03-2024
    Capa Lezíria/Médio Tejo