Identidade Profissional | 20-07-2022 11:59

Drogaria do “Zé da Trincha” na Póvoa resiste à passagem do tempo

José Carvalho abriu a loja “O Zé da Trincha”, na Póvoa de Santa Iria há cerca de três décadas

É um estabelecimento da Póvoa de Santa Iria que resiste à passagem do tempo e à concorrência das grandes superfícies comerciais. Com mais de dez mil artigos para venda, José Carvalho, que sonhava ser artista plástico, é o rosto de uma loja que tem as portas abertas há cerca de três décadas.

José Carvalho, mais conhecido por “Zé da Trincha”, é o rosto de um negócio em vias de extinção. Aos 66 anos mantém-se de pedra e cal como proprietário de uma das últimas drogarias abertas na Póvoa de Santa Iria, concelho de Vila Franca de Xira.
Nascido no bairro de Arcena, em Alverca do Ribatejo, José Carvalho sonhava ser artista plástico. Não conseguiu concretizar o sonho, mas o pincel foi durante muitos anos a sua ferramenta de trabalho enquanto pintor de edifícios e espaços públicos. A O MIRANTE, o empresário afirma que sente “desgosto” quando caminha na rua e vê edifícios históricos pintados à pressa e com um aspecto pouco digno da sua grandeza. “Já não há mestres que ensinem às novas gerações como pegar numa trincha e fazer um bom trabalho. O espaço público está cada vez mais descaracterizado”, lamenta.
Depois de alguns anos a aperfeiçoar arte de pintar e de trabalhar de sol a sol, José Carvalho decidiu mudar o “chip” e procurar outra actividade que fosse menos agressiva física e mentalmente. Um dos colegas na construção civil desafiou-o, em jeito de brincadeira, a abrir uma loja com o nome “O Zé da Trincha”. A ideia e o nome agradaram e na década de 90 José Carvalho deu asas ao seu espírito empreendedor e fundou a sua própria empresa.
Desde aí que se afirma no mercado da venda de produtos para reparações, electricidade e canalização, entre muitos outros utilizados em vários sectores de actividades. “Posso garantir que tenho mais de 10 mil produtos à venda”, afirma com orgulho.
José Carvalho conta a O MIRANTE que a maioria dos seus clientes são empresas de construção civil e que, desde o início da pandemia, tem vendido muitos artigos através da internet. Com o desaparecimento de muitas drogarias e o aumento significativo de lojas de bricolage de grande superfície, os fornecedores começaram a exigir que fizesse encomendas com valores mínimos bastante altos, situação que tem prejudicado o negócio.

“As pessoas devem trabalhar em algo que as faça feliz”
O empresário recorda com saudade os tempos em que os seus dois filhos o ajudavam na loja. São momentos que guarda com carinho e que considera terem sido importantes para a formação do carácter dos seus filhos. Com a quebra do volume de vendas ficou decidido que o melhor era seguirem outro caminho e procurarem um trabalho que os realizasse a nível pessoal. “Acho que é um erro os pais obrigarem os filhos a seguirem-lhes as pisadas. As pessoas devem trabalhar em algo que as faz feliz. Em boa altura foram à procura dos seus sonhos porque esta loja não dá para sustentar três famílias”, afirma.
José Carvalho desabafa com o repórter e confessa estar pronto para abandonar o negócio que, durante mais de três décadas, lhe tem dado “água pela barba”. Sublinha que a maior recompensa que um empresário pode ter é saber que tem a confiança dos seus clientes e que os seus produtos e a forma como os atende deixa-os satisfeitos.
No entanto, e depois de perder muitos dos seus clientes habituais, admite que já não se sente com a determinação e vontade de trabalhar de outros tempos. “Muitos dos meus clientes já faleceram e a verdade é que grande parte do dia a loja está vazia. A solidão no trabalho é algo que não consigo lidar e o principal motivo para, tudo indica, ir gozar a minha reforma descansado”, revela acrescentando que não coloca fora de hipótese voltar a cultivar a sua paixão pelas artes plásticas.

Artigo publicado originalmente na edição de 21 de Abril de 2022

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